terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Os 10 Melhores Filmes do Ano


Os 10 Mais e 05 Menções Honrosas

Como é final de ano e todos os críticos estão com suas listas de melhores filmes vistos em 2014, também elencamos o que se viu e ficou marcado como os 10 Mais e ainda 05 Menções Honrosas. Segue em ordem de preferência:

01. Cães Errantes (foto acima), de Tsai Ming-Liang;

02. Alabama Monroe, de Felix Van Groeningen;

03. Nebraska, de Alexander Payne;

04. Inside Llewyn Davis- Balada de um Homem Comum, dos irmãos Ethan e Joel Coen;

05. O Gebo e a Sombra, de Manoel de Oliveira;

06. Heli, de Amat Escalante;

07. Relatos Selvagens, de Damián Szifrón;

08. A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino;

09. O Lobo Atrás da Porta, de Fernando Coimbra;

10. Boyhood- Da Infância à Juventude, de Richard Linklater.


Dos que não conseguiram constar nos 10 Mais, listamos algumas menções honrosas, que só não entraram por absoluta falta de espaço, tais como:

- 7 Caixas, de Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori;
- Amar, Beber e Cantar, de Alain Resnais;
- Filha Distante, de Carlos Sorín;
- Gloria, de Sebastián Lelio;
- Vic+Flo Viram Um Urso, de Denis Côte.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O Abutre


O Preço da Audiência

Dan Gilroy estreia como diretor no instigante longa O Abutre, em que também assina o roteiro da conturbada Los Angeles sem glamour, para contextualizar os bastidores do jornalismo de uma rede de TV que tem por objetivo a audiência sem mensurar o custo e as consequências, mesmo que para isto haja muito sangue e um sensacionalismo barato e despudorado. O realizador tem em sua bagagem a assinatura dos roteiros dos filmes Tudo Por Dinheiro (2005), Gigantes de Aço (2011) e o mais reconhecido O Legado Bourne (2012).

A trama tem como fio condutor o inescrupuloso cinegrafista Lou Bloom (com o insosso Jake Gyllenhaal, de O Segredo de Brokeback Mountain (2005), que não passa confiança e tem uma atuação pífia, ainda que arregale os olhos e fale mansamente), um personagem que está longe dos padrões éticos e morais politicamente correto, mas que mergulha fundo pela distorção da concorrência desleal, demonstra ser um vilão sem zelo com o profissionalismo, distante do senso de coleguismo ao apresentar de maneira sórdida o desrespeito com a categoria, como se vê na cena do desfecho com seu auxiliar de equipe (Riz Ahmed), bem como com o cinegrafista veterano que quer fazer uma sociedade (Bill Paxton). A fraude e a armação são suas duas armas potentes e prediletas para combater os concorrentes, além do jogo de sedução que se faz presente na construção psicológica do protagonista que as utiliza como meios inevitáveis para obter seu ideal nefasto.

O drama aborda com consistência a imprensa marrom, embora tenha alguns excessos na narrativa do sangue jorrando na tela, seu resultado é bom pelo foco que pretende mostrar de forma nua e crua. A ética é pisoteada no desenrolar da trajetória que apresenta a busca da audiência a qualquer custo na acirrada concorrência dos canais televisivos de noticiários com imagens fortes que prevalecem, pois é isto que o povo quer ver, como enfatiza em uma das cenas a editora-chefe Nina (Rene Russo- esposa do cineasta), responsável pelo conteúdo do meio de comunicação. Não importa que vidas sejam ceifadas ou que a urbanidade com a categoria seja burlada de forma medíocre pela busca com atropelos pela fama e do dinheiro fácil, sem se importar que para isto o bom senso seja vilipendiado e que a ética se exploda. Ninguém escapa da tramoia da história bem contada por Gilroy.

O diretor gaúcho Jorge Furtado, no recente e elogiado documentário mesclado com teatro O Mercado de Notícias (2014), lançou dúvidas e debateu o futuro do jornalismo, a evolução da internet, a ética e os interesses econômicos das grandes companhias jornalísticas como ponto culminante o papel da mídia, em que a voracidade para informar é cada vez maior, às vezes atropela os princípios básicos do jornalismo, como ouvir os dois lados, causando injustiça e destruição. em O Abutre que é um filme bem construído estruturalmente, também temos a interação com o público, mas pela ótica da concorrência sem limites numa crítica ácida à mídia televisiva de baixo nível intelectual e informativo, principalmente na busca insana da audiência, numa reflexão sobre as consequências das engrenagens quando há manipulação.

