Vem da Romênia o contundente drama familiar Instinto Materno, do cineasta Calin
Peter Netzer, que assinou o roteiro enxuto com Razvan Radulescu. Também dirigiu
o premiado Maria (2003) e Medalha de Honra (2009). Foi o grande
vencedor do Urso de Ouro e o Prêmio da Crítica de Melhor Filme no Festival de
Berlim, além da passagem exitosa de público e crítica na 37ª. Mostra de Cinema
de São Paulo deste ano.
Um dos grandes trunfos do filme é a impecável atuação de
Luminita Gheorghiu no papel da obstinada mãe Cornelia, a mesma atriz do
cultuado 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias
(2007), e Além das Montanhas (2012),
ambos de Cristian Mungiu. A instigante história da saga da protagonista, uma
mulher rica que ouve ópera, quando num dia qualquer é surpreendida pela notícia
trágica. A partir daí passa a dedicar todo seu tempo para livrar o filho
(Bogdan Dumitrache) da cadeia, embora haja comprovada culpa no acidente que
matou um garoto de 14 anos, sem prestar socorro, ao andar numa velocidade de 140 km por hora numa rodovia
em que o limite máximo é de 110
km/h .
O drama aborda a corrupção que se faz presente diante de uma
polícia frágil e com resquícios ainda de um poder onipotente, como se vê nos
dois policiais tontos e despreparados aparentemente. Um deles chega a pedir uma
ajudinha para liberar a construção da casa de um parente, deflagra-se
ostensivamente a falta de seriedade. Há contatos com superiores que interferem na
investigação, demonstrando a triste situação deste país que saiu da
Cortina de Ferro. Retrata uma nova casta de uma sociedade surgida após soçobrar
o comunismo na Romênia, num comportamento absurdo de uma classe social
estereotipada e que inverte os valores, dando guarida para o desenlace de uma
situação dolorida pela culpa não assumida de um rapaz já adulto e mimado,
criado irresponsavelmente sob a proteção matriarcal e que não sabe o que fazer.
Chega a pedir uma pausa para ter uma vida independente, como num indício de
cortar o vínculo de submissão e os limites da proteção exagerada, como uma
metáfora da mãe que representa o Estado protetor e seus filhos pacatos e sem
luz própria.
O cineasta utiliza a câmera na mão na maioria das cenas,
como um recurso da situação nevrálgica e nebulosa do quadro apresentado, assim
como a fotografia sem brilho e em tons esmaecidos como num lusco-fusco de
interiores dentro de um cenário sem grandes locações. Um filme de diálogos contínuos
em contraplanos e com o afastamento de planos de belas imagens. A dor está
presente acompanhando a ausência irremediável, como na extraordinária cena do
encontro de Cornelia e sua nora com os pais da vítima. Um duelo magnífico de
palavras dilacerantes sobre a perda e a culpa. O pedido de perdão e a indicação
da mãe sobre seu filho lá fora, no carro, querendo se redimir é comovente.
Netzer chegar a inverter os papéis num determinado momento
do diálogo e deixa dúvidas de quem está sofrendo mais realmente: os pais do
morto ou a mãe do motorista imprudente? Há um entrave dolorido daquela senhora representante
de uma elite viciada no suborno que luta como uma leoa faminta para isentar o filho
de uma possível condenação e do martírio da prisão. Alega que só tem ele,
enquanto que do outro lado há um irmão ainda vivo de 11 anos para iluminar o
futuro. São frases chocantes sendo desfiadas como um colar que despenca e perde
suas pedras preciosas, diante de um desenlace enternecedor do encontro do algoz
com aquele pai em frangalhos, numa cena triste e ao mesmo tempo paradoxal, pois
está repleta de altivez pelo ato jogado como uma imagem ardente no retrovisor.
Instinto Materno é
um poderoso e arrebatador drama familiar com fortes tintas sociais que mergulha
com dignidade na perda, na culpa e no arrependimento com viés de perdão diante de
uma luta desenfreada e com a ética distanciada da realidade. Uma mãe obsessiva
pela liberdade do filho culpado que quer o fim das amarras da submissão no belo
e dignificante encontro final com aquela criatura estraçalhada pela ausência
trágica definitiva no seu seio familiar. O longa sensibiliza com sutileza um
amor destroçado e questiona os limites protetivos, através de um realismo
cênico com desfecho equilibrado de uma narrativa dramática para reflexão das
relações sofridas entre seres desesperançados, emociona pela condução sem
arroubos ou pieguismos baratos, perturba ao rasgar a alma do espectador numa
profunda amostragem sobre a morte e as pessoas íntimas em seu entorno, com as consequências
de seus vínculos e relações decorrentes de uma vida. Aí está um filme que deverá constar nas listas de melhores de 2013.
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