quarta-feira, 3 de julho de 2013

A Memória que me Contam















Lembranças do Passado

Lúcia Murat estreou no cinema com o semidocumentário Que Bom te Ver Vivo (1989), depois foi para o drama com Doces Poderes (1997) e Quase Dois Irmãos (2004), buscou afirmação nos documentários Olhar Estrangeiro (2006) e Maré, Nossa História de Amor (2007). Após estas alternâncias em sua filmografia, consagra-se com o documentário familiar e a relação conflitada da diretora como ex-militante do MR-8 em Uma Longa Viagem (2011), sendo laureado em 2011 com o Prêmio do Júri da Crítica de Melhor Documentário do Festival de Paulínia e melhor longa nacional no Festival de Cinema de Gramado, direção de arte, Prêmio do Júri Popular, Prêmio Estudantil e ainda Caio Blat leva o kikito de melhor ator.

Com o drama A Memória que me Contam, uma coprodução do Brasil, Argentina e o Chile, retorna com o tema principal da reflexão sobre os anos de chumbo pós-1964, abordando as utopias do passado de derrotas pessoais e relações doloridas entre familiares e o ciclo de amigos, diante de um comprometimento social prejudicado por falta de uma melhor projeção de vida, diante da entrega total para uma atividade política pessimista, como demonstrada pelo motorista de táxi em seu desabafo pessoal. Também o terrorismo é tocado, assim como homossexualismo do filho da cineasta como comportamento sexual aceitável em tempos atuais.

Lúcia retrata uma época de lutas inglórias com o intuito do mítico jargão de salvar o mundo, numa construção genérica e de pouca profundidade em seus subtemas, além do tema principal, surgem questionamentos estéreis apresentados para uma reflexão esmaecida, que causam empobrecimento do longa e cai na abordagem tênue de resultado apenas razoável, diante das irregularidades estruturais, numa trama sustentada por um quebra-cabeça em toda sua desenvoltura, aonde os personagens vão se encaixando gradativamente. Uns se alocam harmonicamente, outros de forma artificial como o controvertido terrorista italiano Cesare Battisti, sob o pseudônimo de Paulo (Franco Nero- visto recentemente em Django Livre (2012), de Tarantino). Surge no meio da trama o ministro da Justiça, um ex-guerrilheiro que fala na instalação da Comissão da Verdade no Congresso, sob os aplausos dos militantes que discutem a relação com arrependimento críticos de uns, euforia de outros sobre um idealismo questionado e com resultados minguados e pouco satisfatórios.

A trama tem como protagonista Irene (Irene Ravache- sóbria e convincente), interpretando a diretora que homenageia sua grande amiga ativista Vera Sílvia Magalhães, com o nome fictício de Ana (Simone Spoladore), morta em 2007, ao não se recuperar de sequelas psicológicas e traumáticas das sessões de torturas ocorridas na masmorras de presos políticos. Embora a miscelânea, o filme é atual pelas abordagens lançadas na tela, como o homossexualismo, a discussão da lei da anistia e a encrenca em que o Brasil se meteu com o caso rumoroso do italiano e a extradição para seu país. Porém, falta força para levar todas estas temáticas até o fim, ao buscar soluções beirando ao pieguismo, ou a conclusão sobre um passado de fantasmas que se movem, se remexem, escarafuncham o presente, mas não avançam com solidez ou determinação de um foco profundo.

O drama é uma visita aos anos 60, tendo como ponto de partida a amizade da cineasta com Ana e seu encontro num hospital, diante da iminência da morte daquela mulher lutadora e sonhadora com um futuro melhor, vista pelos companheiros como ícone de uma esquerda brava, tendo como elo de união uma guerreira que os unirá numa sala de cinema para ver o grande tributo que lhe será prestado com lágrimas e muita emoção incontida brotando na inevitável reverência. Mas a profundidade está ausente, sobram subtemas soltos no roteiro prejudicado por esta diversificação de situações colocadas como ingredientes numa inconsistente babel.

O longa de Lúcia está acima do drama Hoje (2011), de Tata Amaral e sua abordagem da sexualidade como uma forma agressiva para se defender do passado que atormenta o futuro; mas bem abaixo do excelente Elena (2012), de Petra Costa, que não deixa escapar a política brasileira nos anos 80 e sua geração que abandonou o país na ânsia da liberdade à procura de novas oportunidades, além da incessante busca pela diretora da trajetória da irmã e de sua própria identidade, aspectos sobre a perda inventariada como resgate.

A Memória que me Contam é antes de tudo uma obra intimista com razoável dose de dramaticidade num contexto de cinema propriamente dito com uma harmonia desajustada, pouco eficiente como filme revelador, embora mantenha um aparente equilíbrio e uma dosagem bem acima do razoável como homenagem para exorcizar fantasmas que pairam no subconsciente de uma sociedade que sofreu os horrores e atrocidades de um regime autoritário.

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