quinta-feira, 18 de julho de 2013

O Sonho de Wadjda



Liberdade Feminina

Ironicamente o primeiro longa-metragem totalmente rodado na Arábia Saudita que não tem salas de cinema, vem com a assinatura de uma mulher. O ineditismo foi quebrado pela diretora Haifaa Al- Mansour, que buscou recursos financeiros na Alemanha para realizar O Sonho de Wadjda, neste sensível libelo feminino contra a opressão machista diante da posição da mulher num papel meramente secundário, sem nenhum poder de interferência ou tentativa de marcar posição na sociedade muçulmana dominada eminentemente pelos homens, onde tudo converge para agradar seu Deus (Alá), revelado ao profeta Maomé, onde a liberdade é tolhida e os direitos são normalmente submetidos às leis e dogmas religiosos ditados e seguidos rigorosamente pelos mandamentos do Alcorão, o livro sagrado do Islã.

Numa linguagem simples, mas eficiente e com um poder de fogo potente, a cineasta reflete a condição feminina precária, sem voz e que vive de sonhos e ilusões, como a protagonista Wadjda (Waad Mohammed- de atuação magnífica para uma atriz infantil), uma garotinha de 12 anos como qualquer outra, que quer brincar, ter uma bicicleta para passear- seu sonho maior-, andar com o rosto descoberto de lenços e burcas. Busca com intensidade viver uma pré-adolescência saudável, mas é vista como revoltada e fora dos princípios religiosos ditados em seu país, pois frequentemente esquece por distração das convenções. Ao entrar num concurso sobre Alá para obter o prêmio máximo em dinheiro, terá nova decepção e outro golpe na sua infância lhe será aplicado.

Até a legítima causa da Palestina soará contraditória, embora nem tenha noção da absurda decisão da diretora da escola. A liberalidade da menina não é vista com bons olhos pela cúpula diretiva e haverá de certa forma retaliações futuras. Porém tem a solidariedade e o ombro do seu amiguinho dócil e carismático. Na mesma posição desafiadora do sistema está a mãe de Wadjda (Reem Abdullah), ao enfrentar até as últimas consequências, na tentativa de conquistar o pai de sua filha, com a tênue esperança de se casar com ele. Sua luta é difícil, pois encontra vários obstáculos para ingressar no sistema patriarcal enraizado. Tanto a mãe como a filha sofrem muito com a rejeição à figura da mulher, mas há o toque sutil de Al- Mansour com seu olhar pelo ponto de vista feminino, sem partir para o confronto ou colocar uma dualidade de choque de ideias e posições naquela sociedade estereotipada.

Não dá para se exigir num primeiro momento uma posição cabal ou uma reivindicação mais aprofundada, tendo em vista as dificuldades para a realização da obra. Ainda assim, apesar da intolerância do regime, o filme atinge seus objetivos e mexe com o púbico, ao alertar para a dura realidade conservadora machista ali instalada. As mulheres são vistas como seres de uma subespécie, onde as rédeas do comando estão concentradas nas mãos dos homens, sem nenhuma abertura ou concessão, exceto nas denúncias esporádicas que surgem pelo cinema.

A cineasta é promissora e demonstra intimidade com a câmera e possibilita um elenco leve, deixando o filme fluir através da espontaneidade dos atores amadores infantis com desempenhos acima da média. Tanto o roteiro como própria estética simples de filmar com naturalidade, voltada essencialmente paras as coisas do cotidiano, são muito semelhantes aos consagrados diretores iranianos, tais como Abbas Kiarostami com Onde Fica a Casa de Meu Amigo? (1987), Jafar Panahi em O Balão Branco (1995) e O Círculo (2000) e Asghar Farhadi com A Separação (2011).

O Sonho de Wadjda é o início de uma proposta para romper a barreira da passividade feminina, diante do claro e inequívoco relato sobre as meninas criadas e educadas para o casamento imposto, sem se importar com seus sentimentos ou desejos de escolha. A missão é viver passivamente, sem contrariar jamais, sob a ameaça constante de estar infringindo o Alcorão e desagradando Alá. Um filme apreciável e surpreendente pela qualidade de um resultado emblemático e com autonomia pela busca da dignidade e da delicadeza das personagens femininas em seu conteúdo de protesto.

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