Amizade em Xeque
Indicado pela Bélgica para o Oscar deste ano na categoria de melhor filme internacional, Close é um sensível e delicado drama sobre amizade e amor, em cartaz nas salas de cinema e disponível no MUBI. Dirigido por Lukas Dhont, em seu segundo longa-metragem, dividiu o roteiro com Angelo Tijssens, para criarem uma trama enxuta e bem alicerçada. A abordagem do preconceito numa idade em que há tantas mudanças da pré-adolescência para a adolescência está colocada de maneira direta, embora haja sutilezas na narrativa. São as construções impostas pela sociedade que nos rege e com elementos fortes de bullying, principalmente entre os grupos de colegas do colégio onde estudam os dois personagens em foco, com a prática sistemática de atos de violência psicológica, intimidação e humilhação, até chegar no desenlace de uma tragédia, embora aparentemente improvável, diante das consequências e do rumo pela reviravolta da história, acaba por se tornar uma amarga e dura realidade.
Para dar consistência na narrativa, o cenário é ambientado numa zona rural, com tomadas de cenas da colheita de flores e toda sua beleza na fazenda do pai de um dos personagens. O dia a dia tem uma delicadeza naturalista marcante registrada com notável sensibilidade poética. O enredo retrata dois meninos de 13 anos, Leo (Eden Dambrine - impecável atuação) e Remi (Gustav De Waele) sendo dois amigos inseparáveis, que passam 24h juntos. Eles brincam, andam de bicicletas, dividem tudo que gostam, dormem um na casa do outro. Mas logo as insinuações e provocações dos colegas colocam em xeque o vínculo da amizade com fortes elementos para o estremecimento e o afastamento dos dois. Evitam o contato físico na escola e também quando estão sozinhos, até chegar numa luta no quarto que vai longe demais. A linha tênue que divide aquela relação pueril com uma possível descoberta do amor irá influenciar uma ruptura violenta. O medo das chacotas pelas frases bobas trará a preocupação com o pensamento dos outros sobre a dupla, com tomadas de decisões contraditórias diante da imaturidade dos jovens amigos. O que parecia normal na infância, passa a ser visto com o olhar da malícia que acaba interferindo na vida deles.
Dhont segue um caminho semelhante de Céline Sciamma na narrativa nas pulsões incompreendidas da pré-adolescência e suas tipicidades oriundas da idade, que se consagrou com o icônico drama Tomboy (2011), o marcante filme que orientou os destinos de uma nova geração de diretores, sobre questões do preconceito social e a inexperiência da juventude para tratar com profundidade a precoce descoberta da homossexualidade. Os cineastas belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, mais conhecidos como os irmãos Dardenne, dos longas Rosetta (1999), O Filho (2002), A Criança (2005) e O Silêncio de Lorna (2008) foram os precursores de filmes com mais delicadeza e menos rudeza da juventude. Sem nunca perderem o foco e o cerne da questão, utilizam o recurso da câmera na mão para registrar a rotina com seus atritos peculiares através de planos longos, por vezes optam para os close-ups para capturar a intimidade e os desatinos do mundo ao redor.
O realizador enfatiza o sentimento de culpa e rejeição até chegar ao doloroso sofrimento como uma força motriz para as transformações pessoais e interromper o vínculo amigável, no qual Leo se aproxima de um outro garoto para jogar hóquei no gelo. A reação pelos próximos anos é a busca de uma aproximação com a mãe de Remi, Sophie (Émilie Dequenne), pelo amigo que soará como um indício culposo como sentimento na tentativa desesperada do perdão tão almejado e reconfortante. Eis uma delicada obra que retrata a homossexualidade na criança sem levantar bandeiras ou até mesmo envolver a questão sexual, algo raríssimo entre cineastas. De forma sutil, pode ser apontado como os indícios iniciais de um conflito interno entre quem é e acha que deveria ser. Ganha proporções cada vez maiores na trajetória do drama com a triste notícia, mas há um reordenamento de questões deixadas para trás para absorver a realidade inocente do mundo com a extinção prematura da doce inocência infantil. Deve ser ressaltada posição sem mágoas ou ressentimentos da mãe angustiada, pelo discernimento, altivez, até a descoberta das razões e origens que fazem a verdade vir à tona sobre seu filho e a relação conturbada entre aqueles dois seres que estavam numa busca incessante da felicidade.
Close é um drama da adolescência sobre a culpa até chegar na compreensão e no aguardado perdão pós-penitência do amor secreto e suas idiossincrasias do sentimento marcado pela rejeição e a compaixão. São inevitáveis os rumos diferentes tomados pelos personagens envolvidos, mas na verdade nunca se afastam totalmente, pois o vínculo da união da amizade resiste pela importante intervenção da figura maternal em cena. Há uma realidade a ser encarada para a construção dos elos perdidos de pequenas desavenças que tomam proporções absolutas para inibir o que seria um doloroso relato sobre o perecimento precoce, com sua sombria aparência, suas reminiscências que não são entendidas como as indicativas luzes de reconstrução sugeridas no epílogo. A opção por planos-sequência reafirma uma realidade perturbadora com planos fechados e com alto grau de maturidade para uma narrativa equilibrada, num tom amargo e seco. Longe de filigranas e emoção superficial, deixa o espectador à vontade para refletir, tirando conclusões esperançosas neste longa minimalista admirável de aparente simplicidade e leveza. Mas, nada fácil se for observado o tema e a dor do relacionamento entre dois meninos ingênuos entrincheirados pelo bullying. Uma elegante construção de personagens com suas características infantis de um emocional rompido pela desintegração da amizade, mas que paradoxalmente deixa uma esperança plantada e cultivada.