sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Tanta Água



Reencontros na Chuva

O cinema uruguaio está cada vez melhor e se continuar assim, logo encostará na melhor escola de América do Sul, a Argentina. Iniciou meio tímido, em seguida engrenou com Coração de Fogo (2002) com direção de Diego Arsuaga, depois conquistou o público com Whisky (2004), de Juan Pablo Rebella- que se suicidou aos 32 anos, em 2006- e Pablo Stoll, para culminar com a mini obra-prima O Banheiro do Papa (2007), dirigido por Henrique Fernández e César Charlone. Pablo Stoll dirigiu seu segundo longa Hiroshima (2009). Outro grande sucesso foi Gigante (2009), com direção de Adrián Biniez, levou o Urso de Prata no Festival de Berlim (2009) e três Kikitos no Festival de Gramado (2009), como de melhor ator, roteiro e o prêmio da crítica.

Agora vem bater em nossas telas Tanta Água, uma pequena grande comédia dramática sobre as afetivas relações familiares, escrita e dirigida pelas estreantes Ana Guevara Pose e Leticia Jorge Romero, causou uma ótima impressão no público e crítica no último Festival de Berlim, embora não tenha obtido nenhum prêmio. Houve até comparações com a diretora Lucrecia Martel, de O Pântano (2001) e A Menina Santa (2003). Foi sensação no circuito internacional de festivais, tendo conquistado o prêmio da crítica em Cartagena de Índias, na Colômbia, o prêmio de melhor obra de diretor estreante em Guadalajara, no México, e o grande prêmio do júri em Miami, nos EUA.

A trama retrata Alberto (Néstor Guzzini), um pai quarentão divorciado que busca seus dois filhos menores na casa da ex-mulher para passar as férias numa colônia em Termas de Arapey, nas imediações do Rio Uruguai. Lucía (Malú Chonza) é uma pré-adolescente que está despertando para o amor e demonstra sofrimento nas primeiras derrapadas na vida, diante de perdas que surgem como a decepção com a amiga Madelón (Sofía Azambuya). Federico (Joaquín Castiglione) é o outro filho de 10 anos, parecendo estar de bem com a vida, comete peraltices como qualquer criança de sua idade. Porém, ambos demonstram insatisfação com a presença do pai, uma figura ausente até aquele momento, criam algumas dificuldades de relacionamento.

A chuva cai sem parar e o único refúgio aparente é a pequena casa alugada naquele lugarejo de classe média. Faltam opções de lazer para os filhos se divertirem, pois não há televisão, internet, quando muito um telefone para realizar uma ligação, colocam o pai em xeque para resolver as dificuldades e segurar a barra que se torna complicada, devido ao tédio instalado entre eles. Há um vazio entre os três diante daquela circunstância atípica do aguaceiro interminável, tendo em vista que era para ser umas férias inesquecíveis de reaproximação, torna-se chata e exaustiva, causando uma solidão involuntária entre eles, a mesma vista no belo drama argentino Chuva (2008), de Paula Hernández.

As diretoras enfatizam um pai flertando com uma mulher desconhecida, mas é guardado em segredo e a namorada é mantida longe dos filhos, a mesma distância que é utilizada como recurso da câmera ao captar as imagens sem nenhuma aproximação. Uma criativa metáfora sobre o afeto familiar distante, embora Alberto busque outras maneiras para reatar o vínculo deteriorado. Anima timidamente os filhos com a pescaria no rio, as compras no supermercado com Lucía, além das artimanhas para entrar no ritmo infantil de Federico. Há revelações constantes como a filha batendo de frente, fumar, mentir para ir dançar sozinha e passar mal por ingestão de bebida de álcool.

Ana e Letícia esmiúçam as ligações entre filhos e pai, deixando propositalmente a figura materna fora do foco, completamente alheia, como se mandassem um recado direto ao ex-marido sobre as dificuldades dobradas em relação à educação e as inerentes complicações de uma família em que há duas crianças e suas indagações para com o mundo que se abre como um leque. O cenário da bonita fotografia de tonalidade gris, típica dos dias chuvosos, traz no acaso e na precipitação do tempo o isolamento em que o trio se encontra como um desafio para a reaproximação da ausência paterna anterior para achar alternativas convincentes e tê-los sob sua segurança, criando-se um elo de credibilidade entre eles.

Os conflitos da adolescência que emergem faz parte de uma relação em Tanta Água, como as paixões juvenis que afloram e explodem como um vulcão. Para isto o pai não estava preparado psicologicamente, sequer imaginava o turbilhão de problemas que o aguardava nesta instigante e formidável comédia dramática. Impecável na forma e no contexto familiar, fisga o espectador com muita sensibilidade de uma obra simples, mas profunda na essência, pode-se perceber a descoberta de cada um e a ampliação dos valores e algumas afinidades que serão dados à vida, a partir deste momento único.

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