Tragédia Grega
O jovem cineasta norte-americano Robert Eggers fez sucesso
com seu filme de estreia, A Bruxa (2015),
ao vencer o Festival de Sundance. Um longa de pós-terror realizado para não
causar sustos e sim impactar a plateia em situações perigosas com certo
requinte de maldade, com ambientação na região da Nova Inglaterra, na década de
1630. Lá, um casal levava uma vida cristã com suas cinco crianças em uma
comunidade extremamente religiosa, até serem expulsos do local por divergência
de fé da permitida pelas autoridades. A família foi morar num local isolado, nas
proximidades de um bosque, sofrendo com a escassez de comida. Porém, num certo
dia, o bebê recém-nascido desaparece misteriosamente sem deixar rastros.
Ficaram latentes muitos questionamentos aos pais: a criança teria sido devorada
por um lobo ou sequestrada por uma suposta bruxa oriunda da floresta, como
rezava a lenda. O realizador focou as respostas nos membros familiares, enquanto
estes buscavam alguma explicação verossímil, enfrentavam todo tipo dos piores
medos inerentes no ser humano e de seus lados mais abomináveis possíveis.
Eggers retoma a ficção na mesma Nova Inglaterra com O Farol, porém agora foi ambientado no
início dos anos 1880, em uma ilha na costa do Maine nos EUA. A história é
centrada em Thomas Wake
(Willem Dafoe), responsável por zelar com tenacidade o farol de uma ilhota
isolada no fim do mundo entre as rochas. Vive com ausência total de comunicação
e distante da civilização. É o típico capitão bêbado, frustrado e agressivo, que
se tranca dentro do local de trabalho com seus segredos, à noite, completamente
nu, emite alguns gemidos de prazer, abusa da flatulência em suas noitadas
pós-porres homéricos. O outro zelador é o novato Ephraim Winslow (Robert Pattinson),
que veio para substituir o ajudante anterior e colaborar nas árduas tarefas
diárias de uma jornada dura, cansativa e de muito esforço físico. Visivelmente
explorado pelo chefe, também esconde alguns enigmas do passado e ostenta um suposto
comportamento estável, embora seus limites sejam desafiados ao extremo.
Uma narrativa repleta de sugestões de violência e erotismo hétero
e homossexual, pois o enredo vai deixando dúvidas sobre aqueles dois homens à
beira da loucura, com a lucidez se esvaindo cada vez mais. Presume-se que logo
um matará o outro, tendo em vista os abusos e o descontrole insano advindos do
isolamento humano devastador que cresce geometricamente. Por vezes, dançam
bêbados e quase se beijam, insinuando uma relação sexual à flor da pele. Em meio
aos distúrbios comportamentais, surgem os delírios da solidão alicerçados pela
loucura que encontram guarida na erotização com a sereia que encanta o
personagem jovem com suavidade e doçura para magnetizar os ouvidos e a
percepção sensorial do rapaz já cansado das mentiras das histórias do antigo marinheiro.
Tudo gira para a compleição física e o contato no cotidiano, principalmente
pelas recorrentes brigas, quase sempre decorrentes de bebedeiras noturnas após
os estafantes trabalhos forçados. O cenário é exageradamente escatológico naquele
local fétido como uma pocilga abarrotado pelas fezes, urinas, sangues, vômitos
e espermas das masturbações memoráveis dos personagens com o ar infestado de
gases flatulentos.
Um retrato de dois homens em estado de choque e em rota de
colisão. O auxiliar de faroleiro que quer ganhar muito dinheiro fácil ali, está
obstinado para conhecer a magia do acesso intransponível ao fálico farol ereto,
na metáfora do símbolo do poder gerador da natureza carregada nos antigos festivais
em honra a Dioniso, mantido hermeticamente fechado, o que faz aguçar sua
curiosidade daquela misteriosa lanterna naquele recinto privado. Os fenômenos
estranhos da natureza começam a pulular ao seu redor. Como na cena em que o
personagem estraçalha uma gaivota para deixar fluir sua raiva e indignação
catártica do cenário claustrofóbico sem saída, diante das tempestades de chuva
e vento e a impossibilidade de apanhar um barco e ir buscar a liberdade no mar
revolto e assustador. O contexto conduz para a teoria da loucura e a neurose em
estado de ebulição de homens amalucados pela ausência da sociedade e dos
vínculos rompidos da distante civilização. A intensa realização vai do silêncio
para os longos diálogos exacerbados por acusações e delírios etílicos de
personagens oprimidos pelas circunstâncias do imaginário e os motivos que ainda
restam do sentido da existência humana.
O Farol é um filme
rodado num formato de tela quadrada, com uma clássica fotografia em preto e
branco, contrastada numa textura antiga de predominância em tom escuro. Tem o
marcante uivo atordoante da sirene pela ressonância melancólica que inebria e
registra as peripécias dos personagens perturbados pela desolação e seus
flertes com o imponderável, advindos da induzida falta de lucidez que se
esboroa. Mas a natureza invadida se vinga do homem no desfecho, quando os
pássaros entram em ação para comer a carne que deverá ser regenerada como na
mitologia dos gregos que ensina sobre Prometeu sendo punido ao ter seu fígado
comido pelas águias para eternizar a tortura por ter roubado o fogo dos deuses.
O realizador cria um clima hostil e pouco saudável, misturando o realismo com o
imaginário, num exercício mental delirante, claustrofóbico, escatológico e
tresloucado dos limites propostos da ficção para um tensionado e abrangente drama
mesclado com suspense que deriva para a tragédia grega. Os insultos fulminantes
atingem o alvo que está carregado de um ódio destroçante que soa como uma
antecipação alegórica do flagelo anunciado prestes a explodir. São sinalizações
indicadas ao espectador numa linguagem de cinema num panorama excessivamente
teatral para os espaços ambientados do imóvel rodeado por gaivotas, o mar pouco
amistoso, a sereia e as lendas contadas pelo marujo decrépito. Embora haja equívocos
de um roteiro pelos excessos verborrágicos e nauseosos, não invalida a obra de méritos
inquestionáveis e reflexivos.