Aconteceu em Saint-Tropez
Mais uma surpresa positiva do Festival Varilux de Cinema
Francês deste ano, num misto de comédia romântica com situações típicas de
costumes originou Aconteceu em Saint-Tropez,
dirigida pela veterana cineasta Danièle Thompson, que tem em sua filmografia entre
outros longas Fuso Horário do Amor
(2001) e Um Lugar na Plateia (2005). Tem um olhar amargo e ao mesmo tempo
doce sobre o microcosmo familiar, sem deixar de alfinetar com clareza e sem
subterfúgios as hipocrisias decorrentes das relações deterioradas pelo tempo.
A trama aborda os irmãos conflitados que se detestam, Roni
(Kad Merad) e Zef (Eric Elmosnino- de grande atuação em Gainsbourg- O Homem que Amavas as Mulheres (2010), de Joann Sfar), estão sempre
brigando e há uma discórdia permanente entre eles por causa do trabalho, disputa
de mulheres e visão de vida no futuro. Uma família de adeptos fervorosos da
religião judaica, exceto o irmão mais velho. O clima esquenta mesmo quando Roni
decide casar a sua filha no mesmo dia em que Zef enterraria sua esposa em Paris, morta repentinamente
em acidente de automóvel. O corpo acaba indo parar dentro da casa do pai da
noiva, diante de transtornos encontrados no translado de Nova Iorque para a
capital francesa.
A partir do eventos casamento e morte cria-se o estopim que
estava faltando e uma plêiade de acontecimentos caóticos vão minar
definitivamente os laços familiares, mas sempre tem um porém e fatos
inesperados geram uma história de amor, ou até mesmos duas, por que não? O
encontro inusitado da prima da noiva com o futuro marido desta, no dia da
viagem até Paris e os desdobramentos futuros irão pontilhar encontros e
desencontros de membros de uma família heterogênea.
A presença instigante de Giovana, mulher de Roni, no papel
de uma italiana aparentemente burra, é um dos pontos altos da comédia, com
tiradas maravilhosas em formato de pérolas, tais como: “quando ficar velha
quero ter Alzheimer, pois assim não perceberei que estou velha e feia”. Suas
entradas em cenas são divertidas e atira com perspicácia sua incontinência
verbal, embora passe pra o espectador ser uma mulher nada inteligente. A interpretação
é da bela e competente atriz italiana Monica Bellucci, com seus 48 anos bem escondidos,
mora no Rio de Janeiro há três meses e foi escolhida recentemente como a mulher
mais sexy do mundo pela revista Vanity Fair espanhola. Em sua trajetória já
atuou nos filmes Drácula de Bram Stoker
(1992), de Francis Ford Coppola, Malèna
(2001), de Giuseppe Tornatore e A Paixão
de Cristo (2004), de Mel Gibson.
Thompson retrata a história de uma família judaica, que o
destino fará que haja por linhas tortas, justamente no casamento da filha de
Roni, uma aproximação forçada pela morte da cunhada. É lá que os noivos se
casam por interesses mais funcionais do que por amor propriamente dito. Os
convidados estão no local para a grande comemoração marcada para o dia da
celebração e troca de alianças, embora dentro de casa ocorra um acompanhamento fúnebre
pela morta dentro de uma sala isolada da festança. Um fato kafkiano sugere a
diretora, liberando Roni para cantar suas canções prediletas e demonstrar toda
sua fragilidade de um Frank Sinatra frustrado. Aparece mais que os noivos e a festa
é toda dele, aquele homem rico e sem pudores éticos, envolvidos com negócios
escusos, vazio como ser humano, só pensa em badalações em iates e navios. Sua
filha não está muito distante do caráter duvidoso do pai, demonstra ser uma
patricinha com caprichos e o noivo está ali visceralmente por interesses
financeiros.
A cineasta faz o contraponto com o irmão mais novo Zef, sua
filha e o futuro genro. Todos tocam numa orquestra sinfônica e apresentam-se
para um público de bom gosto que aplaude entusiasticamente a valsa Danúbio Azul,
de Johann Strauss.
Mas há uma tendência deformadora em roubar os pares dos familiares, como da
prima fútil; bem como do próprio pai, a enfermeira que faz o velho patriarca
ter ânimo de viver, com disposição e muita lucidez e senso de humor magnífico,
embora paradoxalmente esteja esclerosado. Seu sonho é realizar seu aniversário
no Maximin’s em Paris, restaurante mítico frequentado por celebridades. Poupa
por dois anos e a festa é o marco de definições de casais perturbados pelas
frustrações e cinismos enrustidos. Busca a reconciliação dos filhos até o fim,
sempre apertando suas mãos e dando-lhes picolé de baunilha para um e de
pistache para o outro.
Aconteceu em
Saint-Tropez é uma comédia de profundas reflexões e com um resultado acima
da média das produções cômicas, onde a fotografia é primorosa num cenário de
Paris com a grande maioria das locações e Saint Tropez aparece menos. Deslumbra
com uma trilha sonora encantadora, com um roteiro instigante de situações novas
em cada cena, com toques recheados de um humor refinado por piadas inteligentes
e sacadas memoráveis, com sarcasmo, ironia e crítica corrosiva à pequena
burguesia que pensa apenas no luxo, pouco percebendo o vazio de suas vidas, num
encontro formal que esbarra nas vaidades, idiossincrasias, mentiras, traições e
revelações de lado a lado. Prevalece as aparências cínicas e fantasiosas do
evento comemorativo, apenas esboçando um quadro cênico de realismo deturpado
por normas religiosas ultrapassadas e sentimentos corrompidos.
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