quinta-feira, 18 de abril de 2013

Vocês Ainda Não Viram Nada!



Eurídice e Orfeu

O longevo diretor Alain Resnais, com seus 90 anos de idade bem vividos, novamente apronta positivamente com Vocês Ainda Não Viram Nada!, fundindo teatro e cinema para realizar o último desejo de Antoine (Denis Podalydès), um famoso dramaturgo que morre de repente e deixa uma mensagem num vídeo convidando seus melhores amigos para remontar livremente, em quatro atos, a peça escrita por Jean Anouilh Eurídice e o relacionamento conturbado com seu amante Orfeu. A proposta inusitada é transmitida pelo mordomo aos atores que atuaram nas duas versões anteriores, logo que chegam na suntuosa mansão para participarem do funeral, porém este já acontecera rapidamente por desejo do morto.

A ironia mesclada com um humor sutil são marcas registradas deste extraordinário cineasta francês, como visto recentemente no notável Medos Privados em Lugares Públicos (2006) e em Ervas Daninhas (2009), este um pouco abaixo da expectativa. A carreira do velho mestre é brilhante e tem em sua filmografia os ótimos Amores Parisienses (1997) e Beijo na Boca, Não (2003), bem como as obras-primas Hiroshima, Meu Amor (1959) e O Ano Passado em Marienbad (1961). Seu talento é inerente aos diretores decanos do cinema, como o português Manoel Oliveira, 104 anos, esbanjando lucidez no atual O Gebo e a Sombra (2012), sucesso na última Mostra de Cinema de São Paulo ocorrida ano passado.

Vocês Ainda Não Viram Nada! é um drama magnífico, onde o teatro e a sua formalidade estrutural e cênica na apresentação da remontagem da peça dá vazão para um mergulho no imaginário do espectador da sétima arte. A encenação com Sabine Azéma e Pierre Arditi como Eurídice e Orfeu está espetacular, bem acima do casal na versão posterior Lambert Wilson e Anne Consigny. O cineasta brinca e se diverte com a linguagem teatral e cria um atmosfera de amor e ódio, alegria e tristeza entre os atores convidados que chegam na residência do recém-falecido. Aos poucos começam a se envolver no clímax farsesco proposto em vídeo pelo mordomo. Vão entrando cautelosamente na encenação e tomam por todo o espaço do cenário com bastante rigorismo para colocarem como realidade suas interpretações.

É bem original a jogada cênica, como foi também intuitiva a criação de Eduardo Coutinho em seus documentários Jogo de Cena (2006) e Moscou (2009). Mas bem distante em matéria de inovação a Roman Polanski em Deus da Carnifina (2011), que se baseou na peça da dramaturga francesa Yasmina Reza. A estética apurada do veterano diretor é consistente e tem guarida nas abrangentes atuações de Michel Piccoli e Mathieu Amalric, além dos atores que interpretam o casal nas versões reeditadas.

O equilíbrio cênico encontra sustentação no roteiro enxuto e sofisticado para uma atmosfera que vem à tona com lucidez e que são fatores primordiais para o desenlace surpreendente do longa, de certa forma como bem induz o título. Não dá para piscar o olho no final, diante do epílogo elucidativo do cemitério, pois tal qual Eurídice e Orfeu, há o encontro revelador para o grande amor eterno, diante dos indícios reflexivos do dramaturgo Antoine com a atriz e musa que se esconde na última cena. Embora tudo pareça ser uma brincadeira juvenil do diretor, porém a chave do enigma está bem alicerçada num molho saboroso desta obra singular de cinema teatral do incansável Resnais.

Nenhum comentário: