sexta-feira, 12 de abril de 2013

Rânia



















Conflito das Danças

A promissora diretora cearense Roberta Marques retrata no seu longa ficcional de estreia Rânia um drama que reflete a preocupação do cinema autoral com a estratificação social e o papel da mulher através da captação da câmera que percorre já no prólogo um bela cena, onde a protagonista que empresta seu nome ao título (Graziela Felix), demarca seu território e os limites que deverão ser costurados e as arestas a serem aparadas, para sair daquele lugar-espaço que lhe é pequeno. A dança é o voo que pretende alçar num futuro bem próximo, pela visão de uma jovem sonhadora e irrequieta com a situação de mesmice dos pais separados e acomodados.

A trama mostra uma garota que não aceita continuar ali e no seu traçado de vida surgem ideias e tentativas, que até podem ser frustradas, mas a teimosia em não desistir está encravada visceralmente em sua personalidade contestadora daquela menina que vive em Fortaleza, no morro Santa Terezinha e ajuda a mãe nas lidas da casa, que estuda numa escola municipal, trabalha numa barraca e vive sonhando em ser bailarina. Tem como amiga inseparável Zizi (Nataly Rocha), de passagem meteórica e nada alentadora pela Itália, que a leva para uma boate de dança erótica, com o sugestivo nome de Sereia da Noite, onde a boemia e o dinheiro fácil estão presentes em parceria com a prostituição.

O conflito interior da adolescente se estabelece e a disciplina da dança entra em choque com as facilidades ali existentes, quando conhece a coreógrafa e dona da companhia de dança Estela (Mariana Lima). Uma mulher com os pés no chão e consciente de seu papel na formação de futuras profissionais. Logo dá as cartas e se posiciona com rigor para eventuais falcatruas. Ir para o Exterior requer a anuência do pai, um homem rude e voltado para o seu barco com o casco avariado. Está mais preocupado é com o conserto e voltar a pescar em alto-mar, única coisa que sabe fazer na vida e determinar que a filha cuide dos dois irmãos menores. A mãe é uma mulher típica sofredora e oprimida, que além do cotidiano caseiro, tem que costurar para sobreviver e alimentar os filhos.

O longa mergulha na vontade daquela menina em ser artista e dançar como uma grande estrela, pois é o que mais almeja e faz de tudo para atingir seu objetivo. Ao seguir o instinto de libertação, haverá interferências que surgirão como possibilidades remotas ou buscar o caminho da facilidade pela aproximação da ilicitude. A diretora mostra um Nordeste com poucas chances, como também foi retratado por Kleber Mendonça Filho no comovente O Som ao Redor (2012), onde a natureza silenciosa e ameaçadora serviu como metáforas de um Brasil inseguro e rodeado pela miséria e pela onda de violência.

Marques vai pelo sensível atalho dos dois caminhos colocados para a protagonista, sem demagogia ou alarde pirotécnico. Indica que há uma opção do caminho sem volta, que é o dinheiro falando mais alto e aparentemente sem problemas através de uma clientela para uma ninfeta bonitinha e saudável. O outro caminho é mais difícil e serpenteado por agruras, requer obstinação individual e coletiva dentro de um regramento para atingir o ápice da carreira artística. Ser famosa por méritos próprios está inserido numa grande entrega profissional, como se viu no extraordinário documentário Pina (2011), de Wim Wenders. O olhar feminino contextualizado em Rânia, também se faz presente nos ótimos O Céu de Suely (2006), de Karim Aïnouz, A Casa de Alice (2007), de Chico Teixeira e Riscado (2010), de Gustavo Pizzi.

Ressalte-se o elenco consistente sem grandes arroubos interpretativos e cênicos, encaixando-se bem com a sutileza dos diálogos que evitam os clichês e excessos, atinge o público de modo sóbrio e ao mesmo tempo com a delicadeza proposta pela cineasta, onde há uma trilha sonora adequada para os personagens, com destaque para a bela voz de Cat Power. Mas nem tudo soa perfeito na harmonia do filme, pois a cineasta peca por não dar ênfase num olhar que deveria ser mais severo e crítico sobre o prostíbulo quase glamourizado sobre o realismo do turismo sexual ali existente. Embora não queira, deixa-se trair em muitas cenas no desenrolar da trama, exceto no surto do namorado de Zizi, próximo de uma realidade apresentada.

Os limites impostos a serem ultrapassados soam como amarras indecifráveis, talvez outro equívoco da diretora. Porém os conflitos da protagonista são bem racionalizados e a dúvida da opção fica no ostracismo de um futuro incerto dentro de um contexto de passividade dos pais, num cenário poético e deslumbrante, mas que no epílogo fica um certo vazio, embora sem maniqueísmos, deste bom drama social brasileiro dos sonhos convulsivos que buscam uma existência.

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