domingo, 5 de maio de 2013

Festival Varilux Cinema Francês (Ferrugem e Osso)

















Ferrugem e Osso

Uma das grandes promessas do Festival Varilux deveria ser o aguardado Ferrugem e Osso, premiado com os Cesars do cinema francês de melhor ator, roteiro adaptado, trilha sonora e edição. Concorreu ainda como melhor filme no Festival de Cannes ano passado e venceu como melhor filme no Festival BFI de Londres. Um drama sobre segundas oportunidades com bons argumentos de duas pessoas magoadas e destroçadas pelo destino da vida que lhes aplicaram golpes baixos. Mas a superação e a amizade estão presentes na ajuda mútua. A realização é de Jacques Audiard, o festejado diretor de Nos Meus Lábios (2001), De Tanto Bater o Meu Coração Parou (2005) e Um Profeta (2009).

A trama tem Alain (Matthias Schoenaerts- ator belga arrasa no papel) que está desempregado e vive com o filho de apenas cinco anos, no norte da França. É um ex-boxeador que faz bicos e vai morar na garagem da casa da irmã Anna (Corinne Masiero)
em busca de ajuda e logo consegue empregar-se como segurança de boate. Um dia, ao apartar uma confusão, ele conhece Stéphanie (Marion Cotillard- muito contida, a bela já rendeu mais), uma linda treinadora de baleias. Alain a leva em casa e deixa seu cartão, caso precise de algum serviço. Mas o destino guarda surpresas e logo Stéphanie sofre um grave acidente, deixando-a paraplégica, perdida e infeliz, situação esta que mudaria sua vida para sempre. Os dois vivem uma história de amor imprevisível sobre todas as dificuldades, físicas e morais. São pessoas absolutamente diferentes que buscam um relacionamento redentor. Mas entre eles está Louise (Céline Sallette), uma transa carnal sem vínculo, que aceita a condição.

Há uma improbabilidade de relação entre a adestradora de orcas, mulher sensível, delicada, frágil, que não tem nada ver com aquele brutamonte que sabe mesmo é dar murros na cara de seus adversários, por ser um praticante de lutas livres de ruas para ganhar dinheiro, auxilia um amigo em escutas clandestinas para fiscalizar empregados de empresas e acaba prejudicando a própria irmã, criando-se um clima insustentável de convivência entre os dois. Ainda que o leão-de-chácara seja uma pessoa rude e áspera no trato, o drama busca a aproximação com a domadora fragilizada, retratando a solidariedade e a ajuda entre pares excluídos da sociedade. Um por problemas de deficiência física e o outro por excesso e rigidez em seu físico avantajado, mas com falta de melhores neurônios para solucionar problemas que fazem pensar. Só sabe bater e arrebentar o semelhante na mínima dificuldade, embora tenha um coração dócil, mas sobra até para o filho sensibilizado com o destino dos cachorros.

Um longa de pessoas de mundos diferentes, mas que a igualdade é possível e aproxima na desgraça, como demonstrou Eric Toledano e Olivier Nakache na badalada comédia de costumes Intocáveis (2011), sobre uma inesperada amizade genuína entre um milionário tetraplégico e um ex-assaltante, um imigrante do Senegal que busca seu reingresso social na França dos brancos. Com um toque de humor cáustico na busca pela igualdade entre duas pessoas opostas social e intelectualmente. Há a violência física para colocar ordem na casa e na vizinhança, como numa leitura motivacional de autoestima pela sabedoria da escola da vida mesclada com pitadas de autoajuda.

Há semelhanças também com Amor é Tudo o que Você Precisa (2011), da dinamarquesa Susanne Bier, que tinha méritos inegáveis ao abordar uma relação solidária de duas pessoas opostas que se conhecem por acaso e que tornam-se amigas. Embora a reinclusão social seja um dos temas, não há uma profundidade acentuada, além de uma lição de vida, gratidão e superação, buscando-se a alegria de viver numa amizade louca, cômica e faiscante, contrária aos dogmas normativos.

Ferrugem e Osso é simples na sua estética, deixando as metáforas afastadas do enredo, indo direto ao choque cultural entre as duas criaturas arruinadas por circunstâncias alheias às suas vontades, numa interação de uma relação quase que sadia, beirando uma solidariedade fraternal que causa o estreitamento e a aproximação para o amor e o carinho. Um filme sem grandes rodeios ou simbologias das desgraças sociais que tem um ótimo ator e uma encantadora trilha sonora para embalar o clímax. Mas o grande acerto está nos efeitos visuais computadorizados para mostrar as duas pernas amputadas abaixo dos joelhos, dando um realismo impressionante. Audiard trata objetivamente do recomeço da vida e a coragem para continuar, mesmo parecendo tarde demais neste drama que vai do razoável a bom.

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