quarta-feira, 27 de março de 2013

Depois de Lúcia

















Brutalidade Juvenil

O drama mexicano em coprodução com a França Depois de Lúcia foi o grande vencedor da Mostra Um Certo Olhar, a segunda competição em importância do Festival de Cannes de 2012, tendo na direção a desenvoltura e a criatividade perturbadora de Michel Franco, que também assinou o roteiro. Derrotou as produções daquele ano, tais como: o representante do Canadá Laurence Anyways, de Xavier Dolan; a produção argentina Elefante Branco, de Pablo Trapero e ainda o americano Indomável Sonhadora, de Benh Zeitlin.

A trama da história começa pela trágica morte por acidente carro de Lúcia, mãe de Alejandra (Tessa Ia), em Puerto Vallarda. O pai da garota é Roberto (Hernán Mendoza), um chefe de cozinha conceituado em frutos do mar. Preocupado com a tristeza da filha de 15 anos, arrumam as malas e vão embora para a Cidade do México tentar construir uma nova vida, deixando para trás as más recordações. Mas não é bem assim e os problemas vão surgindo. Começa com o choque cultural de uma adolescente interiorana de uma cidade litorânea que vai para a Capital e ingressa numa escola de hábitos de uma juventude completamente diferente do imaginado ou sonhado. No início tudo parecia um mar de rosas, logo conhece José (Gonzalo Vega Sisto), um rapaz de sua idade, participa de festinhas, faz sexo e fuma maconha na piscina.

O drama pelo trauma da perda da mãe vira pesadelo do dia para a noite, quando sua intimidade é exposta por um vídeo na internet, sua privacidade é devassada e as relações azedam de vez, surgindo o terror psicológico e físico que sofre dos demais colegas como abuso sexual e bullying. Nada conta para ninguém, sofre em silêncio o pão que o diabo amassou e à medida que a violência toma conta de sua vida, irá estender-se também ao pai. Há um afastamento das relações entre os dois e a irracionalidade toma contornos irreversíveis e devastadores. Chega ser nauseante, sem ser gratuita, as várias cenas de humilhação à garota. O retorno para sua cidade natal, após o sofrimento desmedido pela própria passividade, ingressando pela janela de sua antiga casa, deitando-se na cama em posição fetal, uma cena que retrata como metáfora da filha voltando para o útero materno em busca de abrigo. Anteriormente mostrara sua preocupação com o automóvel que vitimou a mãe e fora deixado no meio da rua pelo pai, reflete o vínculo ainda existente pelo cordão umbilical mantido inconscientemente.

Franco parece colar fragmentos de outros filmes em seu longa, como no bullying sofrido pelo filho mais velho em sua nova escola com consequências trágicas no final, sem deixar de cutucar com sutileza o direito da vingança no drama Em um Mundo Melhor (2010), de Susanne Bier. Outra situação bem próxima é a relação de Alejandra e sua intimidade sendo jogada na internet, assim como fez a blogueira no longa brasileiro As Melhores Coisas do Mundo (2010), de Laís Bodanzky, abordando os prazeres e desprazeres da juventude. Já o roteiro enxuto, seco, direto, sem concessões e abolindo a trilha sonora para aproveitar o silêncio entrecortado por sons da natureza, nos remete para o drama alemão Barbara (2012), de Christian Petzold. Como na opção por planos-sequência longos com uma câmera estática e raros planos médios e abertos, focando personagens distantes como metáfora da realidade daquele cotidiano, foi bem lançado como recurso em Laurence Anyways (2012), do jovem cineasta canadense Xavier Dolan, deixando o espectador adivinhar ou interpretar o que a cena registra. Também muito utilizado por Abbas Kiarostami na sua fase de filmagens no Irã com o carro sendo também um personagem importante, especialmente na sua obra-prima O Gosto de Cereja (1997).

Ao juntar todos estes ingredientes num filme só resultou no fabuloso Depois de Lúcia, com um elenco praticamente amador, exceto Tessa Ia e Hernán Mendoza, embora com um tema frequente e já bastante antigo, renova-se por inovar em fatos concretos na vida real de pessoas, através de uma ficção extremamente contundente pelo olhar cataclísmico do cineasta. O cenário escolar é retratado como poucas vezes se viu no cinema, dentro de um contexto de grau animalesco pelo sadismo de jovens abrutalhados com requintes de delinquência e prazer pela dor e o sofrimento do próximo. É impactante ver aqueles adolescentes de rostos angelicais cometerem barbáries e esconderem-se atrás do coletivo com a mais pura e doce ingenuidade. Porém, quando saem da grupo, ou da manada, ao entrar em cena como individual, vê-se semblantes inocentes nos futuros adultos como não soubessem o que fizeram de forma irresponsável.

