O cinema uruguaio está cada vez melhor e se continuar assim,
logo encostará na melhor escola de América do Sul, a Argentina. Iniciou meio
tímido, em seguida engrenou com Coração
de Fogo (2002) com direção de Diego Arsuaga, depois conquistou o público
com Whisky (2004), de Juan Pablo Rebella-
que se suicidou aos 32 anos, em 2006- e Pablo Stoll, para culminar com a mini
obra-prima O Banheiro do Papa (2007),
dirigido por Henrique Fernández e César Charlone. Pablo Stoll dirigiu seu
segundo longa Hiroshima (2009). Outro
grande sucesso foi Gigante (2009), com
direção de Adrián Biniez, levou o Urso de Prata no Festival de Berlim (2009) e
três Kikitos no Festival de Gramado (2009), como de melhor ator, roteiro e o prêmio
da crítica.
Agora vem bater em nossas telas Tanta Água, uma pequena grande comédia dramática sobre as afetivas relações
familiares, escrita e dirigida pelas estreantes Ana Guevara Pose e Leticia
Jorge Romero, causou uma ótima impressão no público e crítica no último
Festival de Berlim, embora não tenha obtido nenhum prêmio. Houve até comparações
com a diretora Lucrecia Martel, de O
Pântano (2001) e A Menina Santa
(2003). Foi sensação no circuito internacional de festivais, tendo conquistado
o prêmio da crítica em Cartagena de Índias, na Colômbia, o prêmio de melhor
obra de diretor estreante em Guadalajara, no México, e o grande prêmio do júri
em Miami, nos EUA.
A trama retrata Alberto (Néstor Guzzini), um pai quarentão
divorciado que busca seus dois filhos menores na casa da ex-mulher para passar
as férias numa colônia em Termas de Arapey, nas imediações do Rio Uruguai. Lucía (Malú
Chonza) é uma pré-adolescente que está despertando para o amor e demonstra
sofrimento nas primeiras derrapadas na vida, diante de perdas que surgem como a
decepção com a amiga Madelón (Sofía Azambuya). Federico (Joaquín Castiglione) é
o outro filho de 10 anos, parecendo estar de bem com a vida, comete peraltices
como qualquer criança de sua idade. Porém, ambos demonstram insatisfação com a
presença do pai, uma figura ausente até aquele momento, criam algumas
dificuldades de relacionamento.
A chuva cai sem parar e o único refúgio aparente é a pequena
casa alugada naquele lugarejo de classe média. Faltam opções de lazer para os
filhos se divertirem, pois não há televisão, internet, quando muito um telefone
para realizar uma ligação, colocam o pai em xeque para resolver as dificuldades
e segurar a barra que se torna complicada, devido ao tédio instalado entre eles.
Há um vazio entre os três diante daquela circunstância atípica do aguaceiro
interminável, tendo em vista que era para ser umas férias inesquecíveis de
reaproximação, torna-se chata e exaustiva, causando uma solidão involuntária
entre eles, a mesma vista no belo drama argentino Chuva (2008), de Paula Hernández.
As diretoras enfatizam um pai flertando com uma mulher
desconhecida, mas é guardado em segredo e a namorada é mantida longe dos
filhos, a mesma distância que é utilizada como recurso da câmera ao captar as
imagens sem nenhuma aproximação. Uma criativa metáfora sobre o afeto familiar distante, embora Alberto busque outras maneiras para reatar o vínculo deteriorado.
Anima timidamente os filhos com a pescaria no rio, as compras no supermercado
com Lucía, além das artimanhas para entrar no ritmo infantil de Federico. Há
revelações constantes como a filha batendo de frente, fumar, mentir para ir
dançar sozinha e passar mal por ingestão de bebida de álcool.
Ana e Letícia esmiúçam as ligações entre filhos e pai,
deixando propositalmente a figura materna fora do foco, completamente alheia,
como se mandassem um recado direto ao ex-marido sobre as dificuldades dobradas
em relação à educação e as inerentes complicações de uma família em que há duas
crianças e suas indagações para com o mundo que se abre como um leque. O
cenário da bonita fotografia de tonalidade gris, típica dos dias chuvosos, traz
no acaso e na precipitação do tempo o isolamento em que o trio se encontra como
um desafio para a reaproximação da ausência paterna anterior para achar
alternativas convincentes e tê-los sob sua segurança, criando-se um elo de
credibilidade entre eles.
Os conflitos da adolescência que emergem faz parte de uma
relação em Tanta Água, como as
paixões juvenis que afloram e explodem como um vulcão. Para isto o pai não estava
preparado psicologicamente, sequer imaginava o turbilhão de problemas que o
aguardava nesta instigante e formidável comédia dramática. Impecável na forma e
no contexto familiar, fisga o espectador com muita sensibilidade de uma obra
simples, mas profunda na essência, pode-se perceber a descoberta de cada um e a
ampliação dos valores e algumas afinidades que serão dados à vida, a partir
deste momento único.
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