sábado, 16 de abril de 2011

Contracorrente



Triângulo Amoroso

O filme peruano Contracorrente aborda um triângulo amoroso homo/heterossexual, tal qual foi amplamente mostrado com mais propriedade no longa-metragem de Ang Lee, O Segredo de Brockeback Mountain (2005), onde dois vaqueiros são mandados à uma montanha para cuidar de um rebanho de ovelhas. Ambos nos seus vinte e poucos anos, começando a vida adulta, acabam se apaixonando um pelo outro. A relação, a princípio somente sexual, logo se transforma em carinho, solidariedade e amor.

O longa tem direção de Javier Fuentes-Léon, representante do Peru no Oscar de filme estrangeiro, tendo o triângulo de um amor proibido rodado na paradisíaca costa litorânea peruana, com a esplendorosa fotografia de Maurício Vidal tendo o melhor resultado desta película panfletária de viés totalmente voltada para a defesa gay. Afasta-se de uma profunda reflexão ou uma análise mais apurada dos problemas decorrentes dos preconceitos, incorrendo no mesmo erro de Xavier Dolan, no longa Amores Imaginários (2010), que busca fazer um filme mais leve e engajado na causa. Ou seja, uma pequena apologia para tentar manter um relacionamento num típico ménage à trois, ao colocar no centro da proposta de um "homo", um "bi" e um "hétero". Ficou longe de seu primeiro filme, o profundo e magnífico Eu Matei a Minha Mãe (2009).

O recurso já batido de recorrer ao sobrenatural, tal qual foi feito no filme Ghost- Do Outro Lado da Vida (1990), já mostra a fraqueza do diretor em abordar abertamente o tema. O casal ao andar de mãos dadas pela comunidade de pescadores, sem serem vistos inicialmente, em nada acrescenta, a não ser uma tese surrada e batida da obscuridade do amor e da revelação ser deixada para o gran finale, esquivando-se da afronta. A trama tem o pacato Miguel, a esposa grávida Mariela, e o futuro herdeiro Miguelito, surgindo de repente no vilarejo, quase do nada, para compor o triângulo do relacionamento o pintor Santiago, chamado pelos moradores de “Príncipe Encantado”. O filme começa num ritmo acelerado e com a promessa do roteiro se sustentar, o que acaba por não acontecer, pois a previsibilidade logo surge e os contornos melodramáticos são enfatizados, levando para uma sonolenta e condução pífia até o epílogo, intercalados por cenas da novela brasileira O Direito de Amar (1987), dirigida pelo interminável Jayme Monjardim e estrelada pelo saudoso Lauro Corona.

Javier tem um mérito: ele se esforça e busca inspiração em bons filmes, até em novela brasileira para difundir sua obra, embora o resultado seja precário. Louve-se a grande sacada inspirada no célebre filme O Sol por Testemunha (1960), do inesquecível diretor René Clément, ao resgatar o corpo no fundo do mar, trazendo as recordações do passado, surgindo com os fantasmas ressuscitados pelos pescadores que capturaram involuntariamente em suas redes aquele corpo deformado pelo tempo e que suscitará discórdias e traumas, tal qual a grande surpresa que causou na época o clássico francês, ao ser fisgado pela âncora do barco. O inevitável preconceito enraizado pelo tempo logo aflora naquela singela vila de pessoas pobres e de pouca cultura. Mas com o passar do tempo, parece que as coisas voltam ao normal, na pregação simplória de Javier, sem antes ter muita discussão e olhares feios, como da cobrança direta de Mariela para o marido tomar uma posição de “homem de verdade” e assumir uma posição definida de seu amor homossexual clandestino. Incita o parceiro de opção enrustida, causando chacotas e humilhação com piadas e um certo isolamento na comunidade, para um clareza fática.

Javier não chega a e definir e deixa obscuro o conflito de Mariela e seu constrangimento como mulher e mãe, que tem momentos que aceita a situação dúbia numa tranquilidade aparente e insossa; em seguida é radicalmente contrária e a lucidez parece escapar-lhe, flutuando numa indecisão contraditória. Até Miguel escancarar a situação triangular, tanto junto aos colegas como para a ela e a mãe de Santiago. A presença do corpo é definitiva e a culpa pelo ato brota, deixando o sentimento retornar como se fosse um fantasma a atormentar.