Outro tema abordado com profundidade é a questão da menoridade que leva para a impunidade, como na cena do policial explicando a Roberto que busca justiça e recebe como taxativa resposta: “nada ou pouco se pode fazer em tratando de menores”. A explosão de raiva e ódio no pai é imediata, gerando um estopim macabro no epílogo, movido pela selvageria e a justiça por conta própria. Lava-se a alma, mas a vingança e a civilidade andam longe uma da outra, sendo a câmera sempre vista por trás do personagem, como um elemento de testemunha ocular das bestas se entredevorando na selva. O filme é um petardo no estômago e é recomendado para pessoas bastante resistentes, neste que é disparado um dos melhores longas deste ano. Arrasador e demolidor.

segunda-feira, 25 de março de 2013

O Lado Bom da Vida

















Os Desajustados

Mesmo que indicado a oito Oscar deste ano, O Lado Bom da Vida levou apenas o discutível e imerecido prêmio de melhor atriz para Jennifer Lawrence, de performance discreta, embora atue com bastante entrega no papel da protagonista. O diretor David O Russel se inspirou no romance homônimo do escritor americano Mattew Quick para levar às telas do cinema esta narrativa de um velho clichê, onde um casal de desajustados que se conhece por acaso, e com a troca de favores, sonham com uma realidade próxima, descobrindo durante a trajetória que nasceram um para o outro. Custam para descobrir o que todas as pessoas próximas já perceberam.

Diagnosticado como bipolar por bater no amante da esposa, num flagrante no banheiro de sua casa, Pat Solitano (Bradley Cooper- de bom desempenho e conhecido por estrelar os três longas Se Beber Não Case, de Todd Phillips) é internado num manicômio pelo seu temperamento agressivo e incontrolável em situações difíceis, como na cena do jogo de futebol americano, quando sua fúria aflora e as recomendações médicas são esquecidas literalmente. Ao sair do hospício é acolhidos em casa pelos pais (Robert De Niro e Jacki Weaver) que o ajudam a reconstruir uma nova vida e esquecer o trauma do casamento. De Niro entrega-se com a dedicação de um iniciante de corpo e alma no papel do pai cabeça-dura, jogador inveterado e de pouco referencial ao filho, mas sempre ao seu lado, bem superior ao papéis anteriores. O elenco está harmônico com atuações discretas.

O filme alterna-se em situações tragicômicas e descamba para o final previsível, quando no decorrer da história Pat é recepcionado para um jantar pelo melhor amigo, que lhe apresenta a jovial cunhada viúva Tiffany (Lawrence). Ela também sofre de crises de bipolaridade, sendo conhecida pelos amigos e colegas como uma típica vadia, pois em seus surtos transa com quem vê pela frente. Há uma química entre os dois e uma simbiose entrelaça o casal desafortunado que busca valores na vida e objetivos claros. O rapaz é um ex-professor que tenta recuperar o tempo que esteve internado por oito meses e longe da civilização, especialmente da mulher que o traiu e ainda assim não a esquece; já a viúva coloca concurso de dança que se inscreveu como a redenção para um novo momento em sua vida.

É retratada uma parceria de ajuda mútua através de um plano de cooperação para atingir as metas estabelecidas. Descobrem o prazer de viver racionalmente com atividades produtivas e inerentes de pessoas que querem levantar de tombos fortes e arrasadores que o destino pregou. O óbvio está li entre eles, mas como há situações complexas com enormes feridas abertas, há uma longa demora na cicatrização, o que dificulta cair a ficha dos excluídos, onde mesmo com a previsibilidade iminente do epílogo se desenhando, o diretor segura pela expectativa do concurso de dança de salão, bem comum neste tipo de enredo cômico e trágico da reciprocidade dos personagens. Cada passo e cada criação surgem como construção para o inesperado entre eles, embora não para o espectador atento. A segunda chance da vida está ali flutuando como a coreografia mágica dos passos, conduzida pelo cineasta que tem em sua bagagem o longa O Vencedor (2010), com tema similar e com a mesma forma estética, porém naquele longa sai a dança e entra os socos violentos do boxe para fazer um campeão.

