segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Seleção de Filmes Bourbon (Azul é a Cor Mais Quente)


Azul é a Cor Mais Quente (La Vie d'Adèle)

O grande vencedor da Palma de Ouro este ano em Cannes é o polêmico drama francês Azul é a Cor Mais Quente, quinto longa-metragem do cineasta franco-tunisiano Abdellatif Kechiche, que tem em sua filmografia A Culpa de Voltaire (2000), A Esquiva (2003), O Segredo do Grão (2007)- até aqui seu melhor e mais conhecido filme- e Vênus Negra (2009). Aborda a história de uma adolescente de 15 anos que descobre na tonalidade azulada dos cabelos de uma mulher experiente, assumida e sedutora, ao cruzar na rua por acaso, o combustível que faltava para explodir sua grande paixão por uma pessoa do mesmo sexo, após uma experiência inicial heterossexual.

O filme é uma adaptação da história em quadrinhos homônima, escrita e desenhada por Julie Maroh, retrata o romance secreto de Adèle, interpretada pela bela e formosa atriz revelação de 19 anos Adèle Exarchopoulos, dos filmes inéditos Quando Eu Era Sombrio (2013), Des Marceaux de Moi (2012) e do pouco conhecido Carré Blanc (2010), que se entrega por completo para a pintora Emma, com atuação sóbria de Léa Seydoux, a mesma de Robin Hood (2010), Meia Noite em Paris (2011) e Adeus, Minha Rainha (2011), deixando aflorar seus desejos e instintos homoafetivos que deverão ser mantido em sigilo absoluto, diante da família conservadora e defensora da moral vigente na comunidade de uma cidade do interior. Antes tivera um affaire morno com Thomas (Jérémie Laheurte), que logo desandou pela falta de química.

A dramaticidade dos personagens está bem condensada neste roteiro eficiente e de muita sensibilidade sobre a temática juvenil sem estereótipos, com seus anseios à flor da pele. Há profundidade na difícil transição da adolescência para o mundo adulto e são poucos os filmes que arriscam em se debruçar neste tema. Laís Bodanzky esteve ótima em As Melhores Coisas do Mundo (2010), retratando os prazeres e desprazeres da adolescência; Antes que o Mundo Acabe (2010), da diretora gaúcha Ana Luiza Azevedo, é outro instigante filme sobre as dúvidas e os caminhos que os adolescentes procuram em suas vidas futuras e os questionamentos da pós-infância; Em Paris (2006), de Christophe Honoré, é um longa soberbo na abordagem deste tema e as consequências imediatas de desfazimentos dos namoros; um outro no mesmo norte é A Bela Junnie (2008), também de Honoré, em que a garota de 16 anos apresenta problemas de relacionamento na escola.

E este é o caso de La Vie d'Adèle, que teve o nome trocado no Brasil e em outros países, para o batismo comercial de Azul é a Cor Mais Quente, tão abrangente quanto os referidos dramas familiares mencionados. Cabe ressaltar que não se trata de uma obra sobre duas mulheres que transam o tempo todo, porque não é um filme panfletário gay, muito antes pelo contrário. O cineasta trata com imparcialidade as fragilidades de uma adolescente em ebulição na fase da confusa descoberta do amor e da vida sexual com uma alta dose erotização, como são confusos os ideais e as utopias sonhadas nesta fase, onde tudo ainda é indefinido. Há muitas dificuldades de se reencontrar, como no caso de Adèle que estuda num colégio classe média, adora literatura e a língua francesa, porém sonha com o inglês e viajar para os Estados Unidos. São escassos os diálogos com os pais, estes numa posição beirando a ausência, como se vê na cena do jantar, onde todos assistem televisão, a menina ali com sérios problemas emocionais e há apenas uma vaga indagação da mãe sobre seu distanciamento.

Traição e culpa são abordados com equilíbrio, como decorrências de um casal que mora junto, diante do inesperado choque frontal com a parceira e o surgimento de outras pessoas envolvidas no relacionamento, de lado a lado, embora pela adolescente haja apenas um flerte com um colega de trabalho num momento de raiva e ódio com o novo quadro que se apresenta e a nova família constituída de Emma surja como um entrave doloroso. Nas exposições há os amigos que são apresentados como pessoas diferentes, como de uma outra esfera social, tudo contribui para a crise das amantes em processo de esvaziamento amoroso. A citação de Sartre não é por acaso, quando a essência e a existência são mencionadas anteriormente, ainda que num momento de harmonia entre as duas. Adèle supera as adversidades pela sua força de vontade e uma capacidade emocional equilibrada, ainda que por dentro esteja estraçalhada pelas desavenças e os transtornos do seu romance, diante da iminência do rompimento.

O filme busca no romance alucinante a reflexão para as dúvidas amorosas e a liberalidade sexual, como uma descoberta do prazer na impactante cena tórrida de sexo explícito num plano-sequência de intensidade e realismo em seis minutos, que causou furor e escandalizou críticos e o púbico mais conservador em Cannes. Há anos também houve muita polêmica com a cena de sexo oral com Marlon Brando e Maria Schneider em Último Tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci; bem como no controvertido O Império dos Sentidos (1976), de Nagisa Oshima. Hoje são filmes que podem ser vistos até em convento de freiras, é tudo uma questão de tempo e costume, para que se entenda a arte como uma licença de livre criação.

Kechiche utiliza muito bem o recurso dos muitos closes como uma valoração da técnica cinematográfica de aproximação, ao dar mais realismo e intimidade com o espectador nas cenas, numa forma pouco habitual de filmar. Busca o rosto, os lábios e as lágrimas para expressar a dor não manifestada pelas palavras, porque Azul é a Cor Mais Quente mergulha no sofrimento e na tristeza da perda de um grande amor e a solidão que se escancara como resultado final, mas no seu contexto de reflexão há muito mais, como a descoberta e os primeiros passos na adolescência para a opção sexual livre como propõe o diretor, dentro de uma liberdade total, afastando os preconceitos das amarras repressivas, neste espetacular drama romântico francês com erotismo aplastante e suas abordagens sobre a juventude e seu espaço num universo de igualdades, mesmo que desemboque em rupturas.

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