segunda-feira, 15 de julho de 2013

Branca de Neve



Fábula da Tourada

Todo mundo conhece o primeiro clássico filme infantil dos estúdios da Walt Disney, Branca de Neve e os Sete Anões (1937), dirigido por David Hand, baseado no conto de fadas escrito pelos irmãos Grimm. A história que encantou e fez chorar multidões, tinha a linda rainha má, que se transformava em bruxa, por inveja e vaidade, manda matar sua enteada, a mais linda de todas. Mas o carrasco deixou-a partir e, durante sua fuga pela floresta, encontra a cabana dos sete anões que passam a protegê-la. Algum tempo depois, quando descobre que Branca de Neve continua viva, a Bruxa Má disfarça-se e vai atrás da moça com uma maçã envenenada, que faz com que a bela caia em um sono profundo por toda a eternidade.

Agora com uma roupagem nova e bem repaginada, após esperar 8 anos para filmar e colocar em prática seu projeto, a fábula é adaptada para o mundo dos adultos de forma alegórica, escrito e dirigido por Pablo Berger, originando na versão espanhola Branca de Neve, é revista de forma diferente e enfoca as touradas de Sevilha, nos anos de 1920. Com um roteiro sem diálogos e na versão preto e branco, como fora visto recentemente no oscarizado O Artista (2011), do francês Michel Hazanavicius, que redundou na festejada produção francesa rodada nos EUA.

O filme tem no papel da protagonista Carmem, apelidada pelos anõezinhos de Branca de Neve (a grata revelação como atriz Macarena Garcia) e como a perversa madrasta (Maribel Verdú- de interpretação memorável). A trama se desenrola com o auxílio ardoroso da trilha sonora exemplar, numa narrativa correta dentro de um enxuto roteiro, mostrando a odisseia da garotinha que perdeu a mãe no seu parto e do pai, um famoso toureiro atingido violentamente na arena por um touro, não morre e fica inválido numa cadeira de rodas, porém se casa com a enfermeira megera que aplica maus-tratos à exaustão na enteada para afastá-la do convívio familiar e abocanhar toda a riqueza do marido. O sofrimento é grande, mas sonha em seguir a trajetória do pai e acaba no circo itinerante dos sete anões toureiros, depois de ser salva por eles no mato, após um inusitado assédio na adolescência por obra da madrasta.

A fábula moderna é bem ambientada numa Espanha da década de 20. Há méritos inquestionáveis da obra, onde o bem e o mal se confrontam numa alegoria magnífica, sem ser piegas e afastando-se do maniqueísmo, não se deixa envolver pelo emocional na sua estrutura dramática numa estética antiga, no melhor estilo e do charme dos filmes de Chaplin, através do personagem mais famoso, o vagabundo Carlitos, oprimido e engraçado, denunciava as injustiças sociais, de forma inteligente, sabia como fazer rir e também chorar, em vários filmes rodados sem sonoridade e sem fotografia colorida. Outra boa referência está no magistral filme musical Cantando na Chuva (1952), de Stanley Donen e Gene Kelly. É mais um nessa tendência de filmes mudos e em preto e branco, depois de O Artista, e no fabuloso Tabu (2012), do português Miguel Gomes.

As peripécias dos anões toureiros com sua protegida são demonstrações de cinema puro e um belo tributo ao passado no formato gótico e sombrio com a ausência de diálogos, demonstrando uma capacidade inventiva e objetiva que fisgam na essência o espectador, através desta madura e equilibrada fábula adulta. Surge um diretor com méritos inegáveis nesta sua obra consagradora que o coloca num plano superior ao seu longa Da Cama para a Fama (2003). Mostra bom estilo e nuances do cinema mudo com elipses adequadas, através de um figurino impecável, sem esquecer a exemplar fotografia em preto e branco, símbolo de um passado de reminiscências, marca pela ousadia numa época onde se valoriza mais o avanço tecnológico, as invenções e os avanços virtuais. O filme tem significativas virtudes expositivas, pois consegue prender a atenção do público, não deixando escapar o foco da trama.

Branca de Neve é uma sensível e harmônica película para ser vista por um público adulto e exigente, diante da magia indiscutível e fascinante da sétima arte, como na estupenda cena dos lenços brancos sendo acenados fervorosamente pelo público, como num pedido de paz e clemência ao touro indefeso na iminência de ser sacrificado sem misericórdia pela toureira. Um libelo contra o massacre nas arenas que fica registrado pelo cineasta, como só o cinema poderia fazer.

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