Culpa e Vingança
O diretor sul-coreano Kim Ki-duk tem em sua filmografia o
sensível e comovente Primavera, Verão,
Outono, Inverno e...Primavera ( 2003); depois realizou Casa Vazia (2004), sobre um jovem sem rumo que costumava invadir
casas estranhas quando os donos estavam fora, mas tudo muda quando encontra a
proprietária no local. Agora ousa de forma contundente com Pietá, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2012. Derrotou
as produções daquele ano, tais como: o representante da Itália A Bela que Dorme, de Marco Bellocchio; a
produção americana O Mestre, de Paul
Thomas Anderson e ainda o badalado norte-americano Passion, de Brian de Palma.
A trama do novo longa deste festejado cineasta é centrada em
Kang-do (Lee Jung-jin), um cruel cobrador de dívidas impagas aos agiotas. Usa
de métodos violentos e torna-se um homem respeitado por ser implacável em seu
trabalho solitário e com resultados devastadores para suas vítimas, que acabam
sendo mutiladas sem dó e nem piedade. A violência crua faz parte da vingança neste
drama social seco e frio das relações familiares distantes dentro de um
capitalismo desenfreado que passa por cima dos valores em flagrante crise, onde
o dinheiro fala mais alto e a construção de espigões se avoluma e o casario
antigo tende a desaparecer.
Com o surgimento repentino em cena da suposta mãe do algoz
(Jo Min-su) que o teria abandonado na infância, a fragilidade toma conta
daquela criatura de pouco mais de 30 anos. Pede perdão e canta música de ninar
para o suposto filho que se esboroa psicologicamente, tornando-se com o passar
do tempo uma criança grande dependente e distante daquela falsa fortaleza
física insuperável. Um equívoco no roteiro é a tentativa vazia de incutir naquele
verdugo que o dinheiro só traz problemas para o ser humano, pois por onde
começa fatalmente levará para um fim dolorido. Embora um tanto quanto pueril em seus conselhos, consegue manipular pelo carinho e a atenção como intento
proposital de uma artimanha escabrosa.
O filme promete surpresas para o final, tendo no prólogo a
cena do gancho que irá materializar a reveladora verdade. São situações familiares
não resolvidas, tendo naquela mãe simbolizando as demais e a revelar o enigma,
diante da violência que ainda continuará persistindo até o desenlace. Ki-duk
vem de uma escola de cinema com méritos invejáveis de seu país, com um cinema
onde a crueldade radicalizada já teve outros diretores abordando com
eficiência, como no longa Oldboy (2003),
de Park Chan-wook; O
Hospedeiro (2006) e Mother
(2009), ambos de Joon-ho Bong.
Há méritos inegáveis do cineasta ao manter o suspense com
bom clímax, deixando a plateia e o filho em dúvidas para aceitar a mãe
desnaturada, daí a razão de maltratá-la e o incesto parecer iminente, diante de
um cenário de rejeição, onde não faltam tapas no rosto de parte a parte. O
microcosmo familiar se abre como um leque na teoria da violência pelo abandono
materno, embora exite em aprofundar o tema com o brilhantismo talvez esperado,
mas consegue mexer com o espectador e fazê-lo crer num primeiro momento na
família como centro universal do indivíduo numa planície de questões debatidas
para as soluções apresentadas.
Mesmo com o surpreendente desfecho, dá guarida para a construção da precária pessoa em cena. A crueldade e a solidão do ser humano são fatores resultantes em um núcleo familiar desestruturado e fragilizado pelo sistema em decomposição. A relação de mãe, pai e filho é fartamente abordada, ainda que não seja completamente esgotada, há um indício e uma revelação como de um indivíduo sem raízes e desprovido de vínculos familiares ser levado para a condição de uma fera incivilizada, ou um monstro com o estigma da maldade. É difícil resistir ao apelo materno, como demonstra o diretor, embora a emboscada psicológica esteja presente como uma grande vingança.
Mesmo com o surpreendente desfecho, dá guarida para a construção da precária pessoa em cena. A crueldade e a solidão do ser humano são fatores resultantes em um núcleo familiar desestruturado e fragilizado pelo sistema em decomposição. A relação de mãe, pai e filho é fartamente abordada, ainda que não seja completamente esgotada, há um indício e uma revelação como de um indivíduo sem raízes e desprovido de vínculos familiares ser levado para a condição de uma fera incivilizada, ou um monstro com o estigma da maldade. É difícil resistir ao apelo materno, como demonstra o diretor, embora a emboscada psicológica esteja presente como uma grande vingança.
Pietá é um filme
vigoroso sobre a interação da família como núcleo e base contextualizada, para
abordar o sadismo sem limites de um torturador que busca através da invalidez
das vítimas resgatar a dívida dos clientes para o mandante na condição de
patrão. Mas não é só por este ângulo da perversidade e o prazer pela dor e o
sofrimento do próximo que este drama cruel se apoia, pois há uma reflexão
clarividente sobre o papel da mãe em xeque, além do brutal avanço do
capitalismo e da crise de valores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário