quarta-feira, 6 de março de 2013

Colegas



Sonhos Juvenis

Precedido como o grande vencedor do Festival de Gramado por derrotar o badalado O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho; aclamado pelo público na última Mostra de Cinema de São Paulo; e eleito pelo público como o melhor filme do 27º Festival de Cinema Latino-americano de Trieste, na Itália, Colegas tem na direção de Marcelo Galvão que inspira-se no tio portador da síndrome morto em 2011, também é roteirista junto com Ricardo Barreto, em seu quinto longa, sendo conhecido por Bellini e o Demônio (2008).

É cativante por ter uma estética de road movie, embora seja uma comédia escrachada sobre a liberdade de três jovens com Síndrome de Down, com interpretação de atores portadores da moléstia dá um olhar de quem conhece a matéria, numa fórmula delicada e poética ao abordar as coisas simples que a vida proporciona. O trio foge num velho e surrado Karmann-Ghia conversível do jardineiro em busca de aventuras e realizações de sonhos acalentados de anos na videoteca do Instituto Madre Tereza, inspirado nas travessuras do longa Thelma & Louise (1991), de Ridley Scott. Comunicam-se basicamente por célebres frases extraídas de diversos filmes que embalaram suas imaginações férteis que povoavam seus pensamentos, numa homenagem explícita ao cinema, como a menção a Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, quando os policiais batem no Motel Bates e dialogam com o porteiro com os mesmos trejeitos e semelhança com o protagonista do clássico Norman Bates (Anthony Perkins).

A trama centraliza seus personagens numa viagem existencial improvável, de rumos irrefreados a cada parada, sem um norte, ou apenas tendo como lema a inspiração para viver bem longe de um universo cheio de leis, dogmas e normas. Tudo é buscado com voracidade e sem um regramento preocupado com os ditames sociais preestabelecidos. Stalone (Ariel Goldenberg) quer ver o mar, Aninha (Rita Pokk- casada com Goldenberg na vida civil) imagina se casar vestida de noiva e Márcio (Breno Viola) planeja voar como um pássaro solto da gaiola. Divertem-se muito na fuga para a região Sul do Brasil, apreciando o balonismo de Torres, sem antes cruzarem por um bom churrasco e um fandango no Rio Grande do Sul e acabam parando inesperadamente em Buenos Aires, quase causando um incidente diplomático.

A fuga do internato que deveria ser uma brincadeira toma forma e eles cometem assaltos em lancherias pelo caminho, invadem festas e logo são considerados perigosos pela imprensa sensacionalista, que faz um verdadeiro carnaval nos noticiários, embora fossem apenas traquinagens com armas de brinquedo. São tachados como a Gangue do Circo por estarem vestidos como palhaços, diante da perseguição implacável de dois policiais idiotas e trapalhões enredados com outro investigador jovem em busca de notoriedade, e ainda um patrulheiro tonto de beira de estrada, causam uma grande parafernália de comicidade e desencontros.

Um filme que se distancia do politicamente correto, mas esbarra em alguns equívocos de produção, como a narração na primeira pessoa do jardineiro (Lima Duarte), que em nada acrescenta, ou melhor, mais atrapalha e obscurece o clímax, ao narrar o que o espectador está vendo na tela, como em filmes infantis ou uma narração de futebol pela TV. Outro equívoco é o cenário retrô, como se fosse um filme de época, como o Karmann-Ghia conversível, televisão em preto e branco e diversos aparelhos eletrônicos dos anos 60 e 70. Mas há bons acertos como da trilha sonora composta por canções de Raul Seixas, ponto alto de Colegas, entre elas a música Sociedade Alternativa.

O pé na estrada é a simbologia da liberdade e a vazão pela busca de horizontes desconhecidos de pessoas que possivelmente não viverão muito diante do histórico da enfermidade. Mas ao se libertarem das amarras infanto-juvenis, partem para a ruptura de dogmas como reflexão existencial propriamente dita de três pessoas perdidas que não querem mais o mundo civilizatório, dá uma guinada sutil e passa a dar consistência de uma estrutura sólida advindas de um roteiro enxuto e preocupado com o imaginário e a formação eloquente de vidas à procura de seus destinos.

Colegas tem mais méritos do que erros nesta comédia simples, sensível e de bom humor na estrada, onde os personagens riem muito de si mesmos e brincam com a moléstia que lhes assolam. Uma boa sacada é a cena do restaurante, quando Márcio se assume como diferente da senhora sentada à mesa e diz que não lhe incomoda o fato dela ser gorda. É feito para divertir e subverter os padrões comportamentais, satirizar com a polícia e a imprensa, pelo trio de “retardados perigosos”, como eles mesmos se anunciam. E os sonhos podem se tornar realidade, até mesmo Goldenberg pedir, com o apoio na redes sociais, a presença de seu ídolo Sean Penn sentar ao seu lado para assistir o filme. Ao fugir do pragmatismo como uma máscara que serve de disfarce para os fujões, que brincam de forma dolorida e sem as referências dos vínculos que ficaram para trás, como provas de um vazio das almas à procura do sentido da existência e sua finalidade.

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