Utopias Juvenis
O diretor Olivier Assayas mostrou toda sua competência no
extraordinário Horas de Verão (2008), retratando as relações familiares e as
transformações no século 20, com o início da globalização, abordou profundamente
o fim de uma era glamourizada, onde a cultura e a economia eram fatores sólidos
e essenciais da velha Europa e a França fazendo parte como um sustentáculo bem
consolidado. Depois realizou o épico de 5h30min Carlos (2010), enfocando a história da vida de Ilich Ramirez
Sanchez, de codinome "Carlos" o Chacal, tendo por ídolo
"Che" Guevara, com formação marxista, mostra-se um revolucionário que
defende a causa da Palestina, tendo como seu crepúsculo profissional justamente
a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, foi um dos terroristas mais
procurados no mundo por duas décadas, após diversos atos sanguinários.
Assayas se debruça neste seu último longa-metragem sobre os
reflexos e as consequências danosas e utópicas da juventude sonhadora do
pós-maio de 1968. Os anseios pela manutenção da integridade e do núcleo são
rapidamente derrotados por uma expressa vontade dos anos que sucederam aquela
efervescência e os desfazimentos dos sonhos por bens materiais que ainda afloram,
visando um futuro longe da cultura revolucionária almejada e dos valores plantados
num país em derrocada.
A trama tem um cenário sombrio em 1971, onde Gilles (Clément
Métayer- de atuação magistral) vive seu último ano no colégio e participa de um
movimento estudantil com seus amigos e personagens bem definidos como aqueles
jovens que querem modificar o mundo a qualquer preço. Seja incendiando carros,
enfrentando a polícia violenta de um sistema conservador, pronta para o revide
e a agressão com vítimas barbaramente espancadas. A busca da transformação pela
contracultura de espíritos que querem mudar uma sociedade conservadora são seus
objetivos imediatistas. Mesmo num tom poético, há a ruptura do vínculo com o
sistema.
É impossível não se comparar Depois de Maio com filmes anteriores, tendo em vista as enormes
semelhanças de conteúdo e proposta, como Os
Sonhadores (2003), de Bernardo Bertolucci, que mostra um rapaz em 1968 indo
estudar em Paris. Lá
ele conhece dois irmãos e os três logo se tornam amigos, dividindo experiências
e relacionamentos, enquanto Paris vive a turbulência da revolução estudantil.
Também comparável com Amantes Constantes
(2005), de Philippe Garrel, quando em 1969, um grupo de jovens se dedica ao
ópio depois de ter vivido os acontecimentos de 1968. Dentro do grupo nasce um louco
amor entre uma garota e um garoto que se conheceram durante a revolução.
O diretor filma com sutileza e sua crítica é áspera ao velho
sistema oligárquico, onde uma mentalidade arcaica está em extinção e impiedosamente
corroída. Mas há a desconstrução de jovens idealistas, embora utópicos em suas
angústias e tristezas de um tempo que ficou para trás, restando somente a
ilusão de um futuro a ser construído, partindo-se do marco zero, num país que
teria que rever seus valores. A corrosão é fulminante e os sonhos e devaneios
dão lugar para uma geração nova que surge com a missão de carregar algo que
está agonizando.
Depois de Maio é
um drama com méritos e tem uma boa essência de cinema irrefutável, diante da
onda de protesto do famoso maio de 1968 e a obstinação de um público jovem
querendo mudanças no mundo, como o questionando do aborto, a liberação e o uso
de drogas, principalmente uma revolução cultural iminente. Assayas dá ao filme
tons nitidamente autobiográficos quando tinha tenra idade e seu alter ego está
impecável como o protagonista Gilles e seus amores perdidos no tempo, mas há um
notório clima de déjà vu cansativo no
ar. A solidão dos personagens no epílogo e suas vidas em desencontro são boas referências
reflexivas com razoável instigamento do tema já bem recorrente advindo daquela
época.
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