segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Carol


Romance Proibido

Vem do independente cineasta e produtor cinematográfico norte-americano Todd Haynes o bonito e sensível drama familiar Carol, exibido pela primeira vez no Festival de Cannes. O roteirista Phyllis Nagy é o responsável pela livre adaptação do best-seller The Price of Salt, de 1952, da escritora Patrícia Highsmith, que na época assinou com o pseudônimo de Claire Morgan, diante da polêmica pelo tabu naqueles tempos sombrios sobre a literatura com a temática da homossexualidade feminina e a complexidade da moral e dos bons costumes. Também é a autora de outros dois livros transpostos para a telona: Pacto Sinistro (1950) e O Talentoso Ripley (1955).

Haynes é reconhecido pelo estilo perfeccionista ns suas realizações, especialmente na ambientação de seus filmes. Assim foi com Velvet Goldmine (1998), Longe do Paraíso (2002), em que retrata com ênfase as aparências falsas e o preconceito nos EUA dos anos de 1950, e Não Estou Lá (2007). Com cinco indicações ao Globo de Ouro e seis ao Oscar, Carol aborda o romance de costumes entre a jovem Therese Belivet (Rooney Mara- melhor atriz em Cannes por este papel) tem um emprego entediante na seção de brinquedos de uma loja em Manhattan, um namoradinho sem sal e uma vida pacata até conhecer a bela e elegante Carol Aird (Cate Blanchett- ótima interpretação, ao melhor estilo das divas do passado), uma cliente como qualquer outra que compra um presente de Natal para a filha. A química dos olhares e a sedução da loira misteriosa que esquece voluntariamente as luvas, vive um dilema com o divórcio conturbado pelo litígio com o marido (Kyle Chandler), um homem que representa uma falsa situação para os pais idosos, não aceita separar-se da mulher e usa a filha como um joguete, ameaçando a mulher com a guarda exclusiva e vigiada, em detrimento da compartilhada.

Uma relação dolorosa para a criança no cotidiano de um casamento em vias de extinção e que cada vez fica mais tumultuada a convivência no microcosmo familiar. Aumenta a tensão com a aproximação das duas mulheres envolvidas emocionalmente, acirra os ânimos ao extremo com o impedimento da filha passar o Natal na companhia da mãe, naquele instigante cenário romântico de neve intensa auxiliada pela bela trilha sonora de Carter Burwell. A viagem de carro para o Oeste soa como um grito de libertação para ambas, um corte das amarras do tabu e do preconceito enraizado numa sociedade aristocrática com suas futilidades inerentes numa Nova York dos anos 1950, inclusive por um judiciário conservador e machista em relação ao universo homossexual. A felicidade aparente de seus sorrisos e olhares reveladores esbarram num mundo heterossexual de ciúmes doentios e desilusões de um matrimônio fracassado. A personagem-título, ao se assumir publicamente, foi depauperada por um conceito residual estereotipado como absoluta e plena imoralidade no gesto autêntico da escolha ousada.

Carol é um filme sobre a difícil realidade de dois seres humanos que optaram por uma relação proibida na sociedade conservadora. A solução encontrada para dar guarida e prosseguimento ao idílio é a camuflagem dos encontros, sob pena de serem colocadas à margem das pessoas ditas como normais. Uma proteção da fúria dos moralistas pretensiosos em dominar os sentimentos de terceiros, alheios à liberdade de opção, como se fossem guardiões da ordem de um comportamento retrógrado. Um bom parâmetro é o sensível longa Flores Raras (2013), de Bruno Barreto, numa abordagem sobre uma relação homossexual conturbada no Rio de Janeiro, em 1956. O filme de Haynes é contido nas cenas de sexo, flutua pelos caminhos da sugestão e as carícias sutis das preliminares. Não tem o fervor do polêmico drama francês Azul é a Cor Mais Quente (2013), de Abdellatif Kechiche, que impactou com uma cena tórrida de sexo explícito num plano-sequência de intensidade e realismo em seis minutos, que causou furor e escandalizou os críticos e o púbico mais conservador em Cannes.

O realizador constrói uma atmosfera repleta de sutilezas, valorizando as imagens dos olhares e o toque delicado de uma ponta de dedo numa parte do corpo, transições que são elaboradas com requintes delicados do tempo que avança, sem a pressa do cotidiano para criar a expectativa para liberar as emoções contidas. Não há exageros apelativos do prazer para retratar a explosão ardente refreada. Cabe ressaltar que não se trata de uma obra sobre duas mulheres que transam o tempo todo, porque não é um filme panfletário gay, muito antes pelo contrário. Há uma boa construção psicológica das personagens pelo cineasta, que trata com imparcialidade as fragilidades das duas personagens como reveladoras descobertas com uma dose moderada de erotização, intercaladas por momentos marcantes de silêncios necessários para o desenvolvimento do enredo com o vínculo da união. Sem acenar com facilidades demagógicas para resolver problemas complexos, ou bradar na defesa de uma causa, deixa a força do magnetismo do amor ser mais forte do que tabus e preconceitos. Uma reflexão dos costumes e do moralismo religioso e familiar retratados com profundidade nos pequenos detalhes de uma grande paixão pela lente de um diretor com olhar de ternura e compreensão.

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