sexta-feira, 3 de maio de 2013

Festival Varilux Cinema Francês (Camille Claudel, 1915)













Camille Claudel, 1915

Uma das surpresas positivas do Festival Varilux de Cinema Francês de 2010 foi O Pecado de Hadewijch (2010), dirigido pelo competente e promissor cineasta francês Bruno Dumont, retratando uma jovem da classe alta que deseja ser freira e tem um envolvimento com dois irmãos muçulmanos que moram na periferia de Paris. A moça é uma católica que tem vocação, mas entra em conflito existencial ao descobrir outras religiões, descobrindo a fé e os conceitos de devoção contrários ao catolicismo pragmático que conhece e testa sua fervorosa e ardente obsessão, tendo como lema sua obstinação pela igreja.

Dumont é tipicamente um diretor de ator e seu elenco é basicamente de amadores deficientes mentais com diversos tipos de insanidades, ao surpreender novamente no Festival Varilux deste ano, com o estupendo drama sobre a triste trajetória de vida da escultora que empresta seu nome ao título Camille Claudel, 1915, revela-se um estudioso da paixão mística, ao abordar com grande sensibilidade o extremismo religioso, com um olhar crítico avassalador sobre o Cristianismo, tendo no papel principal a artista que é internada aos 30 anos pelo intransigente irmão Paul (Jean-Luc Vincent- atuação sóbria), num hospício do interior da França, sob a alegação de que a arte tira o equilíbrio emocional do ser humano, razão pela qual foi tachada como louca por uma mulher criar esculturas. No centro do longa-metragem está a devoção pelo catolicismo e a fé inabalável do irmão fanatizado. Drumont não poupa a igreja católica e esmiuça seus dogmas conservadores, pesados e radicais.

O cenário da trama é a bela cidade de Avignon, que fica na região da Provence, no sul da França (a 230 km de Lyon), e é conhecida basicamente por já ter sido residência de vários papas. Lá está o hospício dirigido por um médico veterano na psiquiatria e que abriga Camille Claudel, tendo as freiras e algumas noviças fazendo o trabalho dito terapêutico para recuperar pessoas disformes de aspectos horrendos, com terríveis defeitos físicos e deficientes mentais notórios. Neste lugar pavoroso, embora estivesse encravado numa paisagem bucólica e sedutora, foi o verdadeiro inferno dantesco na vida da escultora, interpretado por Juliette Binoche, que está no ápice de sua carreira de sucessos, constrói uma personagem com vida em antológica atuação desta talentosa diva francesa, esbanjando como sempre sua beleza, sensualidade e carisma. Foi vista recentemente no longa A Vida de Outra Mulher (2012), da estreante Sylvie Testud; em Elles (2012), de Malgorzata Szumowska e De Coração Aberto (2012), dirigido pela cineasta francesa Marion Laine.

O drama difere em muito de Camille Claudel (1988), de Bruno Nuytten, que abordava diretamente o relacionamento tortuoso de 15 anos com Rodin em 1885, quando a jovem aprendiz do badalado escultor se transforma em sua amante, embora fosse o mesmo casado, cai em desgraça com sociedade parisiense. Apesar de ter amigos influentes como o compositor Claude Debussy, ao romper o romance, seu destino é a solidão e por fim a internação pelo irmão no hospício em 1912.

O diretor em seu longa anterior O Pecado de Hadewijch focava uma católica que não aceitava uma noviça, sob o pífio pretexto de que faltava humildade, fazendo com que a jovem se sentisse arrogante e não merecedora de Deus. Em Camille Claudel, 1915, a devoção e o seu amor ao propalado Deus pertence ao irmão tresloucado, ao pregar uma igreja que sustenta como o ser maior clamando pela humildade, razão pela qual interna a irmã por ter ela um propalado orgulho do trabalho que lhe causa autossuficiência com ideias próprias e diagnosticada de esquizofrenia. Sua insanidade é visível, mas a atribuída louca que está internada e sofreu visceralmente é Camille, até morrer aos 79 anos.

O filme flui por uma dramaticidade de forma autêntica e demolidora sobre a igreja, basicamente numa época específica como a de 1915, em plena 1ª. Guerra Mundial. Mostra a busca da redenção que vem com a bela cena do vento, quando entra no manicômio na cena próxima do final. Outra cena comovente é o diálogo forte com o médico e sua confissão de dor e perseguição do ex-amante e também escultor famoso Auguste Rodin, que a destruiu com sua paixão mentirosa e recheada de falsidades ao romper o romance aos 30 anos, teve obras e ideias já materializadas virtualmente furtadas pelo grande e decepcionante amor de sua vida, destruindo-a literalmente e induzindo o irmão em jogá-la naquele lugar inóspito como um legítimo sepultamento de uma maldita jovem morta-viva, cheia de alegrias e aspirações.

A reflexão é contundente sobre o catolicismo num mundo de permanente busca, em que a religião reflete seus preconceitos, contradições e radicalismo. Ou se fechando dentro dos muros como faz uma igreja retrógrada, sendo espreitada pela presença marcante da fragilidade humana, através daqueles seres alijados de um convívio social adequado com familiares. Sobra para todo mundo na película, diante do olhar forte e a posição firme do diretor sobre as aberrações religiosas ultrapassadas de proselitismos e epifanias, tanto pelo fanatismo, como pelo radicalismo exacerbado, bem caracterizado por Dumont neste magnífico filme sem trilha sonora para deixar mais impactante o clímax de revolta e ultraje de uma artista excomungada pela família em conluio religioso.

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