Ferrugem e Osso
Uma das grandes promessas do Festival Varilux deveria ser o
aguardado Ferrugem e Osso, premiado
com os Cesars do cinema francês de melhor ator, roteiro adaptado, trilha sonora
e edição. Concorreu ainda como melhor filme no Festival de Cannes ano passado e
venceu como melhor filme no Festival BFI de Londres. Um drama sobre segundas
oportunidades com bons argumentos de duas pessoas magoadas e destroçadas pelo
destino da vida que lhes aplicaram golpes baixos. Mas a superação e a amizade
estão presentes na ajuda mútua. A realização é de Jacques Audiard, o festejado
diretor de Nos Meus Lábios (2001), De Tanto Bater o Meu Coração Parou
(2005) e Um Profeta (2009).
A trama tem Alain (Matthias Schoenaerts- ator belga arrasa
no papel) que está desempregado e vive com o filho de apenas cinco anos, no
norte da França. É um ex-boxeador que faz bicos e vai morar na garagem da casa
da irmã Anna (Corinne Masiero)
em busca de ajuda e logo consegue empregar-se como segurança
de boate. Um dia, ao apartar uma confusão, ele conhece Stéphanie (Marion
Cotillard- muito contida, a bela já rendeu mais), uma linda treinadora de baleias.
Alain a leva em casa e deixa seu cartão, caso precise de algum serviço. Mas o
destino guarda surpresas e logo Stéphanie sofre um grave acidente, deixando-a
paraplégica, perdida e infeliz, situação esta que mudaria sua vida para sempre.
Os dois vivem uma história de amor
imprevisível sobre todas as dificuldades, físicas e morais. São pessoas
absolutamente diferentes que buscam um relacionamento redentor. Mas entre eles
está Louise (Céline Sallette), uma transa carnal sem vínculo, que aceita a
condição.
Há uma improbabilidade de relação entre a adestradora de
orcas, mulher sensível, delicada, frágil, que não tem nada ver com aquele
brutamonte que sabe mesmo é dar murros na cara de seus adversários, por ser um
praticante de lutas livres de ruas para ganhar dinheiro, auxilia um amigo em
escutas clandestinas para fiscalizar empregados de empresas e acaba
prejudicando a própria irmã, criando-se um clima insustentável de convivência
entre os dois. Ainda que o leão-de-chácara seja uma pessoa rude e áspera no
trato, o drama busca a aproximação com a domadora fragilizada, retratando a
solidariedade e a ajuda entre pares excluídos da sociedade. Um por problemas de
deficiência física e o outro por excesso e rigidez em seu físico avantajado,
mas com falta de melhores neurônios para solucionar problemas que fazem pensar.
Só sabe bater e arrebentar o semelhante na mínima dificuldade, embora tenha um
coração dócil, mas sobra até para o filho sensibilizado com o destino dos
cachorros.
Um longa de pessoas de mundos diferentes, mas que a
igualdade é possível e aproxima na desgraça, como demonstrou Eric Toledano e
Olivier Nakache na badalada comédia de costumes Intocáveis (2011), sobre uma inesperada amizade genuína entre um
milionário tetraplégico e um ex-assaltante, um imigrante do Senegal que busca
seu reingresso social na França dos brancos. Com um toque de humor cáustico na
busca pela igualdade entre duas pessoas opostas social e intelectualmente. Há a
violência física para colocar ordem na casa e na vizinhança, como numa leitura
motivacional de autoestima pela sabedoria da escola da vida mesclada com pitadas
de autoajuda.
Há semelhanças também com Amor é Tudo o que Você Precisa (2011), da dinamarquesa Susanne Bier,
que tinha méritos inegáveis ao abordar uma relação solidária de duas pessoas
opostas que se conhecem por acaso e que tornam-se amigas. Embora a reinclusão
social seja um dos temas, não há uma profundidade acentuada, além de uma lição
de vida, gratidão e superação, buscando-se a alegria de viver numa amizade
louca, cômica e faiscante, contrária aos dogmas normativos.
Ferrugem e Osso é
simples na sua estética, deixando as metáforas afastadas do enredo, indo direto
ao choque cultural entre as duas criaturas arruinadas por circunstâncias
alheias às suas vontades, numa interação de uma relação quase que sadia, beirando
uma solidariedade fraternal que causa o estreitamento e a aproximação para o amor
e o carinho. Um filme sem grandes rodeios ou simbologias das desgraças sociais
que tem um ótimo ator e uma encantadora trilha sonora para embalar o clímax.
Mas o grande acerto está nos efeitos visuais computadorizados para mostrar as
duas pernas amputadas abaixo dos joelhos, dando um realismo impressionante.
Audiard trata objetivamente do recomeço da vida e a coragem para continuar,
mesmo parecendo tarde demais neste drama que vai do razoável a bom.
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