Camille Claudel, 1915
Uma das surpresas positivas do Festival Varilux de Cinema
Francês de 2010 foi O Pecado de Hadewijch (2010),
dirigido pelo competente e promissor cineasta francês Bruno Dumont, retratando uma
jovem da classe alta que deseja ser freira e tem um envolvimento com dois
irmãos muçulmanos que moram na periferia de Paris. A moça é uma católica que
tem vocação, mas entra em conflito existencial ao descobrir outras religiões,
descobrindo a fé e os conceitos de devoção contrários ao catolicismo pragmático
que conhece e testa sua fervorosa e ardente obsessão, tendo como lema sua
obstinação pela igreja.
Dumont é tipicamente um diretor de ator e seu elenco é
basicamente de amadores deficientes mentais com diversos tipos de insanidades, ao surpreender novamente no Festival Varilux deste
ano, com o estupendo drama sobre a triste trajetória de vida da escultora que
empresta seu nome ao título Camille
Claudel, 1915, revela-se um estudioso da paixão mística, ao abordar com
grande sensibilidade o extremismo religioso, com um olhar crítico avassalador
sobre o Cristianismo, tendo no papel principal a artista que é internada aos 30
anos pelo intransigente irmão Paul (Jean-Luc Vincent- atuação sóbria), num
hospício do interior da França, sob a alegação de que a arte tira o equilíbrio
emocional do ser humano, razão pela qual foi tachada como louca por uma mulher criar
esculturas. No centro do longa-metragem está a devoção pelo catolicismo e a fé inabalável
do irmão fanatizado. Drumont não poupa a igreja católica e esmiuça seus dogmas conservadores,
pesados e radicais.
O cenário da trama é a bela cidade de Avignon, que fica na região
da Provence, no sul da França (a 230
km de Lyon), e é conhecida basicamente por já ter sido
residência de vários papas. Lá está o hospício dirigido por um médico veterano
na psiquiatria e que abriga Camille Claudel, tendo as freiras e algumas noviças
fazendo o trabalho dito terapêutico para recuperar pessoas disformes de aspectos
horrendos, com terríveis defeitos físicos e deficientes mentais notórios. Neste
lugar pavoroso, embora estivesse encravado numa paisagem bucólica e sedutora, foi
o verdadeiro inferno dantesco na vida da escultora, interpretado por Juliette
Binoche, que está no ápice de sua carreira de sucessos, constrói uma personagem
com vida em antológica atuação desta talentosa diva francesa, esbanjando como
sempre sua beleza, sensualidade e carisma. Foi vista recentemente no longa A Vida de Outra Mulher (2012), da
estreante Sylvie Testud; em Elles (2012),
de Malgorzata Szumowska e De Coração
Aberto (2012), dirigido pela cineasta francesa Marion Laine.
O drama difere em muito de Camille Claudel (1988), de Bruno Nuytten, que abordava diretamente o
relacionamento tortuoso de 15 anos com Rodin em 1885, quando a jovem aprendiz
do badalado escultor se transforma em sua amante, embora fosse o mesmo casado,
cai em desgraça com sociedade parisiense. Apesar de ter amigos influentes como
o compositor Claude Debussy, ao romper o romance, seu destino é a solidão e por
fim a internação pelo irmão no hospício em 1912.
O diretor em seu longa anterior O Pecado de Hadewijch focava uma católica que não aceitava uma noviça, sob o
pífio pretexto de que faltava humildade, fazendo com que a jovem se sentisse
arrogante e não merecedora de Deus. Em Camille
Claudel, 1915, a devoção e o seu amor ao propalado Deus pertence ao
irmão tresloucado, ao pregar uma igreja que sustenta como o ser maior clamando
pela humildade, razão pela qual interna a irmã por ter ela um propalado orgulho
do trabalho que lhe causa autossuficiência com ideias próprias e diagnosticada de esquizofrenia. Sua
insanidade é visível, mas a atribuída louca que está internada e sofreu visceralmente é Camille, até morrer aos 79 anos.
O filme flui por uma dramaticidade de forma autêntica e
demolidora sobre a igreja, basicamente numa época específica como a de 1915, em
plena 1ª. Guerra Mundial. Mostra a busca da redenção que vem com a bela cena do
vento, quando entra no manicômio na cena próxima do final. Outra cena comovente
é o diálogo forte com o médico e sua confissão de dor e perseguição do
ex-amante e também escultor famoso Auguste Rodin, que a destruiu com sua paixão
mentirosa e recheada de falsidades ao romper o romance aos 30 anos, teve obras
e ideias já materializadas virtualmente furtadas pelo grande e decepcionante
amor de sua vida, destruindo-a literalmente e induzindo o irmão em jogá-la naquele
lugar inóspito como um legítimo sepultamento de uma maldita jovem morta-viva,
cheia de alegrias e aspirações.
A reflexão é contundente sobre o catolicismo num mundo de
permanente busca, em que a religião reflete seus preconceitos, contradições e
radicalismo. Ou se fechando dentro dos muros como faz uma igreja retrógrada,
sendo espreitada pela presença marcante da fragilidade humana, através daqueles
seres alijados de um convívio social adequado com familiares. Sobra para todo
mundo na película, diante do olhar forte e a posição firme do diretor sobre as
aberrações religiosas ultrapassadas de proselitismos e epifanias, tanto pelo
fanatismo, como pelo radicalismo exacerbado, bem caracterizado por Dumont neste
magnífico filme sem trilha sonora para deixar mais impactante o clímax de
revolta e ultraje de uma artista excomungada pela família em conluio religioso.
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