O filme é previsível e frágil num roteiro perdido e dúbio de intenções, até o epílogo com a apologia do amor homossexual sobrepondo-se sem amarras, como se exorcizassem todos os espíritos no mar, naquele ritual da morte e a cerimônia fúnebre sendo filmada de baixo para cima, do fundo mar para a superfície, numa técnica elogiável, embora não condizente com um filme confuso nos seus propósitos de arte e sem sutileza para sua causa defendida, pairando o resultado de um manifesto em forma de panfleto.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Em um Mundo Melhor














Manifesto Pacifista

A diretora Susanne Bier era integrante do controvertido Manifesto Dogma 95, nascido e propagado na Dinamarca, mas aos poucos está se desvencilhando. Ou seja, livra-se totalmente como neste seu último longa-metragem Em um Mundo Melhor, com uma produção bem mais arrojada e um custo mais elevado, longe dos princípios norteadores de uma câmara na mão, uma ideia de um cunho técnico com uma série de restrições quanto ao uso de tecnologias nos filmes, com regras quanto ao conteúdo das obras e seus diretores, radicalmente contra a indústria cinematográfica propriamente dita.

O longa trata de duas famílias que o destino fará que se cruzem por linhas tortas. Anton (Mikael Persbrandt, em notável desempenho) é um médico sanitarista que trabalha num campo de refugiados, num longínquo país da África em convulsão social, tendo um ditador que comanda as atrocidades, lembra em muito o Laurent Gbagbo, ex-presidente da Costa do Marfim, preso recentemente no suntuoso palácio do governo. Na Dinamarca, ficaram seus dois filhos e sua ex-mulher, a também médica Marianne (Trine Dyrholm). Os dois acabaram de se divorciar, embora Anton ainda tente a reconciliação e tenha lembranças amorosas. Seu filho mais velho, Elias (Markus Rigaard) sofre um insuportável bullying na escola, porém terá o apoio do imigrante recém-chegado de Londres Christian (Willian Johnk Nielsen), que acabara de perder a mãe por câncer e com a ajuda direta do pai Claus (Ulrich Thomsen), levando-a a eutanásia, sem o perdão do filho enlutado, que se mostra revoltado e com instintos suicidas e assassinos, tal qual o psicopata retratado em O Anjo Malvado (1993), com Macaulay Culkin, que também perdera a mãe.

Bier se debruça com elegância e eloquência na ideia do pacifismo e da luta obstinada por um mundo com outro cara, ao abordar de forma magistral as emoções humanas oriunda da dor, do amor, dos conflitos sociais e da vingança, inerentes ao ser humano e suas precariedades como espécie. A união dos dois garotos, sendo que Christian busca a vingança como instinto de preservação e soberania do macho, ao não suportar a ideia da morte da mãe induzida pelo pai, ainda que este ato fosse por uma eutanásia consentida expressamente pela esposa, rompe os laços de amizade com o pai como símbolo alegórico do fracionamento com o mundo, deixando que Claus se sinta na condição da paternidade ausente; já Elias apanha calado e se submete aos delírios demoníacos do amigo que lhe sopram nos ouvidos, tendo um pai conciliador que é agredido por um mecânico brutamonte e incivilizado, ao retornar à oficina dá o rosto para que fosse batido novamente, numa alusão a Cristo que oferece as duas faces e diz: "ele é um idiota e se bater nele, também serei um". Mas ainda não satisfeito com o que diz ao filho e seu amigo desejoso de vingança, prega com convicção: "é assim que as guerras começam".

Anton não é um modelo exemplar de marido, ao buscar sua reconciliação com Marianne, as vísceras do ressentimento são expostas pela mulher e o sentimento de tristeza pela traição aflora e o perdão fica difícil de acontecer numa clara alusão da diretora, de que não há anjos bons e nem todos são tão maus assim. Tudo é possível se consertar neste enunciado explícito do magnífico Em um Mundo Melhor. Mas as consequências trágicas no final e a redenção de Christian, ao receber o afeto de Anton, após seu choque frontal com Marianne, mostra o caminho pelo amor, da conciliação e dos conflitos humanos e suas emoções, enraizados na obra de Susanne, assim como Assuntos de Família (1994), Corações Livres (2002), Depois do Casamento (2006) e Coisas que Perdemos pelo Caminho (2007). O bullying, eutanásia e conflitos sociais com revoluções na África são novidades em sua filmografia arrebatadora, sempre voltada para as constantes questões sensíveis e humanitárias.

Nesta película vencedora do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2011, assiste-se paradoxalmente com prazer e angústia ao mesmo tempo, pois os contrapontos do roteiro são perturbadores, ao refletir os problemas dos adultos em consonância com dos pré-adolescentes conflitados com suas mágoas e reivindicações devastadoras e virulentas. Como não podemos fechar os olhos para os regimes ditatoriais que estão sempre na efervescência social da África, como no caso específico do longa.

A cineasta aborda com maturidade e serenidade nas questões do bullying, eutanásia e conflitos sociais da miséria de um povo, sem ter uma visão unilateral, mas voltada sempre para o debate e o pacifismo fundamental como pregação manifesta e objetiva da sensatez, sem se afastar dos dilemas que atordoam o absurdo dos corações e mentes das pessoas, nem deixar de cutucar com sutileza o direito da vingança.

