O festejado diretor espanhol Pedro Almodóvar está de volta
no seu estilo preferido de filmar que o consagrou, ao realizar mais uma comédia
escrachada e voltada primordialmente para seus fãs que o veneram,
principalmente quando o assunto é o mundo homossexual. O próprio cineasta avisa
que Os Amantes Passageiros é a obra
mais gay de sua carreira. Portanto, preparem-se para esta viagem insólita,
cruzem os dedos, soltem os cintos no voo que terá enormes problemas com o trem de
pouso do avião que sofre uma avaria na decolagem. Não há pânico e nem
histerismo incontido, mas uma boa lavagem de roupa suja e algumas
idiossincrasias com humor ferino, que serão jogadas no ventilador e chegam com
o estofo de uma crítica social até o espectador.
Depois de realizar com genialidade filmes consistentes
estruturalmente e com rigor formal ao estilo almodovariano como em A Pele que Habito (2011), com toda a
frieza no fabuloso drama espanhol mesclado com suspense e horror, continha um
abismo de evidências traiçoeiras que levavam para uma vingança de equívocos,
quando se busca justiçar pelas próprias mãos o suposto mal que bate com força.
Já em seu longa anterior também esteve instigante, com brilho e eloquência
inerente em Abraços Partidos (2009),
ao fazer dois filmes, ou seja, um dentro do outro, com todo seu charme,
elegância e irreverência, que lembrou o belo Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), não pela
semelhança, mas pela estética e pelos desdobramentos, como o notável Fale com Ela (2002). Desde o seu primeiro
filme Pepi, Luci e Bom (1980), se
estabeleceu um agente provocador; passando por Má Educação (2004); Volver
(2006) é a ode máxima ao feminino; assim como nos demais foram Ata-me (1990); De Salto Alto (1991), Carne
Trêmula (1997) e Tudo Sobre Minha Mãe
(1999).
É inegável a inspiração na comédia clássica do escracho Apertem os Cintos...O Piloto Sumiu
(1980), de David Zucker. Para isto foi escolhido um elenco recheado de bons
nomes cômicos como Javier Cámara (atuou em Má
Educação e Fale com Ela), Raúl
Arévalo e Carlos Areces interpretando o trio impagável de comissários gays
Josesserra, Ulloa e Fajas. Integram a equipe de astros com aparições relâmpagos
a musa do cineasta Penélope Cruz e seu ator-fetiche Antonio Banderas, nesta
comédia ao estilo de outras realizações do gênero que foram sucesso absoluto de
público, especialmente Mulheres à Beira
de um Ataque de Nervos, embora construídas numa época diferente da atual, na
década de 80, onde as diferenças sexuais não eram toleradas, longe dos tempos
atuais mais abertos e democratizados. Haviam ingredientes classificados como
apimentados para escandalizar a plateia, o que não ocorre atualmente. Está
longe de causar impacto ou chocar como antes.
Almodóvar mostra sua criação na trajetória do longa como peças
que vão se encaixando, como os dois pilotos com viés homossexual. Um é
enrustido e o outro é um bissexual, contrastando com os comissários assumidos
que demonstram suas fraquezas. Um reza o tempo inteiro; o outro bebe muito e
não sabe mentir, por decorrência de um trauma do passado; o terceiro comanda a
bebedeira no avião e mantém seu segredo amoroso. Entre os passageiros estão: a
virgem com suas visões e presságios para o futuro (Pepa Charro); o matador de
aluguel e seu encontro inusitado no voo; a falsária em vídeos (Cecília Roth); o
casal de noivos rumo à lua de mel e o envolvimento com drogas, tema recorrente
nos filmes do diretor; o ex-piloto atormentado e o ator com seus dois amores
conturbados num imbróglio em rota de colisão.
O longa tem seu cenário no interior de um avião da fictícia
Companhia Aérea Península da Espanha que ruma para o México. De dentro da
aeronave os passageiros ligam para seus familiares de um telefone público, como
uma espécie de despedida e arrependimento do que foi feito de errado como numa
autocensura comportamental. Sequer a roupa do varal é esquecida, diante da
iminência de chuva, por um personagem. Nem nesta hora de dificuldades e
incertezas na aterrissagem, o cotidiano é esquecido e chega a ser superestimado,
embora tudo possa acontecer a qualquer momento.
O diretor faz uma agridoce crítica social nesta satírica
comédia de pouco molho e repleto de ingredientes insossos e ultrapassados. Não
chega a conquistar plenamente o público, como em filmes anteriores arrebatadores,
sem decepcionar, mas também não empolga, fica no meio termo, como uma
realização menor. Dá para dizer que é mais uma obra com sua grife, onde
focaliza personagens excêntricos com suas confissões mostradas como se fossem
purificar a alma dos supostos pecadores, inclusive com aqueles que passam
mensagens nas entrelinhas de seus últimos desejos aos familiares.
Os Amantes Pasageiros é
antes de tudo uma razoável metáfora da sociedade espanhola e seus problemas
enraizados que estão latentes e advindos de uma crise sem precedentes no atual
estágio de um mundo contemporâneo. O avião na iminência de causar uma tragédia
no espaço aéreo dá voltas e não sai do mesmo lugar, embora procure uma solução,
tal qual o Estado em crise e destruição no solo espanhol atual. Há nesta mescla
bizarra no ar uma classe econômica anestesiada junto com as aeromoças, sem uma
posição firme do comandante que se abstém de fazer um comunicado oficial, com a
classe executiva repleta de privilégios e longe da realidade.
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