terça-feira, 2 de abril de 2013

Pietá



















Culpa e Vingança

O diretor sul-coreano Kim Ki-duk tem em sua filmografia o sensível e comovente Primavera, Verão, Outono, Inverno e...Primavera ( 2003); depois realizou Casa Vazia (2004), sobre um jovem sem rumo que costumava invadir casas estranhas quando os donos estavam fora, mas tudo muda quando encontra a proprietária no local. Agora ousa de forma contundente com Pietá, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2012. Derrotou as produções daquele ano, tais como: o representante da Itália A Bela que Dorme, de Marco Bellocchio; a produção americana O Mestre, de Paul Thomas Anderson e ainda o badalado norte-americano Passion, de Brian de Palma.

A trama do novo longa deste festejado cineasta é centrada em Kang-do (Lee Jung-jin), um cruel cobrador de dívidas impagas aos agiotas. Usa de métodos violentos e torna-se um homem respeitado por ser implacável em seu trabalho solitário e com resultados devastadores para suas vítimas, que acabam sendo mutiladas sem dó e nem piedade. A violência crua faz parte da vingança neste drama social seco e frio das relações familiares distantes dentro de um capitalismo desenfreado que passa por cima dos valores em flagrante crise, onde o dinheiro fala mais alto e a construção de espigões se avoluma e o casario antigo tende a desaparecer.

Com o surgimento repentino em cena da suposta mãe do algoz (Jo Min-su) que o teria abandonado na infância, a fragilidade toma conta daquela criatura de pouco mais de 30 anos. Pede perdão e canta música de ninar para o suposto filho que se esboroa psicologicamente, tornando-se com o passar do tempo uma criança grande dependente e distante daquela falsa fortaleza física insuperável. Um equívoco no roteiro é a tentativa vazia de incutir naquele verdugo que o dinheiro só traz problemas para o ser humano, pois por onde começa fatalmente levará para um fim dolorido. Embora um tanto quanto pueril em seus conselhos, consegue manipular pelo carinho e a atenção como intento proposital de uma artimanha escabrosa.

O filme promete surpresas para o final, tendo no prólogo a cena do gancho que irá materializar a reveladora verdade. São situações familiares não resolvidas, tendo naquela mãe simbolizando as demais e a revelar o enigma, diante da violência que ainda continuará persistindo até o desenlace. Ki-duk vem de uma escola de cinema com méritos invejáveis de seu país, com um cinema onde a crueldade radicalizada já teve outros diretores abordando com eficiência, como no longa Oldboy (2003), de Park Chan-wook; O Hospedeiro (2006) e Mother (2009), ambos de Joon-ho Bong.

Há méritos inegáveis do cineasta ao manter o suspense com bom clímax, deixando a plateia e o filho em dúvidas para aceitar a mãe desnaturada, daí a razão de maltratá-la e o incesto parecer iminente, diante de um cenário de rejeição, onde não faltam tapas no rosto de parte a parte. O microcosmo familiar se abre como um leque na teoria da violência pelo abandono materno, embora exite em aprofundar o tema com o brilhantismo talvez esperado, mas consegue mexer com o espectador e fazê-lo crer num primeiro momento na família como centro universal do indivíduo numa planície de questões debatidas para as soluções apresentadas.

Mesmo com o surpreendente desfecho, dá guarida para a construção da precária pessoa em cena. A crueldade e a solidão do ser humano são fatores resultantes em um núcleo familiar desestruturado e fragilizado pelo sistema em decomposição. A relação de mãe, pai e filho é fartamente abordada, ainda que não seja completamente esgotada, há um indício e uma revelação como de um indivíduo sem raízes e desprovido de vínculos familiares ser levado para a condição de uma fera incivilizada, ou um monstro com o estigma da maldade. É difícil resistir ao apelo materno, como demonstra o diretor, embora a emboscada psicológica esteja presente como uma grande vingança.

Pietá é um filme vigoroso sobre a interação da família como núcleo e base contextualizada, para abordar o sadismo sem limites de um torturador que busca através da invalidez das vítimas resgatar a dívida dos clientes para o mandante na condição de patrão. Mas não é só por este ângulo da perversidade e o prazer pela dor e o sofrimento do próximo que este drama cruel se apoia, pois há uma reflexão clarividente sobre o papel da mãe em xeque, além do brutal avanço do capitalismo e da crise de valores.

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