sexta-feira, 17 de maio de 2013

Atrás da Porta














Segredos do Passado

A Hungria fazia parte do Pacto de Varsóvia, uma aliança militar formada em 14 de maio de 1955 pelos países socialistas do Leste Europeu e pela União Soviética, que também ficaram conhecidos como bloco socialista. Porém, as principais ações do Pacto foram dentro dos países-membros para a repressão de revoltas internas. Em 1956, tropas reprimiram manifestações populares na Hungria e Polônia, e em 1968, na Tchecoslováquia, na chamada Primavera de Praga que pediam a  descentralização parcial da economia e a democratização. O cineasta húngaro István Szabó sofreu algumas restrições e acusações de cooperação com o regime, mas superou tais intrigas e mostrou vigor em suas obras contestadoras ao regime comunista. Seu país sofreu graves consequências por querer ter vida própria.

Szabó consagrou-se no cenário internacional com dois excelentes dramas que renderam uma boa bilheteria: Mephisto (1981) e Coronel Redl (1985). Seu penúltimo longa foi Adorável Júlia (2004), mas sem a mesma repercussão. Nestes dois dramas do diretor húngaro, serviram como cenários a Alemanha nazista em Mephisto,tendo como protagonista um famoso ator alemão que tem sua carreira reconstituída, deixando-se levar pelo charme da fama e do poder, para ser uma marionete do regime; e a Austria com a Hungria em Coronel Redl, onde um homem mascarado busca a ascensão num cenário de falsidade e o leva a ser um mero personagem submisso.

Agora retorna ao mundo do cinema com se último longa Atrás da Porta, baseado no romance homônimo publicado em 1987 por Magda Szabó, dando continuidade à sua trajetória irrequieta, através de Emerenc (Helen Mirren- magnífica no papel), uma governanta que traz um legado misterioso e recheado de incógnitas numa Hungria na metade do século XX. São evidentes os traumas que deixaram efeitos devastadores num povoado de pessoas assustadas e com medo do presente e do futuro, diante de um passado com cicatrizes abertas e revelados num cenário metafórico de pouca luz e extremamente sombrio. A esperança está constantemente conflitada e vai de encontro com a morte, onde o pessimismo é uma marca austera e reveladora, com características que sinalizam para uma dolorida realidade, quando a casa da governanta é aberta abruptamente, deixando transparecer o lixo encontrado em meio as revelações contadas à patroa soam como um estigma da maldade humana ainda remanescente.

Os efeitos da 2ª. Guerra Mundial que deixaram uma Europa destroçada ainda são sentidos e o temor com a esperança são alegorias de uma realidade unificada como registros marcantes que jamais serão esquecidos ou apagados da memória de uma geração frustrada. O filme retrata com bastante lucidez a evidência do medo e da culpa, quando a escritora Magda (Martina Godeck) ganha notoriedade pela premiação de seus romances publicados, faz uma homenagem sincera à empregada idosa e enigmática, resultante da amizade conquistada por um vínculo estabelecidos entre as duas mulheres. A emoção e a quebra dos paradigmas sociais que revelam a verdadeira identidade e o passado de Emerenc são retumbantes naquele lugar pequeno e acolhedor, embora assustador pelas intempéries dos ventos enfurecidos anunciando maus agouros.

As suspeitas e desconfianças são bem enfocadas por Szabó, ao trazer para reflexão horrores trágicos da perseguição aos judeus no passado. Uma mulher vista com seus mistérios por se esconder, também como fazia os perseguidos de Hitler, é acusada de matar o próprio gato; bem como sua sensibilidade e amor aos animais só serão confessados à amiga que deposita confiança irrestrita, bem como seu envolvimento com a ajuda voluntária aos judeus vão se dissipando aos poucos, assim como as tormentas que alegoricamente dão lugar ao sol, diante da fuga das nuvens e da trégua do mau tempo.

Um bom filme que faz menções ao nazismo durante a 2ª. Guerra e a perseguição ao povo semita contrastando com a atitude humanística e sensível de uma protagonista e seus objetos quebrados como demonstração fervorosa de um valor menor às coisas materiais, fortificada pela amizade na cena final, quando a tempestade cede e dá lugar à reconstrução como uma simbiose de harmonia em confronto com o sentimento de revolta.

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