Lúcia Murat estreou no cinema com o semidocumentário Que Bom te Ver Vivo (1989), depois foi
para o drama com Doces Poderes (1997)
e Quase Dois Irmãos (2004), buscou
afirmação nos documentários Olhar
Estrangeiro (2006) e Maré, Nossa
História de Amor (2007). Após estas alternâncias em sua filmografia,
consagra-se com o documentário familiar e a relação conflitada da diretora como
ex-militante do MR-8 em Uma Longa Viagem (2011),
sendo laureado em 2011 com o Prêmio do Júri da Crítica de Melhor Documentário
do Festival de Paulínia e melhor longa nacional no Festival de Cinema de
Gramado, direção de arte, Prêmio do Júri Popular, Prêmio Estudantil e ainda
Caio Blat leva o kikito de melhor ator.
Com o drama A Memória que me Contam, uma coprodução do Brasil, Argentina e o Chile, retorna com o
tema principal da reflexão sobre os anos de chumbo pós-1964, abordando as
utopias do passado de derrotas pessoais e relações doloridas entre familiares e
o ciclo de amigos, diante de um comprometimento social prejudicado por falta de
uma melhor projeção de vida, diante da entrega total para uma atividade
política pessimista, como demonstrada pelo motorista de táxi em seu desabafo
pessoal. Também o terrorismo é tocado, assim como homossexualismo do filho da
cineasta como comportamento sexual aceitável em tempos atuais.
Lúcia retrata uma época de lutas inglórias com o intuito do
mítico jargão de salvar o mundo, numa construção genérica e de pouca
profundidade em seus subtemas, além do tema principal, surgem questionamentos
estéreis apresentados para uma reflexão esmaecida, que causam empobrecimento do
longa e cai na abordagem tênue de resultado apenas razoável, diante das
irregularidades estruturais, numa trama sustentada por um quebra-cabeça em toda
sua desenvoltura, aonde os personagens vão se encaixando gradativamente. Uns se
alocam harmonicamente, outros de forma artificial como o controvertido
terrorista italiano Cesare Battisti, sob o pseudônimo de Paulo (Franco Nero-
visto recentemente em Django Livre
(2012), de Tarantino). Surge no meio da trama o ministro da Justiça, um
ex-guerrilheiro que fala na instalação da Comissão da Verdade no Congresso, sob
os aplausos dos militantes que discutem a relação com arrependimento críticos
de uns, euforia de outros sobre um idealismo questionado e com resultados
minguados e pouco satisfatórios.
A trama tem como protagonista Irene (Irene Ravache- sóbria e
convincente), interpretando a diretora que homenageia sua grande amiga ativista
Vera Sílvia Magalhães, com o nome fictício de Ana (Simone Spoladore), morta em
2007, ao não se recuperar de sequelas psicológicas e traumáticas das sessões de
torturas ocorridas na masmorras de presos políticos. Embora a miscelânea, o
filme é atual pelas abordagens lançadas na tela, como o homossexualismo, a
discussão da lei da anistia e a encrenca em que o Brasil se meteu com o caso
rumoroso do italiano e a extradição para seu país. Porém, falta força para
levar todas estas temáticas até o fim, ao buscar soluções beirando ao pieguismo,
ou a conclusão sobre um passado de fantasmas que se movem, se remexem, escarafuncham
o presente, mas não avançam com solidez ou determinação de um foco profundo.
O drama é uma visita aos anos 60, tendo como ponto de
partida a amizade da cineasta com Ana e seu encontro num hospital, diante da
iminência da morte daquela mulher lutadora e sonhadora com um futuro melhor,
vista pelos companheiros como ícone de uma esquerda brava, tendo como elo de
união uma guerreira que os unirá numa sala de cinema para ver o grande tributo
que lhe será prestado com lágrimas e muita emoção incontida brotando na
inevitável reverência. Mas a profundidade está ausente, sobram subtemas soltos
no roteiro prejudicado por esta diversificação de situações colocadas como
ingredientes numa inconsistente babel.
O longa de Lúcia está acima do drama Hoje (2011), de Tata
Amaral e sua abordagem da sexualidade como uma forma agressiva para se defender
do passado que atormenta o futuro; mas bem abaixo do excelente Elena (2012), de Petra Costa, que não
deixa escapar a política brasileira nos anos 80 e sua geração que abandonou o
país na ânsia da liberdade à procura de novas oportunidades, além da incessante
busca pela diretora da trajetória da irmã e de sua própria identidade, aspectos
sobre a perda inventariada como resgate.
A Memória que me
Contam é antes de tudo uma obra intimista com razoável dose de
dramaticidade num contexto de cinema propriamente dito com uma harmonia
desajustada, pouco eficiente como filme revelador, embora mantenha um aparente
equilíbrio e uma dosagem bem acima do razoável como homenagem para exorcizar
fantasmas que pairam no subconsciente de uma sociedade que sofreu os horrores e
atrocidades de um regime autoritário.
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