O Preço da Audiência
Dan Gilroy estreia como diretor no instigante longa O Abutre, em que também assina o roteiro
da conturbada Los Angeles sem glamour, para contextualizar os bastidores do
jornalismo de uma rede de TV que tem por objetivo a audiência sem mensurar o
custo e as consequências, mesmo que para isto haja muito sangue e um
sensacionalismo barato e despudorado. O realizador tem em sua bagagem a
assinatura dos roteiros dos filmes Tudo
Por Dinheiro (2005), Gigantes de Aço (2011)
e o mais reconhecido O Legado Bourne (2012).
A trama tem como fio condutor o inescrupuloso cinegrafista
Lou Bloom (com o insosso Jake Gyllenhaal, de O Segredo de Brokeback Mountain (2005), que não passa confiança e
tem uma atuação pífia, ainda que arregale os olhos e fale mansamente), um
personagem que está longe dos padrões éticos e morais politicamente correto,
mas que mergulha fundo pela distorção da concorrência desleal, demonstra ser um
vilão sem zelo com o profissionalismo, distante do senso de coleguismo ao apresentar
de maneira sórdida o desrespeito com a categoria, como se vê na cena do
desfecho com seu auxiliar de equipe (Riz Ahmed), bem como com o cinegrafista
veterano que quer fazer uma sociedade (Bill Paxton). A fraude e a armação são
suas duas armas potentes e prediletas para combater os concorrentes, além do
jogo de sedução que se faz presente na construção psicológica do protagonista
que as utiliza como meios inevitáveis para obter seu ideal nefasto.
O drama aborda com consistência a imprensa marrom, embora tenha
alguns excessos na narrativa do sangue jorrando na tela, seu resultado é bom
pelo foco que pretende mostrar de forma nua e crua. A ética é pisoteada no
desenrolar da trajetória que apresenta a busca da audiência a qualquer custo na
acirrada concorrência dos canais televisivos de noticiários com imagens fortes
que prevalecem, pois é isto que o povo quer ver, como enfatiza em uma das cenas
a editora-chefe Nina (Rene Russo- esposa do cineasta), responsável pelo
conteúdo do meio de comunicação. Não importa que vidas sejam ceifadas ou que a
urbanidade com a categoria seja burlada de forma medíocre pela busca com
atropelos pela fama e do dinheiro fácil, sem se importar que para isto o bom
senso seja vilipendiado e que a ética se exploda. Ninguém escapa da tramoia da
história bem contada por Gilroy.
O diretor gaúcho Jorge Furtado, no recente e elogiado documentário
mesclado com teatro O Mercado de Notícias
(2014), lançou dúvidas e debateu o futuro do jornalismo, a evolução da
internet, a ética e os interesses econômicos das grandes companhias
jornalísticas como ponto culminante o papel da mídia, em que a voracidade para
informar é cada vez maior, às vezes atropela os princípios básicos do
jornalismo, como ouvir os dois lados, causando injustiça e destruição. Já em O
Abutre que é um
filme bem construído estruturalmente, também temos a interação com o
público, mas pela ótica da concorrência sem limites numa crítica ácida à mídia
televisiva de baixo nível intelectual e informativo, principalmente na busca
insana da audiência, numa reflexão sobre as consequências das engrenagens
quando há manipulação.
Furtado debate a essência do jornalismo e suas origens, num
retrato fiel sobre a busca da verdade onde aconteceram os fatos e as fontes
fidedignas e seus interesses na publicação da matéria, bem como a obrigação desta
escolha. Gilroy retrata a mentira, a empulhação e o fator sanguinário como
elementos que norteiam as necessidades que levam para uma imprensa antiética,
numa visão crítica para questionar os abusos e falcatruas que são jogadas para
os telespectadores. Há uma essencial convicção de encontrar novidades, de
revelar novas histórias com o desejo urgente de colocar a matéria no ar,
passando pelo crivo traumático de ferir suscetibilidades pelo interesse da sobrevivência,
sem se preocupar com os dissabores enormes que poderão advir, ou com a defesa da
retidão, embora esteja presente a ausência da neutralidade ou da imparcialidade
da notícia na sombria realidade de tempos fustigados pelo dinheiro.
Outro filme que dá suporte ao drama norte-americano é a película
de denúncias Abutres (2010), do
badalado cineasta argentino Pablo Trapero Abutres
(2010), expõe a máfia obcecada pelos prêmios de seguros de acidentes de
veículos automotores das mais de oito mil vítimas fatais por ano na busca da
notícia privilegiada pelo advogado patético e desonesto, mas boa pinta e hábil
na conversa, já com sua habilitação cassada, monta com um outro colega na
ativa, com auxílio de policiais corruptos e peritos que fraudam laudos, além de
uma jovem médica bonita, inexperiente, estressada e viciada, criam uma
verdadeira indústria para receber dinheiro de seguros decorrentes de vítimas
fatais ou inválidas de acidentes de carros, até forjando atropelamentos de
conhecidos.
Através de uma magnífica fotografia quase sempre escurecida
pela madrugada, ou pelos ofuscantes holofotes dos fotógrafos com suas câmeras
iluminando por lentes refletoras e lançando um facho de luz, O Abutre aborda a ética profissional
pela falta de escrúpulos, em que um cinegrafista ambicioso atua no submundo do
crime, registrando tragédias pessoais de acidentes e até um assalto inusitado, tal
como um corvo na morte, obsessivo por lucros e ganhos fáceis, sem limites de
qualquer constrangimento, perde a vergonha e o caráter inapelavelmente como um
anti-herói. Um retrato pujante de um jornalismo apelativo como também é visto
nos finais de tarde em vários canais de TV, inclusive em nosso país, onde o
sangue é o protagonista das matérias sem qualquer cuidado de princípios com a
boa, correta e fiel informação de credibilidade.
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