quarta-feira, 29 de maio de 2013

Holy Motors

















Viagem Surrealista

O cineasta francês Leos Carax volta com todo vigor em seu novo e premiado longa Holy Motors, ganhador do prêmio da juventude no Festival de Cannes de 2012; e melhor filme estrangeiro, ator e fotografia no Festival Internacional de Chicago. O diretor é conhecido no mercado internacional pelos festejados Sangue Ruim (1986) e Os Amantes de Pont-Neuf (1991). Estava afastado da telas desde Pola X (1999), por isso chamado de bissexto, pelos seus longos intervalos entre uma obra e outra. Teve uma brilhante participação no longa Tokio (2008), ao dirigir o segundo ato El Merde, uma soberba abordagem de uma criatura misteriosa e sensível que emerge dos esgotos em plena Capital japonesa, com suas unhas enormes e sujas, ao melhor estilo Zé do Caixão, com um olho furado e de aspecto horrendo, causa pânico na cidade, derrubando edifícios com centenas de mortes, em referência quase que explícita ao 11 de setembro em Nova Iorque.

O rico banqueiro Oscar (Denis Lavant- impecável interpretação) sai de casa para vender ações na confortável limusine, logo passa por uma metamorfose kafkiana , virando uma mendiga esmoleira em plena Paris; entra num esgoto e aflora novamente a figura horrenda no cemitério ao abraçar a bela modelo (Eva Mendes), como a reedição de A Bela e a Fera. É a continuidade do grotesco e misterioso Senhor Merde ao personagem do longa Tókio, no drama de Carax. Surpreende no epílogo o seu encontro com a amada (Kylie Minogue), uma grande revelação em sua vida conturbada.

Um filme incompreendido por muitos por mostrar as diferentes encarnações do protagonista num único dia, desde a saída de sua residência como um bem-sucedido homem de negócios, incorpora um serial killer, transita como um pai de família carinhoso, ou uma mendiga abjeta, passando por uma criatura monstruosa. Dá a nítida sensação de estar sempre interpretando um personagem, sob os olhos atentos da motorista (Edith Scob) dirigindo o flamante automóvel blindado pelos arredores da Cidade Luz.

Um drama com uma estética criativa que mexe com o espectador e sua comodidade de assistente. Será que estaria desatento e algo se perdeu no roteiro ou é apenas um jogo de cena fantástico, ao melhor estilo surrealista de David Linch, onde a fusão temporal de Oscar com Merde estaria em busca de uma identidade, com a qual está perdido e sem rumo nas várias faces apresentadas, diante da desorientação atípica de sua própria lucidez? Uma pessoa fria quando vira um assassino dentro de uma grande ópera criada em seu imaginário, mas o amor e a ternura estão presentes naquela criatura indefinida e sem tempo para as coisas triviais da vida.

Uma retumbante reflexão sobre a solidão do ser humano transformado em máquina que precisa descansar e viver, como na brilhante metáfora dos diálogos magistrais entre as limusines cansadas de suas jornadas intermináveis. Carax usa o veículo como referência transformativa, como se fosse um camarim de um teatro, que lembra os efeitos de Cosmópolis (2012), do cineasta canadense David Cronenberg, onde a derrocada do Capitalismo é abordada através de um jovem bilionário egocêntrico todo poderoso no mercado das finanças, que se vê acima dos mortais, anda trancafiado numa limusine branca blindada, uma espécie de bunker, porém começa a mudar ao perceber o mundo desmoronando e sua sociedade aristocrática falindo com a bolha financeira.

Holy Motors é a busca de um objetivo como reflexão para o sentido da existência, onde Oscar não se encontra ao perder a identidade. A dor dos solitários está presente e a vida perde os encantos com a falta de sua essência. Embora seja abordado pela bizarrice, é para chocar mesmo e fazer com que aquele espectador que ficou até o fim da sessão, reflita. Não é um filme fácil, há enigmas a serem decifrados durante as frequentes e camaleônicas mudanças, tanto no protagonista, como no roteiro.

Um filme que instiga e perturba pela facilidade criativa do diretor em usar os recursos do cinema como magia para alcançar uma plateia exigente, mesclando ficção e realidade, deixa aflorar fantasias de um universo fabuloso, que vai da fábula à ficção científica, num experimento de aventuras em uma metalinguagem fascinante em várias vidas personificadas neste extraordinário drama, que se credencia a ser um dos dez melhores de 2013.

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