Segredos do Passado
A Hungria fazia
parte do Pacto de Varsóvia, uma aliança militar formada em 14 de maio de 1955 pelos países socialistas do Leste Europeu e pela União Soviética, que também ficaram conhecidos como
bloco socialista. Porém, as principais ações do Pacto foram dentro dos
países-membros para a repressão de revoltas internas. Em 1956, tropas reprimiram
manifestações populares na Hungria e Polônia, e em 1968, na Tchecoslováquia, na
chamada Primavera de Praga que pediam a descentralização parcial da economia e a democratização.
O cineasta húngaro István Szabó sofreu algumas restrições e acusações de cooperação com o regime,
mas superou tais intrigas e mostrou vigor em suas obras contestadoras ao regime
comunista. Seu país sofreu graves consequências por querer ter vida própria.
Szabó consagrou-se no cenário internacional com dois
excelentes dramas que renderam uma boa bilheteria: Mephisto (1981) e Coronel
Redl (1985). Seu penúltimo longa foi Adorável
Júlia (2004), mas sem a mesma repercussão. Nestes dois dramas do diretor húngaro, serviram como cenários a Alemanha
nazista em Mephisto,tendo como
protagonista um famoso ator alemão que tem sua carreira reconstituída,
deixando-se levar pelo charme da fama e do poder, para ser uma marionete do
regime; e a Austria com a Hungria em Coronel
Redl, onde um homem mascarado busca a ascensão num cenário de falsidade e o
leva a ser um mero personagem submisso.
Agora retorna ao mundo do cinema com se último longa Atrás da Porta, baseado no romance
homônimo publicado em 1987 por Magda Szabó, dando continuidade à sua trajetória
irrequieta, através de Emerenc (Helen Mirren- magnífica no papel), uma governanta
que traz um legado misterioso e recheado de incógnitas numa Hungria na metade
do século XX. São evidentes os traumas que deixaram efeitos devastadores num
povoado de pessoas assustadas e com medo do presente e do futuro, diante de um
passado com cicatrizes abertas e revelados num cenário metafórico de pouca luz
e extremamente sombrio. A esperança está constantemente conflitada e vai de
encontro com a morte, onde o pessimismo é uma marca austera e reveladora, com
características que sinalizam para uma dolorida realidade, quando a casa da
governanta é aberta abruptamente, deixando transparecer o lixo encontrado em
meio as revelações contadas à patroa soam como um estigma da maldade humana
ainda remanescente.
Os efeitos da 2ª. Guerra Mundial que deixaram uma Europa
destroçada ainda são sentidos e o temor com a esperança são alegorias de uma
realidade unificada como registros marcantes que jamais serão esquecidos ou
apagados da memória de uma geração frustrada. O filme retrata com bastante
lucidez a evidência do medo e da culpa, quando a escritora Magda (Martina
Godeck) ganha notoriedade pela premiação de seus romances publicados, faz uma
homenagem sincera à empregada idosa e enigmática, resultante da amizade
conquistada por um vínculo estabelecidos entre as duas mulheres. A emoção e a
quebra dos paradigmas sociais que revelam a verdadeira identidade e o passado
de Emerenc são retumbantes naquele lugar pequeno e acolhedor, embora assustador
pelas intempéries dos ventos enfurecidos anunciando maus agouros.
As suspeitas e desconfianças são bem enfocadas por Szabó, ao
trazer para reflexão horrores trágicos da perseguição aos judeus no passado.
Uma mulher vista com seus mistérios por se esconder, também como fazia os
perseguidos de Hitler, é acusada de matar o próprio gato; bem como sua
sensibilidade e amor aos animais só serão confessados à amiga que deposita
confiança irrestrita, bem como seu envolvimento com a ajuda voluntária aos
judeus vão se dissipando aos poucos, assim como as tormentas que alegoricamente
dão lugar ao sol, diante da fuga das nuvens e da trégua do mau tempo.
Um bom filme que faz menções ao nazismo durante a 2ª. Guerra
e a perseguição ao povo semita contrastando com a atitude humanística e
sensível de uma protagonista e seus objetos quebrados como demonstração
fervorosa de um valor menor às coisas materiais, fortificada pela amizade na
cena final, quando a tempestade cede e dá lugar à reconstrução como uma
simbiose de harmonia em confronto com o sentimento de revolta.
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