Assim como no longa-metragem Abismo Prateado (2011), do diretor cearense Karim Aïnouz, foi
baseado na canção Olhos nos Olhos de
Chico Buarque de Holanda, que compôs e gravou em 1976, Faroeste Caboclo também se inspira numa música, que empresta o nome
ao título do filme, lançada em 1987 pelo grupo Legião Urbana e composta por
Renato Russo. É uma adaptação livre para o cinema do diretor estreante René
Sampaio, sem se preocupar com a fidelidade absoluta da letra, acaba por se dar
bem no resultado final.
A mescla de um drama com o western brasileiro lembra Django Livre (2012), de Quentin Tarantino,
outro filme do gênero recentemente aclamado nas telas e que tinha um pistoleiro
negro e ex-escravo recém-libertado à procura de sua amada, com uma beleza
plástica e a astúcia de um jogo de xadrez que propõe uma magistral obra, de um
roteiro esteticamente perfeito e de uma memorável situação de pessoas que pela
tolice tornaram-se irracionais ao extremo pelas suas preferências raciais, numa
abordagem digna e magnífica pelo olhar de um cineasta irônico e de humor
mordaz. Já Sampaio lança mão de um ator também negro para interpretar João de
Santo Cristo (Fabrício Boliveira- de ótimo desempenho), como o próprio
protagonista se intitula: além da cor, é pobre e analfabeto, em busca de uma
vida melhor em Brasília. Tanto Jamie Foxx como Fabrício Boliveira interpretam
com brasa nos olhos, para dar mais consistência aos personagens.
O filme tem um clima árido dos filmes de bang-bang, com algumas
cenas e edições sendo confessadamente inspiradas no gênero italiano.
"Sempre sonhei em passar de um close de olho para um cenário aberto. Não
podia perder a chance no meu primeiro filme. Sou louco por Sérgio Leone.",
afirma Sampaio, que diz ter buscado inspiração nos faroestes clássicos "Três Homens em Conflito" (1966) e
"Era uma Vez no Oeste" (1968),
ambos do cineasta italiano.
A trama mostra o encontro do mocinho vindo de Santo Cristo
com seu primo (César Troncoso), um traficante de marca maior, daí decorre as
encrencas que sucederão seu futuro. Novamente o destino parece lhe aprontar,
assim como na infância presenciou o pai ser assassinado por um policial à
queima-roupa. A vingança realizada ao deixar o reformatório de menores terá
continuidade na Capital brasileira, mesmo buscando novos ares, tenta voltar a
ser carpinteiro e plantar numas terrinhas, mas sua má sorte parece marcada e
voltar a matar para sobreviver é a saída. O envolvimento casual com o confronto
de gangues pelo ponto de venda de drogas é inevitável, por consequência do
primo delinquente e os rivais protegidos por uma polícia corrupta diretamente
ligada ao tráfico, sob o comando do policial Marco Aurélio (Antonio Calloni).
O drama esquenta de vez com o ingresso, durante o
desenvolvimento da trama, de Maria Lúcia (Ísis Valverde), uma linda jovem
universitária consumidora de maconha, filha de um importante senador (Marcos
Paulo- último trabalho no cinema do ator, morto recentemente). A paixão
arrebatadora irá ter desdobramentos com o chefe da gangue rival Jeremias
(Felipe Abib) e o rolo se estabelece inevitavelmente. Uma cidade com seus
playboys, todos jovens influentes de Brasília, envolvidos diretamente com
consumo e venda ilícitas, logo batem de frente com o excluído da sociedade abastarda
pela desumanidade. João é o pistoleiro reencarnado de Django Livre, porém está mais para um anti-herói descamisado,
sofredor e sempre em desvantagem, diferente da história reescrita da
escravatura por Tarantino, que dá vazão para a vingança e o reparo de
injustiças contra o negro e o índio num EUA pré-guerra civil, através da
catarse de uma raça humilhada.
Faroeste Caboclo é
uma bela alegoria sobre a corrupção e os escândalos no Distrito Federal, embora
com algumas obviedades no roteiro sobre a vingança e a raiva de um negro pobre,
sem se aprofundar, permanecendo mais na superficialidade das contradições. Aborda
os rescaldos de um preconceito racial ainda forte, induzindo para a reflexão o
destino ingrato do protagonista com seus dias marcados por desatinos, transtornos
e injustiças que traduz o fim de uma classe proletária de poucas esperanças
neste instigante longa e suas reflexões pertinentes bem provocativas. Os nove
minutos da belíssima canção cantada no epílogo com os créditos são
arrebatadores e faz com que o espectador permaneça até o letreiro final sair da
tela, junto com a trilha sonora magnífica de Philippe Seabra, guitarrista da
banda brasiliense Plebe Rude.