quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Cavalo de Guerra
















Guerra e Amizade

O grande mote da trama usado por Steven Spielberg em Cavalo de Guerra é a profunda amizade, que desencadeia numa insuperável solidariedade entre o jovem Albert (Jeremy Irvine- boa atuação para um estreante) e o cavalo puro sangue Joey. Em decorrência é mostrado como pano de fundo as barbáries da I Guerra Mundial, onde Inglaterra e Alemanha se confrontam num duelo sangrento e belicoso, com duelos por terra entre soldados armados com pistolas, lanças, espadas, canhões e metralhadoras giratórias.

O longa-metragem é um drama de guerra mesclado com aventura, baseado no livro homônimo de Michael Morpurgo, publicado em 1982, tem um resultado bem satisfatório. Spielberg volta a abordar a guerra, como fizera em A Lista de Schindler (1993), em como conseguir salvar mais de mil judeus dos campos de concentração e O Resgate do Soldado Ryan (1998), ambientado durante a Batalha da Normandia na II Guerra Mundial, começando com o desembarque de soldados americanos na Praia de Omaha, no famoso Dia D, como parte da operação para libertar a França ocupada pelos alemães.

Agora em Cavalo de Guerra, os ingleses atacam os alemães de forma surpreendente, saindo os ingleses fulminantes das macegas para o enfrentamento com os rivais, num mar sanguinolento de lutas ferozes dos antagonistas. Ao avançar o filme, os confrontos e o entrincheiramento dos soldados, lembram em muito as cenas inesquecíveis e dolorosas do magnífico clássico Glória Feita de Sangue (1957), do mestre Stanley Kublick, onde os franceses nas trincheiras da I Guerra Mundial recusavam-se a continuar um ataque aparentemente impossível de se vencer.

Tanto no filme de Kublick como no de Spielberg há a presença opressora metafórica dos arames farpados prendendo o heroico animal equino, logo após sua ensandecida cavalgada, como símbolo da resistência da vida e a solidariedade. Porém, já há outras inspirações neste aspecto, como no longa O Corcel Negro (1979), de Carroll Ballard, onde um corajoso garotinho e um selvagem garanhão árabe, perdidos em uma ilha isolada, logo estão envolvidos numa grande amizade; bem como no longa Spirit- O Corcel Indomável (2002), de Kelly Asbury e Lorna Cook, conta a história da conquista do oeste americano, no século XVII, através de um cavalo selvagem que se apaixona por uma égua e faz amizade com um jovem índio lakota.

Spielberg mergulha na amizade e nos confrontos desta odisseia repleta de aventuras dentro da guerra, usando toda a magia do cinema com seus sons perfeitos, como nos trotes dos cavalos pelo chão e com uma trilha sonora impecável assinada pelo célebre John Willians. Há uma esplendorosa fotografia que torna emblemático o longa naquele céu alaranjado no epílogo, para mostrar a cena do reencontro radiante de felicidade, depois da venda de Joey pelo pai de Albert, sem oposição da mãe submissa, para a cavalaria inglesa, visando pagar as dívidas para não perder todas as terras, como no épico E o Vento Levou (1939), de Victor Fleming. A busca incessante do jovem pelo seu animal de estimação se notabiliza, logo após seu pai ter negociado por motivos econômicos, e por vezes fica em segundo plano. O diretor fica à vontade para mostrar a imbecilidade e seus paradoxos intrínsecos, como na magistral cena do encontro de soldados de lados opostos tentando salvar o animal do emaranhado de arames. Novamente a solidariedade se faz presente e surge um fio de esperança para a paz celebrada de forma definitiva pelo badalar dos sinos da igreja que promulga um basta para o infortúnio e a estupidez humana.

Resta o afeto e a amizade dos dois animais nem tão irracionais, diante da expressão singular no olhar através da câmera, bem como a inequívoca e sensível cena do reencontro entre o cavalo ferido e quase sacrificado com seu dono sem visão momentânea. Ou seja, uma eloquente metáfora da cegueira humana, quando novamente a imbecilidade se faz presente na execução iminente por parte dos ingleses, sob o pífio argumento do sacrifício benéfico. Mas os alemães também cultuam execuções, como dos dois soldadinhos desertores ingênuos e medrosos. Não há mocinhos de nenhum lado. Todos têm defeitos, matam e sentem medo da guerra com seu poder bélico ultrajante e arrebatador da desconstrução familiar. As mortes se sucedem sem escrúpulos, absurdas e abjetas, sem o menor sentido da existência civilizatória, neste muito bom filme antibelicista e sobre a eterna amizade, com a marca registrada do cineasta.

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