Exibido em 2011 no Festival de Cannes, O Abismo Prateado é outro longa-metragem do diretor cearense Karin
Aïnouz, que somente agora estreia no mercado nacional. Baseado na canção Olhos nos Olhos de Chico Buarque de
Holanda, que compôs e gravou em 1976. O cineasta tem como temas recorrentes a
perda e o abandono, como visto no bom e dinâmico Madame Satã (2001); no ótimo- talvez o melhor filme do cineasta- O Céu de Suely (2006); e em codireção
com Marcelo Gomes realizou o controvertido Viajo
Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009), num roteiro equivocado e uma técnica
de captar imagens com a câmera em movimento apresentando distorções de imagens,
como se desta forma fosse possível ser vanguarda. Ora, isso Glauber Rocha fez
há décadas bem melhor e eram outros tempos, dentro de um contexto em que a
ditadura militar imperava.
Novamente o alvo da trama é a criatura abandonada e sua
epopeia para encontrar o caminho de volta para a lucidez. Ou seja, colocar a
cabeça no lugar após o trauma violento do desprezo inexplicável com o
rompimento do vínculo do amor. Em Viajo
Porque Preciso, Volto Porque Te Amo tenta mostrar um geólogo, mas jamais a
imagem é perceptível e o personagem nunca é visto. Fica apenas sua voz, sem
diálogos e com uma história verossímil, há a inevitável saudade da família deixada
para trás, a falta da esposa amada, em Fortaleza. Mas em O Céu de Suely, Aïnouz
alcança seu apogeu e brilha com o drama familiar inerente à classe pobre
brasileira, onde a protagonista tenta rifar seu próprio corpo para conseguir
dinheiro suficiente e comprar passagens de ônibus, ir para bem longe de seu
domicílio para iniciar uma nova vida com seu filho menor. Algumas realidades são
mostradas, como a falsa esperança com o êxodo rural, trabalhos ilegais como
formas de vida (pirataria e prostituição), gravidez precoce. Há um olhar
feminista, de uma sonhadora que sofre com as consequências do machismo
exacerbado de uma sociedade contemporânea.
Em O Abismo Prateado
há outra perda e outra busca da realidade pela protagonista Violeta (Alessandra
Negrini- está bem no papel e sua atuação merece elogios), uma dentista de 40
anos, que vive com seu marido (Otto Júnior), tem um filho adolescente com sua
namoradinha, leva uma vida num cotidiano pacato. Sai do consultório e vai para
academia, após volta para seu belo e recém-inaugurado apartamento em Copacabana,
transa com o amado, não há cobranças ou reclamações de parte a parte. Tudo parecia
ir muito bem, até que leva um desconcertante fora por uma fatídica mensagem no
celular. Sem explicações maiores, exceto que não há mais amor entre os dois e
que o marido foi embora para Porto Alegre.
O filme traz para deflexão a calmaria de sua vida que se foi
embora com seu amor, onde a solidão mesclada com uma dor insuportável pela
ausência e pelo transtorno causado aos seus projetos pessoais modificam sua
rotina, dando causas e contrastes na vida profissional por extensão, após o
baque pessoal de uma estabilidade emocional arrebentada por um simples adeus
contido num aparelho. Toda uma vida perdida e sem esperança daqui para frente.
O diretor ao avançar no sofrimento de Violeta, exita em
alguns pontos, como na descoberta ocasional no banheiro da garotinha (Gabi
Pereira) e seu pai (Thiago Martins), oriundos do êxodo do Nordeste para uma
viagem itinerante pelo Brasil, tentando conquistar um lugar ao sol, porém sem
uma reflexão mais aprofundada sobre a causa. Ao dançar sozinha numa boate
carioca, está sem rumo e não sabe qual destino tomará. Há uma caminhada pelo
mar e as águas lambendo a areia docemente, quando a protagonista reflete sobre
seu futuro, vai até o aeroporto com seus novos e eventuais amigos e lá tenta decidir
sobre o que fazer, após uma longa caminhada pelos corredores vazios e desertos
da madrugada.
Um drama típico familiar menor na filmografia do cineasta, diante
de uma razoável profundidade, embora o roteiro tente convergir para uma
percepção de relação de coisas em comum com os lugares por onde passa a mulher desprezada.
Há a sugestão explícita da emoção clássica da desmotivação pela existência,
diante da sensação de vazio e isolamento, com a perda da referência familiar,
numa caminhada sem respostas, após uma experiência indesejada, sem perturbar ou
provocar o espectador.
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