Azul é a Cor Mais Quente
(La Vie d'Adèle)
O grande vencedor da Palma de Ouro este ano em Cannes é o
polêmico drama francês Azul é a Cor Mais
Quente, quinto longa-metragem do cineasta franco-tunisiano Abdellatif
Kechiche, que tem em sua filmografia A
Culpa de Voltaire (2000), A Esquiva
(2003), O Segredo do Grão (2007)- até
aqui seu melhor e mais conhecido filme- e Vênus
Negra (2009). Aborda a história de uma adolescente de 15 anos que descobre
na tonalidade azulada dos cabelos de uma mulher experiente, assumida e sedutora,
ao cruzar na rua por acaso, o combustível que faltava para explodir sua grande
paixão por uma pessoa do mesmo sexo, após uma experiência inicial
heterossexual.
O filme é uma adaptação da história em quadrinhos homônima,
escrita e desenhada por Julie Maroh, retrata o romance secreto de Adèle,
interpretada pela bela e formosa atriz revelação de 19 anos Adèle
Exarchopoulos, dos filmes inéditos Quando
Eu Era Sombrio (2013), Des Marceaux
de Moi (2012) e do pouco
conhecido Carré Blanc (2010), que se
entrega por completo para a pintora Emma, com atuação sóbria de Léa Seydoux, a
mesma de Robin Hood (2010), Meia Noite em Paris (2011) e Adeus, Minha Rainha (2011), deixando
aflorar seus desejos e instintos homoafetivos que deverão ser mantido em sigilo
absoluto, diante da família conservadora e defensora da moral vigente na
comunidade de uma cidade do interior. Antes tivera um affaire morno com Thomas (Jérémie
Laheurte), que logo desandou pela falta de química.
A dramaticidade dos personagens está bem condensada neste
roteiro eficiente e de muita sensibilidade sobre a temática juvenil sem
estereótipos, com seus anseios à flor da pele. Há profundidade na difícil
transição da adolescência para o mundo adulto e são poucos os filmes que arriscam
em se debruçar neste tema. Laís Bodanzky esteve ótima em As Melhores Coisas do Mundo (2010), retratando os prazeres e
desprazeres da adolescência; Antes que o
Mundo Acabe (2010), da diretora gaúcha Ana Luiza Azevedo, é outro
instigante filme sobre as dúvidas e os caminhos que os adolescentes procuram em
suas vidas futuras e os questionamentos da pós-infância; Em Paris (2006), de Christophe Honoré, é um longa soberbo na
abordagem deste tema e as consequências imediatas de desfazimentos dos namoros;
um outro no mesmo norte é A Bela Junnie (2008),
também de Honoré, em que a garota de 16 anos apresenta problemas de
relacionamento na escola.
E este é o caso de La
Vie d'Adèle, que teve o nome trocado no Brasil e em outros países, para o
batismo comercial de Azul é a Cor Mais
Quente, tão abrangente quanto os referidos dramas familiares mencionados. Cabe
ressaltar que não se trata de uma obra sobre duas mulheres que transam o tempo
todo, porque não é um filme panfletário gay, muito antes pelo contrário. O
cineasta trata com imparcialidade as fragilidades de uma adolescente em
ebulição na fase da confusa descoberta do amor e da vida sexual com uma alta
dose erotização, como são confusos os ideais e as utopias sonhadas nesta fase,
onde tudo ainda é indefinido. Há muitas dificuldades de se reencontrar, como no
caso de Adèle que estuda num colégio classe média, adora literatura e a língua
francesa, porém sonha com o inglês e viajar para os Estados Unidos. São
escassos os diálogos com os pais, estes numa posição beirando a ausência, como
se vê na cena do jantar, onde todos assistem televisão, a menina ali com sérios
problemas emocionais e há apenas uma vaga indagação da mãe sobre seu
distanciamento.
Traição e culpa são abordados com equilíbrio, como
decorrências de um casal que mora junto, diante do inesperado choque frontal
com a parceira e o surgimento de outras pessoas envolvidas no relacionamento,
de lado a lado, embora pela adolescente haja apenas um flerte com um colega de
trabalho num momento de raiva e ódio com o novo quadro que se apresenta e a
nova família constituída de Emma surja como um entrave doloroso. Nas exposições
há os amigos que são apresentados como pessoas diferentes, como de uma outra
esfera social, tudo contribui para a crise das amantes em processo de
esvaziamento amoroso. A citação de Sartre não é por acaso, quando a essência e
a existência são mencionadas anteriormente, ainda que num momento de harmonia
entre as duas. Adèle supera as adversidades pela sua força de vontade e uma
capacidade emocional equilibrada, ainda que por dentro esteja estraçalhada
pelas desavenças e os transtornos do seu romance, diante da iminência do
rompimento.
O filme busca no romance alucinante a reflexão para as
dúvidas amorosas e a liberalidade sexual, como uma descoberta do prazer na
impactante cena tórrida de sexo explícito num plano-sequência de intensidade e
realismo em seis minutos, que causou furor e escandalizou críticos e o púbico
mais conservador em Cannes. Há anos também houve muita polêmica com a cena de
sexo oral com Marlon Brando e Maria Schneider em Último Tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci; bem como no controvertido
O Império dos Sentidos (1976), de
Nagisa Oshima. Hoje são filmes que podem ser vistos até em convento de freiras,
é tudo uma questão de tempo e costume, para que se entenda a arte como uma
licença de livre criação.
Kechiche utiliza muito bem o recurso dos muitos closes como
uma valoração da técnica cinematográfica de aproximação, ao dar mais realismo e
intimidade com o espectador nas cenas, numa forma pouco habitual de filmar. Busca
o rosto, os lábios e as lágrimas para expressar a dor não manifestada pelas
palavras, porque Azul é a Cor Mais Quente
mergulha no sofrimento e na tristeza da perda de um grande amor e a solidão que
se escancara como resultado final, mas no seu contexto de reflexão há muito
mais, como a descoberta e os primeiros passos na adolescência para a opção
sexual livre como propõe o diretor, dentro de uma liberdade total, afastando os
preconceitos das amarras repressivas, neste espetacular drama romântico francês
com erotismo aplastante e suas abordagens sobre a juventude e seu espaço num
universo de igualdades, mesmo que desemboque em rupturas.