Furtado debate a essência do jornalismo e suas origens, num retrato fiel sobre a busca da verdade onde aconteceram os fatos e as fontes fidedignas e seus interesses na publicação da matéria, bem como a obrigação desta escolha. Gilroy retrata a mentira, a empulhação e o fator sanguinário como elementos que norteiam as necessidades que levam para uma imprensa antiética, numa visão crítica para questionar os abusos e falcatruas que são jogadas para os telespectadores. Há uma essencial convicção de encontrar novidades, de revelar novas histórias com o desejo urgente de colocar a matéria no ar, passando pelo crivo traumático de ferir suscetibilidades pelo interesse da sobrevivência, sem se preocupar com os dissabores enormes que poderão advir, ou com a defesa da retidão, embora esteja presente a ausência da neutralidade ou da imparcialidade da notícia na sombria realidade de tempos fustigados pelo dinheiro.

Outro filme que dá suporte ao drama norte-americano é a película de denúncias Abutres (2010), do badalado cineasta argentino Pablo Trapero Abutres (2010), expõe a máfia obcecada pelos prêmios de seguros de acidentes de veículos automotores das mais de oito mil vítimas fatais por ano na busca da notícia privilegiada pelo advogado patético e desonesto, mas boa pinta e hábil na conversa, já com sua habilitação cassada, monta com um outro colega na ativa, com auxílio de policiais corruptos e peritos que fraudam laudos, além de uma jovem médica bonita, inexperiente, estressada e viciada, criam uma verdadeira indústria para receber dinheiro de seguros decorrentes de vítimas fatais ou inválidas de acidentes de carros, até forjando atropelamentos de conhecidos.

Através de uma magnífica fotografia quase sempre escurecida pela madrugada, ou pelos ofuscantes holofotes dos fotógrafos com suas câmeras iluminando por lentes refletoras e lançando um facho de luz, O Abutre aborda a ética profissional pela falta de escrúpulos, em que um cinegrafista ambicioso atua no submundo do crime, registrando tragédias pessoais de acidentes e até um assalto inusitado, tal como um corvo na morte, obsessivo por lucros e ganhos fáceis, sem limites de qualquer constrangimento, perde a vergonha e o caráter inapelavelmente como um anti-herói. Um retrato pujante de um jornalismo apelativo como também é visto nos finais de tarde em vários canais de TV, inclusive em nosso país, onde o sangue é o protagonista das matérias sem qualquer cuidado de princípios com a boa, correta e fiel informação de credibilidade.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Ventos de Agosto















As Transformações

Mais um jovem promissor cineasta pernambucano alça alto voo e conquista prêmios importantes, como a menção honrosa no Festival de Locarno, na Suíça, com Ventos de Agosto, único filme brasileiro a participar do evento. Premiado ainda no charmoso 47º. Festival de Brasília com os troféus Candango para melhor atriz e fotografia e o troféu Vagalume de melhor filme. Com apenas 31 anos, Gabriel Mascaro torna-se um proeminente realizador por esta admirável e consistente estreia na ficção, após dirigir com boa receptividade de público e crítica os documentários Um Lugar ao Sol (2009), Avenida Brasília Formosa (2010) e Doméstica (2012).

O drama contou com um elenco de amadores e figurantes, exceto a premiada atriz profissional Dandara de Morais que interpreta Shirley contracenando com Geová Manoel dos Santos no papel do namorado Jeison. O par central foi um dos poucos que estava previsto inicialmente no roteiro de Mascaro, que logo misturou com o pré-escrito para dar liberdade nas ações de improviso dos personagens que desfilaram na tela de forma espontânea. Nem mesmo a protagonista tinha um roteiro definido, ao atuar sem um regramento ortodoxo, ficou à vontade para improvisar. “Assim como a vida e a morte, que não são separados, o real e o ficcional também estão ligados. São parte da mesma questão. É por isso que para mim é importante trabalhar a convergência entre tudo. São partes da mesma experiência de filmar e experimentar a vida”, em entrevista coletiva do cineasta à imprensa do Festival de Locarno. Também o diretor agiu de forma não convencional, ao filmar e montar simultaneamente, como expõe: "tudo foi pensado para incorporar o imprevisto, apropriar-se das coisas que iam surgindo".

A trama retrata Shirley que deixou a cidade para viver numa pequena e pacata vila litorânea para cuidar da avó, em Alagoas. Lá, trabalhava numa plantação de coco dirigindo um trator, gosta de música punk-rock, passa Coca-Cola no corpo para se bronzear, tem como meta ser tatuadora e testa suas habilidades num porco. Busca a felicidade na relação íntima com o namoradinho que também trabalha na colheita de cocos. O rapaz tem como lazer a pesca subaquática e chega até encontrar uma cabeça humana no fundo do mar. O filme tem imagens deslumbrantes que contrastam com a pobreza e a desinformação dos antigos moradores daquele lugar, onde o progresso inexiste e as pessoas já envelhecidas vivem isoladas do mundo da tecnologia e seus avanços como a internet, que estão completamente ausentes naquela região, em que até o celular apresenta dificuldades de sinais.

