Sonhos Juvenis
Precedido como o grande vencedor do Festival de Gramado por
derrotar o badalado O Som ao Redor
(2012), de Kleber Mendonça Filho; aclamado pelo público na última Mostra de
Cinema de São Paulo; e eleito pelo público como o melhor filme do 27º Festival de
Cinema Latino-americano de Trieste, na Itália, Colegas tem na direção de Marcelo Galvão que inspira-se no tio portador
da síndrome morto em 2011, também é roteirista junto com Ricardo Barreto, em
seu quinto longa, sendo conhecido por Bellini
e o Demônio (2008).
É cativante por ter uma estética de road movie, embora seja uma comédia escrachada sobre a liberdade de
três jovens com Síndrome de Down, com interpretação de atores portadores da
moléstia dá um olhar de quem conhece a matéria, numa fórmula delicada e poética
ao abordar as coisas simples que a vida proporciona. O trio foge num velho e
surrado Karmann-Ghia conversível do jardineiro em busca de aventuras e
realizações de sonhos acalentados de anos na videoteca do Instituto Madre
Tereza, inspirado nas travessuras do longa Thelma
& Louise (1991), de Ridley Scott. Comunicam-se basicamente por célebres
frases extraídas de diversos filmes que embalaram suas imaginações férteis que
povoavam seus pensamentos, numa homenagem explícita ao cinema, como a menção a Psicose (1960), de Alfred Hitchcock,
quando os policiais batem no Motel Bates e dialogam com o porteiro com os mesmos trejeitos e
semelhança com o protagonista do clássico Norman Bates (Anthony Perkins).
A trama centraliza seus personagens numa viagem existencial improvável,
de rumos irrefreados a cada parada, sem um norte, ou apenas tendo como lema a
inspiração para viver bem longe de um universo cheio de leis, dogmas e normas.
Tudo é buscado com voracidade e sem um regramento preocupado com os ditames
sociais preestabelecidos. Stalone (Ariel Goldenberg) quer ver o mar, Aninha
(Rita Pokk- casada com Goldenberg na vida civil) imagina se casar vestida de
noiva e Márcio (Breno Viola) planeja voar como um pássaro solto da gaiola.
Divertem-se muito na fuga para a região Sul do Brasil, apreciando o balonismo
de Torres, sem antes cruzarem por um bom churrasco e um fandango no Rio Grande
do Sul e acabam parando inesperadamente em Buenos Aires , quase
causando um incidente diplomático.
A fuga do internato que deveria ser uma brincadeira toma
forma e eles cometem assaltos em lancherias pelo caminho, invadem festas e logo
são considerados perigosos pela imprensa sensacionalista, que faz um verdadeiro
carnaval nos noticiários, embora fossem apenas traquinagens com armas de
brinquedo. São tachados como a Gangue do
Circo por estarem vestidos como palhaços, diante da perseguição implacável
de dois policiais idiotas e trapalhões enredados com outro investigador jovem
em busca de notoriedade, e ainda um patrulheiro tonto de beira de estrada,
causam uma grande parafernália de comicidade e desencontros.
Um filme que se distancia do politicamente correto, mas
esbarra em alguns equívocos de produção, como a narração na primeira pessoa do
jardineiro (Lima Duarte), que em nada acrescenta, ou melhor, mais atrapalha e
obscurece o clímax, ao narrar o que o espectador está vendo na tela, como em
filmes infantis ou uma narração de futebol pela TV. Outro equívoco é o cenário
retrô, como se fosse um filme de época, como o Karmann-Ghia conversível,
televisão em preto e branco e diversos aparelhos eletrônicos dos anos 60 e 70. Mas
há bons acertos como da trilha sonora composta por canções de Raul Seixas,
ponto alto de Colegas, entre elas a
música Sociedade Alternativa.
O pé na estrada é a simbologia da liberdade e a vazão pela
busca de horizontes desconhecidos de pessoas que possivelmente não viverão
muito diante do histórico da enfermidade. Mas ao se libertarem das amarras
infanto-juvenis, partem para a ruptura de dogmas como reflexão existencial
propriamente dita de três pessoas perdidas que não querem mais o mundo
civilizatório, dá uma guinada sutil e passa a dar consistência de uma estrutura
sólida advindas de um roteiro enxuto e preocupado com o imaginário e a formação
eloquente de vidas à procura de seus destinos.
Colegas tem mais
méritos do que erros nesta comédia simples, sensível e de bom humor na estrada,
onde os personagens riem muito de si mesmos e brincam com a moléstia que lhes
assolam. Uma boa sacada é a cena do restaurante, quando Márcio se assume como
diferente da senhora sentada à mesa e diz que não lhe incomoda o fato dela ser
gorda. É feito para divertir e subverter os padrões comportamentais, satirizar
com a polícia e a imprensa, pelo trio de “retardados perigosos”, como eles
mesmos se anunciam. E os sonhos podem se tornar realidade, até mesmo Goldenberg
pedir, com o apoio na redes sociais, a presença de seu ídolo Sean Penn sentar
ao seu lado para assistir o filme. Ao fugir do pragmatismo como uma máscara que
serve de disfarce para os fujões, que brincam de forma dolorida e sem as
referências dos vínculos que ficaram para trás, como provas de um vazio das
almas à procura do sentido da existência e sua finalidade.
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