segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Horas de Verão

















Desagregação Familiar

O diretor Olivier Assayas mostra toda sua competência neste extraordinário Horas de Verão. O filme despertou curiosidade e foi um dos mais aclamados e frequentados na última Mostra de Cinema de São Paulo, em 2008. Com um elenco de primeira qualidade, esta película tem o mote na matriarca Hélène Berthier (Edith Scob) ao completar seus 75 anos na linda mansão rural. Por ser sobrinha e manter a guarda de requintada obra do grande pintor Paul Berthier, reúne a família- os três filhos e os netos- para uma espécie de inventário em vida dos quadros, móveis antigos e objetos valiosos do seu tio famoso, além da preocupação com o destino que será dado à sua residência.

Meses após, acontece o previsto, morre Hélène, a desagregação familiar começa a tomar vulto, numa metáfora sobre a perda dos valores éticos, morais e da identidade da França. A reunião inaugural festiva e alegre com a mãe, já revela uma tensa realidade contida nos planejamentos dos três irmãos, com seus propósitos e objetivos diferentes, pois estão dispersos pelo mundo, sem uma identidade mais emotiva e sequer coesa. O carinho e o afeto consanguíneo ficam distantes e sobrepõe clara e manifesta vontade de interesses próprios. Os anseios do irmão mais velho pela manutenção da integridade e do núcleo são rapidamente derrotados por uma expressa vontade dos outros dois pelo desfazimento dos bens materiais que ainda os cercam e o os mantêm reunidos, visando um futuro longe da cultura e dos valores da França. Seus méritos como essência de cinema são irrefutáveis.

Adrienne (a sempre bela e estonteante Juliette Binoche) é designer de moda nos EUA, planeja seu futuro com filhos e o marido em Nova York, tem como aliado seu irmão caçula Jérémie (Jérémie Renier), um própero empresário já radicado e com vínculos econômicos e sociais na China de um mercado de trabalho escravo e contestado. Nesse embate há o irmão mais velho Fréderic (Charles Berling), professor universitário e economista- o único a manter-se em Paris-que tenta conservar e manter a unicidade do núcleo familiar prestes a se deteriorar. Visivelmente contrariado, demonstra toda sua derrota pessoal, pois apesar da luta incessante em manter viva a memória dos Berthier e do velho casarão de reminiscências da infância e juventude, das reuniões e passatempos de férias da criançada, vê evaporar seus ideais de preservação.

Horas de Verão lembra o filme japonês de mesmo nome de Yasujiro Ozu, que trata das relações familiares e as transformações do Japão no século 20, com o início da globalização. Assayas aborda de forma profunda o fim de uma era glamourizada, onde a cultura e a economia eram fatores sólidos e essenciais da velha Europa e a França fazia parte como um sustentáculo bem consolidado. Hoje há a China, emergente na Ásia, como um poderoso país de uma economia quase que indestrutível. Contrapondo temos os EUA sempre eficaz e fortalecido também pela sua economia, mesmo que às vezes abalroada como recentemente pela bancarrota violenta do sistema bancário, segue em frente com luz própria. A corrosão é fulminante e os sonhos e devaneios dão lugar para uma geração nova que terá uma missão de carregar com tenacidade algo que está enfermo e pedindo socorro.

O diretor filma em longos planos, fazendo o espectador atingir o êxtase ao flutuar pelos intermináveis jardins floridos de uma época que deixa saudades. Sua crítica é sutil ao velho sistema oligárquico, onde uma riqueza exuberante como a abordada está em extinção. O longa termina com uma pálida luz de esperança nos olhos e desejos da neta que não mais verá uma era em ocaso, num cenário bonito mas que impiedosamente corroído pela desconstrução nesta obra-prima francesa filmada com dor, angústia e tristeza de um tempo que ficou para trás, restando somente a ilusão de uma arte construída num país que terá que rever seus valores.

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