Embora seja superior ao filme que usa os mesmos ingredientes como o Amor é Tudo o que Você Merece (2011), de Susanne Bier, que tinha razoáveis propósitos e resultados previsíveis beirando a autoajuda, O Lado Bom da Vida é uma razoável comédia romântica recauchutada, onde o cineasta aborda no melhor estilo dos filmes românticos de Hollywood, retratando o encontro de duas pessoas problemáticas com dramas pessoais significativos, mas que querem reerguerem-se de traumas do passado.

terça-feira, 19 de março de 2013

Amor é Tudo o que Você Precisa

















Recomeçar a Vida

A diretora Susanne Bier definitivamente afasta-se do controvertido movimento Dogma 95, nascido e propagado na Dinamarca, mas aos poucos está se desvencilhando. Ou seja, livra-se totalmente como no seu penúltimo longa Em um Mundo Melhor (2010), notável pela temática abordada com a profundidade adequada, sem incorrer no discurso barato e vazio, obteve o prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar de 2011. Agora com sua última realização Amor é Tudo o que Você Precisa, assim como no filme anterior, também esta é uma produção mais arrojada e um custo mais elevado, longe dos princípios norteadores de uma câmara na mão, uma ideia de um cunho técnico com uma série de restrições quanto ao uso de tecnologias nos filmes, com regras quanto ao conteúdo das obras e seus diretores, radicalmente contra a indústria cinematográfica propriamente dita.

O longa retrata a história de duas famílias que o destino fará que se cruzem por linhas tortas, justamente no casamento dos filhos onde se encontram para festejar na paradisíaca Costa Amalfitana, no Sul da Itália. É lá que os noivos Patrick (Sebastian Jessen) e Astrid (Molly Blixt Egelind) pretendem morar, na suntuosa casa de campo rodeada pela plantação de limões e laranjas, onde recepcionam os convidados para a grande comemoração marcada para o dia posterior. O pai ausente do rapaz é o viúvo Philip (Pierce Brosnan- um galã em decadência) que conhece por acaso a mãe da noiva, Ida (Trine Dyrholm- de excelente desempenho) que luta contra o câncer e tem obstinação por viver com o charme de mulher vitoriosa, embora contraditoriamente fora abandonada pelo marido, que a troca pela jovem sirigaita colega da contabilidade de sua empresa. Há um constrangimento nos filhos, ao levar sua namorada na cerimônia matrimonial. Já o pai do noivo é assediado pela cunhada megera que arranja armadilhas e não o deixa em paz para flertar e lançar seu fascínio sobre a futura sogra de seu filho que apresenta uma crise de identidade e coloca o futuro com a noiva em xeque, após descoberta inusitada que mantinha adormecida.

A fotografia é primorosa e deslumbra com uma trilha sonora encantadora, mas que esbarra no roteiro previsível de Anders Thomas Jensen, que esteve bem mais inspirado no Em um Mundo Melhor. Bier erra feio a mão com esta comédia romântica, ao abordar um tema instigante e sempre interessante como as diferenças de duas famílias num encontro formal, que esbarra nas vaidades, idiossincrasias, mentiras, traições e revelações de lado a lado. Astrid ao bradar que não aguenta mais as aparências cínicas e fantasiosas do evento, apenas esboça um sentimento que está lhe doendo no peito e na consciência. E ao perguntar para a mãe: como se sabe quando se descobre a verdadeira paixão de sua vida e se aquela é a pessoa ideal? Surge um prenúncio de que algo de ruim irá acontecer, porque as coisas não vão bem em seu relacionamento sexual estranho.

A cineasta trata objetivamente do recomeço da vida e a coragem para mudar, mesmo parecendo tarde demais, com uma leveza que tentou passar à platéia, porém foi um verdadeiro tiro pela culatra, considerando-se o resultado inócuo no melhor estilo dos filmes românticos de final feliz de Hollywood. Busca o choque através do encontro de duas pessoas com mais de 50 anos, que tiveram dramas pessoais devastadores, mas que querem reerguerem-se, como a cabeleireira Ida com seus traumas de sua moléstia e o empresário bem-sucedido Philip que perdeu a esposa num trágico acidente de carro e tem que lidar com os problemas viscerais com a falta de vínculo com o filho.

