Tardes de Prazer
O clássico A Bela da
Tarde (1967) já havia sido revisitado por Manoel de Oliveira, que prestou um
tributo ao amigo morto Luis Buñuel, no sensível longa Sempre Bela (2006), trazendo Bulle Ogier no papel de Séverine
Serizy- substituindo a deslumbrante musa francesa no auge de seu esplendor com
talento Catherine Deneuve, provavelmente no maior papel de sua vida como a
"Bela"-, onde um velho amigo do marido traído provoca a adúltera e reflete
a beleza digna das cenas revisitadas numa Paris atual, num resgate de trinta e
oito anos após o furor causado na época pela película inovadora e controvertida
do mestre espanhol.
Depois dos longas Dentro
de Casa (2012), Potiche-Esposa Troféu
(2010), O Refúgio (2009), François
Ozon retoma o tema com Jovem e Bela
sendo interpretada pela sensual e bonita Marine Vacht no papel de Isabelle, uma
garota de 17 anos, oriunda de uma família burguesa que se prostitui e vai logo
avisando à clientela que só pode transar à tarde, alusão ao clássico de Buñuel;
e nunca aos fins de semana, desta feita uma referência ao magnífico filme grego
Nunca aos Domingos (1960), de Jules
Dassin, em que a prostituta extrovertida só fazia programas durante a semana,
exceto aos domingos. A falta de resposta para o drama deixa a entender que o
vazio da protagonista está vinculado desde um problema de nascença, enquanto
que Buñuel ia direto ao ponto e não deixava margens para dúvidas sobre o tédio
da ricaça pela finitude do casamento diante da motivação esfarelada como
consequência. Ambas estariam buscando na prostituição a saída para as
decorrências existenciais.
Isabelle é meiga e dócil até perder a virgindade com um
turista alemão (Lucas Prisor), mas não sente prazer, razão pela qual ao chegar
em Paris, depois de passar as férias num balneário com seu irmão menor (Fantin
Ravat), a mãe (Géraldine Pailhas), o padrasto (Frédéric Pierrot) e os tios,
resolve buscar num site da rede social o perigoso jogo de vender o corpo para
homens maduros e bem aquinhoados financeiramente. Começa a cobrar 200, passa
para 300 e chega a 500 euros por encontros escondidos em hotéis luxuosos,
embora não esteja com dificuldades econômicas. Há alguma semelhança com a
personagem de Bruna Surfistinha (2011),
de Marcus Baldini, ao retratar a trajetória da garota de programa mais famosa
do Brasil, que se notabilizou por um blog de relacionamentos, na saga da
mocinha insatisfeita com seus pais, neste caso adotivos, está à procura de
autoafirmação e busca uma vida própria, vê novos horizontes se abrirem, tal qual
uma cinderela adormecida que desperta para o mundo adulto e mau, após sua
primeira transa com um dos clientes assíduos.
O cineasta francês tenta mergulhar nas inquietações juvenis
de uma adolescente com cara de criança entre os adultos, mas uma rebelde quase
sem causa, diante de suas afirmações de boa relação com o pai separado, o
padrasto a quem tenta seduzir, talvez para estragar o romance, também é uma boa
amiga do irmão, não reclama de falta de dinheiro. Timidamente faz menção a um
suposto caso extraconjugal da mãe com seu companheiro, o que não poderia ser um
motivo tão relevante como alegação, tendo em vista que seus devaneios sexuais
já afloravam bem antes de qualquer suposta traição familiar.
As revelações ao psicólogo no seu tratamento são bem rasas e sem profundidade. O vazio e a alusão de uma desorientação sexual estão soltas e sem uma atmosfera consistente, pela falta de uma melhor construção psicológica da protagonista. Há indícios significativos por conta da experimentação libertária em determinados momentos, porém em outros há a nítida falta de um motivo mais claro como mola propulsora, deixando-se as questões mais para o marasmo de uma pessoa volúvel e sem objetivos de um sentido de vida definido. São colocações sem respostas, às vezes os desejos e os sentimentos estão mais para a busca de uma identidade, mas longe de uma contextualização específica do diretor, deixando a reflexão enfraquecida pela ausência de uma absoluta tendência de maior clarividência nas ideias lançadas.
Jovem e Bela traz
à baila a prostituta de luxo próximo da glamourização de uma causa pouco
convincente para uma abordagem sólida. A morte de um cliente e o encontro com a
viúva (Charlotte Rampling- numa pequena aparição sóbria e elegante) no mesmo
local do inusitado incidente dão margens para a interpretação de que tudo
continuará como antes, ou seja, nada vai mudar e as estações do ano fecham o
ciclo com a bonita canção de Françoise Herdy. Retumba a frase de um dos
clientes: “prostituta uma vez, prostituta para sempre”, sob o olhar de Ozon na
sentença definitiva para a protagonista que quis brincar com fogo numa
experiência perigosa e sem volta.
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