segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Jovem e Bela


Tardes de Prazer

O clássico A Bela da Tarde (1967) já havia sido revisitado por Manoel de Oliveira, que prestou um tributo ao amigo morto Luis Buñuel, no sensível longa Sempre Bela (2006), trazendo Bulle Ogier no papel de Séverine Serizy- substituindo a deslumbrante musa francesa no auge de seu esplendor com talento Catherine Deneuve, provavelmente no maior papel de sua vida como a "Bela"-, onde um velho amigo do marido traído provoca a adúltera e reflete a beleza digna das cenas revisitadas numa Paris atual, num resgate de trinta e oito anos após o furor causado na época pela película inovadora e controvertida do mestre espanhol.

Depois dos longas Dentro de Casa (2012), Potiche-Esposa Troféu (2010), O Refúgio (2009), François Ozon retoma o tema com Jovem e Bela sendo interpretada pela sensual e bonita Marine Vacht no papel de Isabelle, uma garota de 17 anos, oriunda de uma família burguesa que se prostitui e vai logo avisando à clientela que só pode transar à tarde, alusão ao clássico de Buñuel; e nunca aos fins de semana, desta feita uma referência ao magnífico filme grego Nunca aos Domingos (1960), de Jules Dassin, em que a prostituta extrovertida só fazia programas durante a semana, exceto aos domingos. A falta de resposta para o drama deixa a entender que o vazio da protagonista está vinculado desde um problema de nascença, enquanto que Buñuel ia direto ao ponto e não deixava margens para dúvidas sobre o tédio da ricaça pela finitude do casamento diante da motivação esfarelada como consequência. Ambas estariam buscando na prostituição a saída para as decorrências existenciais.

Isabelle é meiga e dócil até perder a virgindade com um turista alemão (Lucas Prisor), mas não sente prazer, razão pela qual ao chegar em Paris, depois de passar as férias num balneário com seu irmão menor (Fantin Ravat), a mãe (Géraldine Pailhas), o padrasto (Frédéric Pierrot) e os tios, resolve buscar num site da rede social o perigoso jogo de vender o corpo para homens maduros e bem aquinhoados financeiramente. Começa a cobrar 200, passa para 300 e chega a 500 euros por encontros escondidos em hotéis luxuosos, embora não esteja com dificuldades econômicas. Há alguma semelhança com a personagem de Bruna Surfistinha (2011), de Marcus Baldini, ao retratar a trajetória da garota de programa mais famosa do Brasil, que se notabilizou por um blog de relacionamentos, na saga da mocinha insatisfeita com seus pais, neste caso adotivos, está à procura de autoafirmação e busca uma vida própria, vê novos horizontes se abrirem, tal qual uma cinderela adormecida que desperta para o mundo adulto e mau, após sua primeira transa com um dos clientes assíduos.

O cineasta francês tenta mergulhar nas inquietações juvenis de uma adolescente com cara de criança entre os adultos, mas uma rebelde quase sem causa, diante de suas afirmações de boa relação com o pai separado, o padrasto a quem tenta seduzir, talvez para estragar o romance, também é uma boa amiga do irmão, não reclama de falta de dinheiro. Timidamente faz menção a um suposto caso extraconjugal da mãe com seu companheiro, o que não poderia ser um motivo tão relevante como alegação, tendo em vista que seus devaneios sexuais já afloravam bem antes de qualquer suposta traição familiar.

As revelações ao psicólogo no seu tratamento são bem rasas e sem profundidade. O vazio e a alusão de uma desorientação sexual estão soltas e sem uma atmosfera consistente, pela falta de uma melhor construção psicológica da protagonista. Há indícios significativos por conta da experimentação libertária em determinados momentos, porém em outros há a nítida falta de um motivo mais claro como mola propulsora, deixando-se as questões mais para o marasmo de uma pessoa volúvel e sem objetivos de um sentido de vida definido. São colocações sem respostas, às vezes os desejos e os sentimentos estão mais para a busca de uma identidade, mas longe de uma contextualização específica do diretor, deixando a reflexão enfraquecida pela ausência de uma absoluta tendência de maior clarividência nas ideias lançadas.

Jovem e Bela traz à baila a prostituta de luxo próximo da glamourização de uma causa pouco convincente para uma abordagem sólida. A morte de um cliente e o encontro com a viúva (Charlotte Rampling- numa pequena aparição sóbria e elegante) no mesmo local do inusitado incidente dão margens para a interpretação de que tudo continuará como antes, ou seja, nada vai mudar e as estações do ano fecham o ciclo com a bonita canção de Françoise Herdy. Retumba a frase de um dos clientes: “prostituta uma vez, prostituta para sempre”, sob o olhar de Ozon na sentença definitiva para a protagonista que quis brincar com fogo numa experiência perigosa e sem volta.

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