segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O Abutre


O Preço da Audiência

Dan Gilroy estreia como diretor no instigante longa O Abutre, em que também assina o roteiro da conturbada Los Angeles sem glamour, para contextualizar os bastidores do jornalismo de uma rede de TV que tem por objetivo a audiência sem mensurar o custo e as consequências, mesmo que para isto haja muito sangue e um sensacionalismo barato e despudorado. O realizador tem em sua bagagem a assinatura dos roteiros dos filmes Tudo Por Dinheiro (2005), Gigantes de Aço (2011) e o mais reconhecido O Legado Bourne (2012).

A trama tem como fio condutor o inescrupuloso cinegrafista Lou Bloom (com o insosso Jake Gyllenhaal, de O Segredo de Brokeback Mountain (2005), que não passa confiança e tem uma atuação pífia, ainda que arregale os olhos e fale mansamente), um personagem que está longe dos padrões éticos e morais politicamente correto, mas que mergulha fundo pela distorção da concorrência desleal, demonstra ser um vilão sem zelo com o profissionalismo, distante do senso de coleguismo ao apresentar de maneira sórdida o desrespeito com a categoria, como se vê na cena do desfecho com seu auxiliar de equipe (Riz Ahmed), bem como com o cinegrafista veterano que quer fazer uma sociedade (Bill Paxton). A fraude e a armação são suas duas armas potentes e prediletas para combater os concorrentes, além do jogo de sedução que se faz presente na construção psicológica do protagonista que as utiliza como meios inevitáveis para obter seu ideal nefasto.

O drama aborda com consistência a imprensa marrom, embora tenha alguns excessos na narrativa do sangue jorrando na tela, seu resultado é bom pelo foco que pretende mostrar de forma nua e crua. A ética é pisoteada no desenrolar da trajetória que apresenta a busca da audiência a qualquer custo na acirrada concorrência dos canais televisivos de noticiários com imagens fortes que prevalecem, pois é isto que o povo quer ver, como enfatiza em uma das cenas a editora-chefe Nina (Rene Russo- esposa do cineasta), responsável pelo conteúdo do meio de comunicação. Não importa que vidas sejam ceifadas ou que a urbanidade com a categoria seja burlada de forma medíocre pela busca com atropelos pela fama e do dinheiro fácil, sem se importar que para isto o bom senso seja vilipendiado e que a ética se exploda. Ninguém escapa da tramoia da história bem contada por Gilroy.

O diretor gaúcho Jorge Furtado, no recente e elogiado documentário mesclado com teatro O Mercado de Notícias (2014), lançou dúvidas e debateu o futuro do jornalismo, a evolução da internet, a ética e os interesses econômicos das grandes companhias jornalísticas como ponto culminante o papel da mídia, em que a voracidade para informar é cada vez maior, às vezes atropela os princípios básicos do jornalismo, como ouvir os dois lados, causando injustiça e destruição. em O Abutre que é um filme bem construído estruturalmente, também temos a interação com o público, mas pela ótica da concorrência sem limites numa crítica ácida à mídia televisiva de baixo nível intelectual e informativo, principalmente na busca insana da audiência, numa reflexão sobre as consequências das engrenagens quando há manipulação.

Furtado debate a essência do jornalismo e suas origens, num retrato fiel sobre a busca da verdade onde aconteceram os fatos e as fontes fidedignas e seus interesses na publicação da matéria, bem como a obrigação desta escolha. Gilroy retrata a mentira, a empulhação e o fator sanguinário como elementos que norteiam as necessidades que levam para uma imprensa antiética, numa visão crítica para questionar os abusos e falcatruas que são jogadas para os telespectadores. Há uma essencial convicção de encontrar novidades, de revelar novas histórias com o desejo urgente de colocar a matéria no ar, passando pelo crivo traumático de ferir suscetibilidades pelo interesse da sobrevivência, sem se preocupar com os dissabores enormes que poderão advir, ou com a defesa da retidão, embora esteja presente a ausência da neutralidade ou da imparcialidade da notícia na sombria realidade de tempos fustigados pelo dinheiro.

Outro filme que dá suporte ao drama norte-americano é a película de denúncias Abutres (2010), do badalado cineasta argentino Pablo Trapero Abutres (2010), expõe a máfia obcecada pelos prêmios de seguros de acidentes de veículos automotores das mais de oito mil vítimas fatais por ano na busca da notícia privilegiada pelo advogado patético e desonesto, mas boa pinta e hábil na conversa, já com sua habilitação cassada, monta com um outro colega na ativa, com auxílio de policiais corruptos e peritos que fraudam laudos, além de uma jovem médica bonita, inexperiente, estressada e viciada, criam uma verdadeira indústria para receber dinheiro de seguros decorrentes de vítimas fatais ou inválidas de acidentes de carros, até forjando atropelamentos de conhecidos.

Através de uma magnífica fotografia quase sempre escurecida pela madrugada, ou pelos ofuscantes holofotes dos fotógrafos com suas câmeras iluminando por lentes refletoras e lançando um facho de luz, O Abutre aborda a ética profissional pela falta de escrúpulos, em que um cinegrafista ambicioso atua no submundo do crime, registrando tragédias pessoais de acidentes e até um assalto inusitado, tal como um corvo na morte, obsessivo por lucros e ganhos fáceis, sem limites de qualquer constrangimento, perde a vergonha e o caráter inapelavelmente como um anti-herói. Um retrato pujante de um jornalismo apelativo como também é visto nos finais de tarde em vários canais de TV, inclusive em nosso país, onde o sangue é o protagonista das matérias sem qualquer cuidado de princípios com a boa, correta e fiel informação de credibilidade.

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