segunda-feira, 10 de junho de 2013

Faroeste Caboclo



Marcado pelo Destino

Assim como no longa-metragem Abismo Prateado (2011), do diretor cearense Karim Aïnouz, foi baseado na canção Olhos nos Olhos de Chico Buarque de Holanda, que compôs e gravou em 1976, Faroeste Caboclo também se inspira numa música, que empresta o nome ao título do filme, lançada em 1987 pelo grupo Legião Urbana e composta por Renato Russo. É uma adaptação livre para o cinema do diretor estreante René Sampaio, sem se preocupar com a fidelidade absoluta da letra, acaba por se dar bem no resultado final.

A mescla de um drama com o western brasileiro lembra Django Livre (2012), de Quentin Tarantino, outro filme do gênero recentemente aclamado nas telas e que tinha um pistoleiro negro e ex-escravo recém-libertado à procura de sua amada, com uma beleza plástica e a astúcia de um jogo de xadrez que propõe uma magistral obra, de um roteiro esteticamente perfeito e de uma memorável situação de pessoas que pela tolice tornaram-se irracionais ao extremo pelas suas preferências raciais, numa abordagem digna e magnífica pelo olhar de um cineasta irônico e de humor mordaz. Já Sampaio lança mão de um ator também negro para interpretar João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira- de ótimo desempenho), como o próprio protagonista se intitula: além da cor, é pobre e analfabeto, em busca de uma vida melhor em Brasília. Tanto Jamie Foxx como Fabrício Boliveira interpretam com brasa nos olhos, para dar mais consistência aos personagens.

O filme tem um clima árido dos filmes de bang-bang, com algumas cenas e edições sendo confessadamente inspiradas no gênero italiano. "Sempre sonhei em passar de um close de olho para um cenário aberto. Não podia perder a chance no meu primeiro filme. Sou louco por Sérgio Leone.", afirma Sampaio, que diz ter buscado inspiração nos faroestes clássicos "Três Homens em Conflito" (1966) e "Era uma Vez no Oeste" (1968), ambos do cineasta italiano.

A trama mostra o encontro do mocinho vindo de Santo Cristo com seu primo (César Troncoso), um traficante de marca maior, daí decorre as encrencas que sucederão seu futuro. Novamente o destino parece lhe aprontar, assim como na infância presenciou o pai ser assassinado por um policial à queima-roupa. A vingança realizada ao deixar o reformatório de menores terá continuidade na Capital brasileira, mesmo buscando novos ares, tenta voltar a ser carpinteiro e plantar numas terrinhas, mas sua má sorte parece marcada e voltar a matar para sobreviver é a saída. O envolvimento casual com o confronto de gangues pelo ponto de venda de drogas é inevitável, por consequência do primo delinquente e os rivais protegidos por uma polícia corrupta diretamente ligada ao tráfico, sob o comando do policial Marco Aurélio (Antonio Calloni).

O drama esquenta de vez com o ingresso, durante o desenvolvimento da trama, de Maria Lúcia (Ísis Valverde), uma linda jovem universitária consumidora de maconha, filha de um importante senador (Marcos Paulo- último trabalho no cinema do ator, morto recentemente). A paixão arrebatadora irá ter desdobramentos com o chefe da gangue rival Jeremias (Felipe Abib) e o rolo se estabelece inevitavelmente. Uma cidade com seus playboys, todos jovens influentes de Brasília, envolvidos diretamente com consumo e venda ilícitas, logo batem de frente com o excluído da sociedade abastarda pela desumanidade. João é o pistoleiro reencarnado de Django Livre, porém está mais para um anti-herói descamisado, sofredor e sempre em desvantagem, diferente da história reescrita da escravatura por Tarantino, que dá vazão para a vingança e o reparo de injustiças contra o negro e o índio num EUA pré-guerra civil, através da catarse de uma raça humilhada.

Faroeste Caboclo é uma bela alegoria sobre a corrupção e os escândalos no Distrito Federal, embora com algumas obviedades no roteiro sobre a vingança e a raiva de um negro pobre, sem se aprofundar, permanecendo mais na superficialidade das contradições. Aborda os rescaldos de um preconceito racial ainda forte, induzindo para a reflexão o destino ingrato do protagonista com seus dias marcados por desatinos, transtornos e injustiças que traduz o fim de uma classe proletária de poucas esperanças neste instigante longa e suas reflexões pertinentes bem provocativas. Os nove minutos da belíssima canção cantada no epílogo com os créditos são arrebatadores e faz com que o espectador permaneça até o letreiro final sair da tela, junto com a trilha sonora magnífica de Philippe Seabra, guitarrista da banda brasiliense Plebe Rude.

Nenhum comentário: