Brutalidade Juvenil
O drama mexicano em coprodução com a França Depois de Lúcia foi o grande vencedor da
Mostra Um Certo Olhar, a segunda competição em importância do Festival de
Cannes de 2012, tendo na direção a desenvoltura e a criatividade perturbadora
de Michel Franco, que também assinou o roteiro. Derrotou as produções daquele
ano, tais como: o representante do Canadá Laurence
Anyways, de Xavier Dolan; a produção argentina Elefante Branco, de Pablo Trapero e ainda o americano Indomável Sonhadora, de Benh Zeitlin.
A trama da história começa pela trágica morte por acidente
carro de Lúcia, mãe de Alejandra (Tessa Ia), em Puerto Vallarda.
O pai da garota é Roberto (Hernán Mendoza), um chefe de
cozinha conceituado em frutos do mar. Preocupado com a tristeza da filha de 15
anos, arrumam as malas e vão embora para a Cidade do México tentar construir
uma nova vida, deixando para trás as más recordações. Mas não é bem assim e os
problemas vão surgindo. Começa com o choque cultural de uma adolescente
interiorana de uma cidade litorânea que vai para a Capital e ingressa numa
escola de hábitos de uma juventude completamente diferente do imaginado ou
sonhado. No início tudo parecia um mar de rosas, logo conhece José (Gonzalo
Vega Sisto), um rapaz de sua idade, participa de festinhas, faz sexo e fuma
maconha na piscina.
O drama pelo trauma da perda da mãe vira pesadelo do dia
para a noite, quando sua intimidade é exposta por um vídeo na internet, sua
privacidade é devassada e as relações azedam de vez, surgindo o terror
psicológico e físico que sofre dos demais colegas como abuso sexual e bullying. Nada conta para ninguém, sofre
em silêncio o pão que o diabo amassou e à medida que a violência toma conta de
sua vida, irá estender-se também ao pai. Há um afastamento das relações entre
os dois e a irracionalidade toma contornos irreversíveis e devastadores. Chega ser
nauseante, sem ser gratuita, as várias cenas de humilhação à garota. O retorno
para sua cidade natal, após o sofrimento desmedido pela própria passividade,
ingressando pela janela de sua antiga casa, deitando-se na cama em posição
fetal, uma cena que retrata como metáfora da filha voltando para o útero
materno em busca de abrigo. Anteriormente mostrara sua preocupação com o
automóvel que vitimou a mãe e fora deixado no meio da rua pelo pai, reflete o
vínculo ainda existente pelo cordão umbilical mantido inconscientemente.
Franco parece colar fragmentos de outros filmes em seu
longa, como no bullying sofrido pelo
filho mais velho em sua nova escola com consequências trágicas no final, sem
deixar de cutucar com sutileza o direito da vingança no drama Em um Mundo Melhor (2010), de
Susanne Bier. Outra situação bem próxima é a relação de Alejandra e sua
intimidade sendo jogada na internet, assim como fez a blogueira no longa
brasileiro As Melhores Coisas do Mundo (2010),
de Laís Bodanzky, abordando os prazeres e desprazeres da juventude. Já o
roteiro enxuto, seco, direto, sem concessões e abolindo a trilha sonora para aproveitar o silêncio entrecortado por sons da natureza, nos
remete para o drama alemão Barbara (2012),
de Christian Petzold. Como na opção por planos-sequência longos com uma câmera
estática e raros planos médios e abertos, focando personagens distantes como
metáfora da realidade daquele cotidiano, foi bem lançado como recurso em Laurence Anyways (2012), do jovem cineasta
canadense Xavier Dolan, deixando o espectador adivinhar ou interpretar o que a
cena registra. Também muito utilizado por Abbas Kiarostami na sua fase de
filmagens no Irã com o carro sendo também um personagem importante, especialmente na sua obra-prima O Gosto de Cereja (1997).
Ao juntar todos estes ingredientes num filme só resultou no
fabuloso Depois de Lúcia, com um
elenco praticamente amador, exceto Tessa Ia e Hernán Mendoza, embora com um
tema frequente e já bastante antigo, renova-se por inovar em fatos concretos na
vida real de pessoas, através de uma ficção extremamente contundente pelo olhar
cataclísmico do cineasta. O cenário escolar é retratado como poucas vezes se
viu no cinema, dentro de um contexto de grau animalesco pelo sadismo de jovens
abrutalhados com requintes de delinquência e prazer pela dor e o sofrimento do
próximo. É impactante ver aqueles adolescentes de rostos angelicais cometerem
barbáries e esconderem-se atrás do coletivo com a mais pura e doce ingenuidade.
Porém, quando saem da grupo, ou da manada, ao entrar em cena como individual,
vê-se semblantes inocentes nos futuros adultos como não soubessem o que fizeram
de forma irresponsável.
Outro tema abordado com profundidade é a questão da
menoridade que leva para a impunidade, como na cena do policial explicando a
Roberto que busca justiça e recebe como taxativa resposta: “nada ou pouco se
pode fazer em tratando de menores”. A explosão de raiva e ódio no pai é
imediata, gerando um estopim macabro no epílogo, movido pela selvageria e a
justiça por conta própria. Lava-se a alma, mas a vingança e a civilidade andam
longe uma da outra, sendo a câmera sempre vista por trás do personagem, como um
elemento de testemunha ocular das bestas se entredevorando na selva. O filme é
um petardo no estômago e é recomendado para pessoas bastante resistentes, neste
que é disparado um dos melhores longas deste ano. Arrasador e demolidor.
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