segunda-feira, 1 de julho de 2013

Os Amantes Passageiros














Voo Bizzaro

O festejado diretor espanhol Pedro Almodóvar está de volta no seu estilo preferido de filmar que o consagrou, ao realizar mais uma comédia escrachada e voltada primordialmente para seus fãs que o veneram, principalmente quando o assunto é o mundo homossexual. O próprio cineasta avisa que Os Amantes Passageiros é a obra mais gay de sua carreira. Portanto, preparem-se para esta viagem insólita, cruzem os dedos, soltem os cintos no voo que terá enormes problemas com o trem de pouso do avião que sofre uma avaria na decolagem. Não há pânico e nem histerismo incontido, mas uma boa lavagem de roupa suja e algumas idiossincrasias com humor ferino, que serão jogadas no ventilador e chegam com o estofo de uma crítica social até o espectador.

Depois de realizar com genialidade filmes consistentes estruturalmente e com rigor formal ao estilo almodovariano como em A Pele que Habito (2011), com toda a frieza no fabuloso drama espanhol mesclado com suspense e horror, continha um abismo de evidências traiçoeiras que levavam para uma vingança de equívocos, quando se busca justiçar pelas próprias mãos o suposto mal que bate com força. Já em seu longa anterior também esteve instigante, com brilho e eloquência inerente em Abraços Partidos (2009), ao fazer dois filmes, ou seja, um dentro do outro, com todo seu charme, elegância e irreverência, que lembrou o belo Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), não pela semelhança, mas pela estética e pelos desdobramentos, como o notável Fale com Ela (2002). Desde o seu primeiro filme Pepi, Luci e Bom (1980), se estabeleceu um agente provocador; passando por Má Educação (2004); Volver (2006) é a ode máxima ao feminino; assim como nos demais foram Ata-me (1990); De Salto Alto (1991), Carne Trêmula (1997) e Tudo Sobre Minha Mãe (1999).

É inegável a inspiração na comédia clássica do escracho Apertem os Cintos...O Piloto Sumiu (1980), de David Zucker. Para isto foi escolhido um elenco recheado de bons nomes cômicos como Javier Cámara (atuou em Má Educação e Fale com Ela), Raúl Arévalo e Carlos Areces interpretando o trio impagável de comissários gays Josesserra, Ulloa e Fajas. Integram a equipe de astros com aparições relâmpagos a musa do cineasta Penélope Cruz e seu ator-fetiche Antonio Banderas, nesta comédia ao estilo de outras realizações do gênero que foram sucesso absoluto de público, especialmente Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, embora construídas numa época diferente da atual, na década de 80, onde as diferenças sexuais não eram toleradas, longe dos tempos atuais mais abertos e democratizados. Haviam ingredientes classificados como apimentados para escandalizar a plateia, o que não ocorre atualmente. Está longe de causar impacto ou chocar como antes.

Almodóvar mostra sua criação na trajetória do longa como peças que vão se encaixando, como os dois pilotos com viés homossexual. Um é enrustido e o outro é um bissexual, contrastando com os comissários assumidos que demonstram suas fraquezas. Um reza o tempo inteiro; o outro bebe muito e não sabe mentir, por decorrência de um trauma do passado; o terceiro comanda a bebedeira no avião e mantém seu segredo amoroso. Entre os passageiros estão: a virgem com suas visões e presságios para o futuro (Pepa Charro); o matador de aluguel e seu encontro inusitado no voo; a falsária em vídeos (Cecília Roth); o casal de noivos rumo à lua de mel e o envolvimento com drogas, tema recorrente nos filmes do diretor; o ex-piloto atormentado e o ator com seus dois amores conturbados num imbróglio em rota de colisão.

O longa tem seu cenário no interior de um avião da fictícia Companhia Aérea Península da Espanha que ruma para o México. De dentro da aeronave os passageiros ligam para seus familiares de um telefone público, como uma espécie de despedida e arrependimento do que foi feito de errado como numa autocensura comportamental. Sequer a roupa do varal é esquecida, diante da iminência de chuva, por um personagem. Nem nesta hora de dificuldades e incertezas na aterrissagem, o cotidiano é esquecido e chega a ser superestimado, embora tudo possa acontecer a qualquer momento.

O diretor faz uma agridoce crítica social nesta satírica comédia de pouco molho e repleto de ingredientes insossos e ultrapassados. Não chega a conquistar plenamente o público, como em filmes anteriores arrebatadores, sem decepcionar, mas também não empolga, fica no meio termo, como uma realização menor. Dá para dizer que é mais uma obra com sua grife, onde focaliza personagens excêntricos com suas confissões mostradas como se fossem purificar a alma dos supostos pecadores, inclusive com aqueles que passam mensagens nas entrelinhas de seus últimos desejos aos familiares.

Os Amantes Pasageiros é antes de tudo uma razoável metáfora da sociedade espanhola e seus problemas enraizados que estão latentes e advindos de uma crise sem precedentes no atual estágio de um mundo contemporâneo. O avião na iminência de causar uma tragédia no espaço aéreo dá voltas e não sai do mesmo lugar, embora procure uma solução, tal qual o Estado em crise e destruição no solo espanhol atual. Há nesta mescla bizarra no ar uma classe econômica anestesiada junto com as aeromoças, sem uma posição firme do comandante que se abstém de fazer um comunicado oficial, com a classe executiva repleta de privilégios e longe da realidade.

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