O pequeno povoado litorâneo sai da mesmice diária com a chegada de um pesquisador (o próprio diretor atua) de som dos fortes ventos alísios com rajadas violentas no mês de agosto, oriundos da Zona de Convergência Intertropical, trazendo altas marés que atingem a costa e mexem com as ossadas dos mortos no cemitério próximo que está na iminência de desaparecer. Sua estadia trará alguns inconvenientes involuntários e seu destino fará com que muitas coisas se revelem, como a falência das instituições pela simbologia da Delegacia de Polícia fechada em pleno dia, tendo um preso por equívoco, sem rosto, mas com voz de protesto. É ele quem responde aos apelos de Jeison e informa que não há expediente e nem servidores. Esta mesma polícia é comunicada pelo rapaz da existência de um cadáver, acaba sendo designado o guardião do corpo, que com o passar do tempo entra em estado de putrefação. Nenhum policial busca o morto e a peripécia para levá-lo à cidade é digna de um romance de Kafka. Ali o cinema é um instrumento de denúncia e indignação de uma comunidade isolada e esquecida, refletida nos barcos velhos e sem segurança que são o único meio de transporte daquela região inóspita e em ruínas.

Ventos de Agosto tem uma fabulosa fotografia de imagens radiantes captadas que superam os diálogos, através de uma trilha sonora adequada na maioria das cenas às pequenas alterações que ocorrem naquele lugarejo pobre e hospitaleiro, com ruídos dos ventos uivantes e suas intempéries climáticas, também presente no comovente drama familiar Filha Distante (2012) de Carlos Sorín, bem como no belo longa gaúcho A Oeste do Fim do Mundo (2012), de Paulo Nascimento. É inevitável também a comparação com O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho.

O cinema autoral de Mascaro, assim como Mendonça Filho e Nascimento, se recorre do cotidiano para falar de sua aldeia com magnífica precisão, seguindo a recomendação de Tolstoi. Todos os sons e ruídos são familiares para o diretor, que apresenta um singular domínio de uma estrutura narrativa de inspirada criatividade, sem cair na obviedade e sem perder a poesia. São elementos bem caracterizadores e envolventes que marcam com rara qualidade este drama com essência da revolta da natureza para colocar os contrastes da vida de um lugar pré-histórico com a existência do mundo dito civilizado de embarcações com turistas ávidos pelo descanso, ignorando a total falta de assistência social àqueles nativos e suas superações que virão como se um peculiar novo dia nascesse como sugere o desenlace, embora dentro de um contexto negativo da estratificação social pelas desigualdades contundentes.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Boyhood- Da Infância à Juventude


Passagens do Tempo

Richard Linklater conquistou fãs pelo mundo com sua badalada trilogia do “Antes”, através de realizações de pouca ambição estética, em que havia mais transpiração e menos inspiração para um público limitado, embora cativo e atento aos lançamentos, que começou com Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013). Agora dá um salto de qualidade com Boyhood- Da Infância à Juventude, um projeto mais consistente e demorado que levou 12 anos rodando com os mesmos atores sendo reunidos de 2002 a 2013, sem se preocupar com indicações ou datas nos períodos que se desenvolvia a história. Amparado pela sensibilidade para abordar a temática da evolução do ser humano com o passar do tempo, numa abordagem sem estereótipos da transição da criança para a fase adulta e seus anseios à flor da pele, acompanhados pelo desenrolar dos pais e suas dificuldades para encontrar o parceiro certo, especialmente no que se refere à mulher, numa reflexão com ternura dolorida numa temática sobre o futuro de todos.

O drama de Linklater conta a vida com os percalços inerentes de um casal de pais divorciados (Ethan Hawke e Patricia Arquette) e dos filhos Mason (Ellar Coltrane- começou com 6 e terminou aos 18 anos as filmagens) e Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor). O foco da narrativa está na trajetória do menino ao retratar a relação dos filhos durante a fase do amadurecimento com os enroscos e turbulências em mais de uma década dos pais e seus novos romances, com cenas dramáticas e por vezes até engraçadas, além de muitos diálogos de bom nível, deixando as imagens como plano secundário, como no belo epílogo repleto de naturalidade, diante da beleza das situações simples como se fosse um piquenique. Ou antes, no retrato da emoção da mãe orgulhosa ao ver o filho se formar no ensino médio, já se preparando para a faculdade, através do canto familiar numa bonita roda, em que todos estão com as mãos entrelaçadas como forma de união.