Amor é...não passa de uma comédia de razoáveis propósitos e resultados previsíveis beirando a autoajuda, que deixa “bons ensinamentos” e uma “brilhante lição de vida”, nesta obra menor na filmografia de Bier, em que o resultado é uma imensa baboseira vazia, pois prometia bem mais do que as conclusões precipitadas e decepcionantes no epílogo. Um filme frustrante, diante da expectativa aguardada desta festejada diretora que desandou de vez.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Barbara














Alemanha Dividida

O diretor alemão Christian Petzold ambienta seu longa Barbara nos anos de 1980, num bucólico vilarejo, ao Leste de Berlim, às margens do Mar Báltico, em pleno regime comunista instalado na Alemanha Oriental, ainda antes de cair o muro da vergonha. Recebeu o prêmio Urso de Prata pela melhor direção no Festival de Berlim de 2012 e foi indicado pelo seu país para concorrer à vaga de melhor filme estrangeiro no Oscar deste ano. Em sua filmografia há os longas Controle de Identidade (2000), Fantasmas (2005) e Jericó (2008).

A história é centrada na conceituada cirurgiã pediatra Barbara (Nina Hoss- de estupenda atuação) que se envolve com seu chefe, o colega médico André (Ronald Zehrfeld), porém quer mesmo é fugir para a Alemanha Oriental. Sente-se constantemente sendo vigiada e passa por humilhantes revistas íntimas no seu local de trabalho, um pequeno hospital de poucos recursos técnicos, bem como no apartamento onde mora. A trama é bem conduzida pelo cineasta que mostra com fôlego a divisão em duas Alemanhas. A famigerada e ironicamente chamada de República Democrática Alemã estava mergulhada num regime autoritário e inexiste liberdade de expressão, como se vê na cenas mostradas durante o enredo, onde a reunificação era completamente descartada.

Um filme ao melhor estilo da escola alemã, com um roteiro enxuto e sem muitas explicações ou concessões para o espectador, num tom seco e direto sem artimanhas, no apogeu da Guerra Fria. Passa pela personagem-título as situações mais escabrosas e chocantes, como da jovem paciente a quem ajuda e tem uma boa afinidade, onde o aborto é vislumbrado como uma pena para garotas em campo de concentração socialista. A própria protagonista sente na carne o horror da desconfiança e a perseguição, despertando a atenção dos oficiais defensores do regime autoritário, ao ser transferida de uma cidade grande para o interior. É ajudada com dinheiro pelo amante que busca uma forma para sua fuga daquele país antidemocrático, mas neste meio tempo surgem imprevistos em sua vida.

O drama não cai na caricatura fácil e nem no maniqueísmo e mostra o envolvimento profissional e o amor que cresce entre André e Bárbara, mas a médica tem a dúvida pairando na cabeça: paixão ou mais um espião do governo que lhe assedia? A revelação vem só no epílogo. O cineasta inspirou-se nas lembranças da infância e suas férias no Oriente, pois seus pais eram socialistas que se decepcionaram com o resultado da divisão que endureceu e mudou o rumo e diretrizes traçados como metas. A mãe de Petzold fugiu do regime comunista alemão quando estava grávida dele e foi com o marido para o Ocidente.

Barbara é um drama tenso com construções de personagens fortes e psicologicamente bem alicerçados. A trilha sonora não é utilizada e em seu lugar entram o silêncio entrecortado por pássaros silvando; o ruído enigmático do vento forte; e o mar agitado e ameaçador na cena final. Há o belo contraste da protagonista que vive escondendo dinheiro e sempre em estado de alerta e medo pela opressão ditatorial naquele aparente inofensivo lugarejo isolado do mundo, num filme simples de época, mas com uma direção magnífica, onde a Nina Hoss conduz a trama fabulosa apenas com o marcante olhar revelador e segura até o final inusitado, pelo realismo de uma experiência de cinema íntimo e tenso dentro de uma instigante beleza de detalhes.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Colegas



Sonhos Juvenis

Precedido como o grande vencedor do Festival de Gramado por derrotar o badalado O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho; aclamado pelo público na última Mostra de Cinema de São Paulo; e eleito pelo público como o melhor filme do 27º Festival de Cinema Latino-americano de Trieste, na Itália, Colegas tem na direção de Marcelo Galvão que inspira-se no tio portador da síndrome morto em 2011, também é roteirista junto com Ricardo Barreto, em seu quinto longa, sendo conhecido por Bellini e o Demônio (2008).