Um filme maior e notável pelos temas abordados com a profundidade adequada, sem incorrer no discurso barato e vazio, insere-se como um elogiado manifesto pacífico num mundo acostumado aos atos violentos e chocantes de pessoas cada vez mais distanciadas das "coisas que perdemos pelo caminho", em homenagem a citação do título desta excelente cineasta dinamarquesa.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Rio

















Contradições da Cidade Maravilhosa

O longa de desenho animado Rio teve na direção e roteiro o cineasta carioca Carlos Saldanha, que também já havia dirigido A Era do Gelo 2 e 3 e Robôs, é um verdadeiro passeio turístico pela bela e maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, mostrando samba, futebol, carnaval e também os malefícios e contrariedades que estão impregnados por lá, como fizera timidamente antes o filme Alô Amigos (1942), através do papagaio Zé Carioca.

O filme já começa com o transporte ilegal de animais do Rio para Minnesota (EUA), de uma espécie rara de arara macho, cor azul, carinhosamente chamado de Blu, que será adotada pela simpática livreira americana Linda. O animal foi retirado das florestas brasileiras através do tráfico ilegal e contínuo de pássaros em extinção, algo que nem Avatar conseguiu, apesar de todo seu inesgotável aparato. A mocinha recebe a visita do ornitólogo brasileiro Luiz que propõe sua ida ao Brasil e levar Blu para reproduzir com a fêmea Jade, visando manter a espécie.

Mas a recepção na Cidade Maravilhosa não foi da melhores, pois logo há um sequestro da ave rara e a trama toma ares de aventura, levando a garotada a delirar em 3D, esta nova mania de filmar, diante dos inegáveis recursos tecnológicos sofisticados e altamente convincentes, que fazem adultos e crianças se embebecerem de prazer e êxtase no visual que o diretor propicia. Os pontos turísticos são meticulosamente colocados no cenário como pano de fundo, como Copacabana; o Pão de Açúcar; o Cristo Redentor; a Lapa; os desfiles de escolas de samba na Marquês do Sapucaí, colorindo com os carros alegóricos, as fantasias, as mulatas; toda a beleza em voos esplendorosos de asa-delta da Rampa de Pedra Bonita; as idas e vindas do Bondinho de Santa Tereza com os pássaros sobrevoando o local.

O desenho animado visto na versão dublada tem a magia e a originalidade do sotaque carioca maneiro e com seu malemolejo inerente ao povo do Rio, como na amizade dos pássaros cardeal Pedro e o canário Nico; assim como o magnífico personagem do cachorro buldogue Luiz e sua fantasia ao melhor estilo de Carmem Miranda; o carnavalesco tucano Rafael, que tem uma esposa possessiva e ciumenta, é pai de 17 tucaninhos, busca uma oportunidade ímpar para se divertir na folia maior, ao ajudar Blu e Jade a se libertarem das amarras, assim como ele próprio se sente preso no universo do casamento; o mau-humorado e perverso gavião Nigel, a serviço da turma de contrabandistas; os macaquinhos covardes e perniciosos colaboradores do gavião.

O diretor deu uma passada rápida e sem um aprofundamento maior nas favelas, embora seja o local onde os contrabandistas moram, sem que haja uma crítica contundente, ficando mais nas entrelinhas e na implícita retratação de um local perigoso e inseguro, ainda que apresentada a figura do negrinho órfão, que vive na rua e colabora com os bandidos que arrepende-se depois, seja fruto de uma infância conturbada. Saldanha tinha por objetivo evidente mostrar as belezas naturais e o encantamento das maravilhas do Rio, sem fazer uma crítica feroz às mazelas da cidade. O filme foi proposto ao divertimento e atinge em cheio sua meta, pois dificilmente alguém sai entediado ou de cara torcida da sala de cinema. Os aplausos são ouvidos sonoramente e as crianças tentam agarrar os pássaros na ilusão de ótica da terceira dimensão. Registre-se a bela fotografia de Renato Falcão e a agradável trilha sonora de Sérgio Mendes, com as participações de Carlinhos Brown, Bebel Gilberto e William.

Mesmo de forma simples, sem uma retórica esfuziante, há o alerta do tráfico de animais, especialmente aqueles em extinção, são solenemente deportados de nossas florestas brasileiras. Há o brado ecológico no sinal lançado de que muita coisa tem que melhorar na fiscalização, para se evitar que uma espécie única como da arara azul seja enviada para os EUA, sem sequer saber voar, diante do tratamento domesticado que ganhou, numa ironia fina e mordaz aos imaginários civilizados.