A história mostra uma mãe e suas dificuldades em reconstruir a vida com a sina de arranjar companheiros alcoólatras e violentos. Luta para alcançar seu objetivo de formar-se no nível superior, às vezes parece distante e melancólica com o que lhe reserva o destino. Já o pai parece ser um bon vivant, ligado ao meio musical, faz campanha para Obama e odeia Bush. Porém, tem um caráter duvidoso, como nas cenas da carteira do dinheiro que esquece no carro e do automóvel que prometera para o filho e não lembra mais. Quer fazer do garoto um predador das menininhas, quase sempre ausente nas horas difíceis, ressurge nos bons momentos para mostrar um lado pouco preocupado com um futuro promissor, numa característica bem descolada, mas demonstra afeto e algum vínculo paternal, ao mostrar-se preocupado com a gravidez indesejada e precoce da filha que poderia acontecer. As idas e vindas das relações do pai e as frequentes mudanças de cidades, ou seja, com o equilíbrio da vida, deixam os filhos à margem de uma convivência mais próxima da estabilidade.

Outro acerto inquestionável é a prazerosa trilha sonora com canções diversificadas, que brindam a plateia com Yellow, do Coldplay, Band on the Run, de Paul McCartney, passa por Blink 182, Daft Punk, Pharrell Williams, Foo Fighters, Wilco e até Lady Gaga. Um filme belo pela agridoce singeleza que deixa circunstâncias que agravam e logo depois atenuam a caminhada de Mason em situações comuns cercado por pessoas que também crescem e buscam um futuro, bem secundado pela presença da irmã Samantha, que cria uma personagem marcante e não menos importante na trama que se desenrola com vagar e lucidez nas passagens do tempo. As transições dos irmãos estão bem colocadas e inseridas dentro de um inteligente roteiro singular de Linklater, com a sincronia do envelhecimento natural dos atores desde o início das filmagens, o quer faz o espectador ir percebendo na tela a realidade quase que naturalista do tempo que flui. A acertada direção leva para uma realização que remete para ideias em detrimento da parafernália dos efeitos especiais que pululam o cinema.

Além de ser uma obra instigante no todo, Boyhood- Da Infância à Juventude retrata as dúvidas e os caminhos que os adolescentes procuram em suas vidas futuras, por isto é inevitável a comparação pela similitude de conteúdo dos questionamentos na infância com os excelentes filmes brasileiros de trama aparentemente simples, mas de muita complexidade, entre os quais: Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), de Esmir Filho, Antes que o Mundo Acabe (2009), da gaúcha Ana Luiza Azevedo, e As Melhores Coisas do Mundo (2010), de Laís Bodanzky. Reconhecido no Festival de Berlim, Linklater recebeu o Urso de Prata de melhor direção, enfatiza o latente aspecto sombrio nos rostos de seus personagens, como no da mãe e do protagonista. Na relação com o futuro, o filho sente que existem outras fronteiras para serem desbravadas e seu mundo é muito maior que imagina em relação ao cotidiano que deixará para trás, faz refletir sobre uma triste beleza dos prazeres e desprazeres da adolescência que se distancia do universo juvenil com a iminência da difícil passagem para o mundo adulto repleto de preconceitos e complicações inerentes pela transição.

Também lembra o filme Em Paris (2006), de Christophe Honoré, onde os irmãos moravam com o pai, pois a mãe os abandonara para viver uma vida livre, após a morte trágica da filha; neste quem sai é o pai a ganhar o mundo, ficando a mãe cuidando dos filhos. O vazio existencial dá lugar para as brincadeiras e os conflitos na busca das conquistas, tendo por objetivo principal ser um vencedor no contexto geral, como incentiva o pai ao protagonista, pois assim os olhares estarão voltados para o conquistador, numa clara alusão da busca insistente de uma autoafirmação e uma identidade ainda debilitada. É forte a influência de Honoré sobre relação e o núcleo familiar com os jovens na escola e seus problemas fluentes da tenra idade, como a perda da virgindade e a tentativa de se aproximar da mais encantadora aluna como fatores que apenas servem de combustão para questionar situações mais abrangentes e profundas entre jovens pré-adolescentes diante das arraigadas idiossincrasias, buscando suprir as lacunas deixadas pelo pai ou a mãe, bem como os conflitos que se estendem neste drama original sobre os fragmentos familiares do tempo que passa.