É cativante por ter uma estética de road movie, embora seja uma comédia escrachada sobre a liberdade de três jovens com Síndrome de Down, com interpretação de atores portadores da moléstia dá um olhar de quem conhece a matéria, numa fórmula delicada e poética ao abordar as coisas simples que a vida proporciona. O trio foge num velho e surrado Karmann-Ghia conversível do jardineiro em busca de aventuras e realizações de sonhos acalentados de anos na videoteca do Instituto Madre Tereza, inspirado nas travessuras do longa Thelma & Louise (1991), de Ridley Scott. Comunicam-se basicamente por célebres frases extraídas de diversos filmes que embalaram suas imaginações férteis que povoavam seus pensamentos, numa homenagem explícita ao cinema, como a menção a Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, quando os policiais batem no Motel Bates e dialogam com o porteiro com os mesmos trejeitos e semelhança com o protagonista do clássico Norman Bates (Anthony Perkins).

A trama centraliza seus personagens numa viagem existencial improvável, de rumos irrefreados a cada parada, sem um norte, ou apenas tendo como lema a inspiração para viver bem longe de um universo cheio de leis, dogmas e normas. Tudo é buscado com voracidade e sem um regramento preocupado com os ditames sociais preestabelecidos. Stalone (Ariel Goldenberg) quer ver o mar, Aninha (Rita Pokk- casada com Goldenberg na vida civil) imagina se casar vestida de noiva e Márcio (Breno Viola) planeja voar como um pássaro solto da gaiola. Divertem-se muito na fuga para a região Sul do Brasil, apreciando o balonismo de Torres, sem antes cruzarem por um bom churrasco e um fandango no Rio Grande do Sul e acabam parando inesperadamente em Buenos Aires, quase causando um incidente diplomático.

A fuga do internato que deveria ser uma brincadeira toma forma e eles cometem assaltos em lancherias pelo caminho, invadem festas e logo são considerados perigosos pela imprensa sensacionalista, que faz um verdadeiro carnaval nos noticiários, embora fossem apenas traquinagens com armas de brinquedo. São tachados como a Gangue do Circo por estarem vestidos como palhaços, diante da perseguição implacável de dois policiais idiotas e trapalhões enredados com outro investigador jovem em busca de notoriedade, e ainda um patrulheiro tonto de beira de estrada, causam uma grande parafernália de comicidade e desencontros.

Um filme que se distancia do politicamente correto, mas esbarra em alguns equívocos de produção, como a narração na primeira pessoa do jardineiro (Lima Duarte), que em nada acrescenta, ou melhor, mais atrapalha e obscurece o clímax, ao narrar o que o espectador está vendo na tela, como em filmes infantis ou uma narração de futebol pela TV. Outro equívoco é o cenário retrô, como se fosse um filme de época, como o Karmann-Ghia conversível, televisão em preto e branco e diversos aparelhos eletrônicos dos anos 60 e 70. Mas há bons acertos como da trilha sonora composta por canções de Raul Seixas, ponto alto de Colegas, entre elas a música Sociedade Alternativa.

O pé na estrada é a simbologia da liberdade e a vazão pela busca de horizontes desconhecidos de pessoas que possivelmente não viverão muito diante do histórico da enfermidade. Mas ao se libertarem das amarras infanto-juvenis, partem para a ruptura de dogmas como reflexão existencial propriamente dita de três pessoas perdidas que não querem mais o mundo civilizatório, dá uma guinada sutil e passa a dar consistência de uma estrutura sólida advindas de um roteiro enxuto e preocupado com o imaginário e a formação eloquente de vidas à procura de seus destinos.

Colegas tem mais méritos do que erros nesta comédia simples, sensível e de bom humor na estrada, onde os personagens riem muito de si mesmos e brincam com a moléstia que lhes assolam. Uma boa sacada é a cena do restaurante, quando Márcio se assume como diferente da senhora sentada à mesa e diz que não lhe incomoda o fato dela ser gorda. É feito para divertir e subverter os padrões comportamentais, satirizar com a polícia e a imprensa, pelo trio de “retardados perigosos”, como eles mesmos se anunciam. E os sonhos podem se tornar realidade, até mesmo Goldenberg pedir, com o apoio na redes sociais, a presença de seu ídolo Sean Penn sentar ao seu lado para assistir o filme. Ao fugir do pragmatismo como uma máscara que serve de disfarce para os fujões, que brincam de forma dolorida e sem as referências dos vínculos que ficaram para trás, como provas de um vazio das almas à procura do sentido da existência e sua finalidade.