segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos
Casais em Crise
Woody Allen é um diretor que mesmo se reinventando, ou ainda seguindo sua trajetória de comédia de costumes ou comédia dramática, seu sarcasmo e sua ironia sempre estão presentes como marcas registradas de sua obra. Neste seu último longa lançado Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos é um bom filme, que não chega a encantar e nem decepcionar no seu todo.
Embora os últimos filmes de Allen ficassem bem aquém de sua capacidade imaginativa de um cinema voltado para as inquietações e neuroses do dia a dia, Vicki e Cristina em Barcelona (2008) decepcionou quase que totalmente, por ser insosso e sonolento; O Sonho de Cassandra (2007), um pouco melhor, com alguma graça e finesse; Scoop- O Grande Furo (2006) com certa dose de ironia, era muito irregular e sucumbiu. Nada se compara com Zelig (2003), uma de suas obras-primas, assim como outras grandes realizações foram Dirigindo no Escuro ( 2002), Trapaceiros (2000); os notáveis Ponto Final- Match Point (2005) e Tudo Pode dar Certo (2009). Entretanto, talvez o maior filme do velho mestre seja A Rosa Púrpura do Cairo (1985), naquela que se consagrou como cena antológica do cinema, a saída do herói da tela e indo ao encontro da garçonete que assiste pela quinta vez a película, para fugir do martírio de sua vida cotidiana na época da Grande Depressão dos EUA. Há um forte relacionamento afetivo com o personagem fictício. Realidade e ficção se misturam e a mocinha tristonha passa a ter uma nova perspectiva de vida. Insuperável pela magia e pela beleza plástica deste fabuloso filme.
Seus personagens muitas vezes são reescritos, às vezes com bons resultados e em outros apenas discretos. Mais uma vez Allen parte dos desajustes familiares, como do casal formado pela pintora frustrada que sonha em ter sua galeria, a Sally (Naomi Watts), braço direito do seu chefe, o charmoso e renomado marchand Greg (Antônio Banderas); tem no marido, o médico e escritor Roy (Josh Brolin), mas que vive com problemas de tempo para ela, pois seus dotes literários estão decadentes e seus livros são constantemente rejeitados pelos editores. Porém, vê na vizinha do sugestivo nome Dia (Freida Pinto), que é uma noiva indecisa sua válvula de escape e fuga do casamento em crise. Ao apreciá-la pela janela, o filme presta duas solenes homenagens: uma ao mestre Alfred Hitchcock, pela sua obra-prima Janela Indiscreta (1954); e a outra, ao recente filme de outro mestre, desta vez Manoel de Oliveira, pela belo longa Singularidades de uma Rapariga Loura (2009).
Mas há mais casais conflitados, como os pais de Sally, que estão em processo de separação, tendo no pai Alfie (Anthony Hopkins), que busca seus prazeres numa pseudo atriz fútil, mais para uma prostituta de luxo, Charmaine (Lucy Punch); já a mãe Helena (Gemma Jones) se apaixona por um viúvo, que busca na sessão espírita seus contatos com a falecida e a consequente permissão para se casar novamente. Helena é mística e faz consultas regulares e segue rigorosamente as orientações da vidente Cristal (Pauline Collins), que não passa de uma charlatã barata. Tem até dia para emprestar dinheiro para a filha, mas não gosta do espírito da viúva, que com seus toques na mesa custa para deixar livre seu pretendente, numa grande ironia do destino.
Os desajustes dos casais em crises conjugais e as descobertas durante o desenrolar da trama são as molas mestras condutoras, com uma boa dose de humor, leva com habilidade e desenvoltura esta comédia de costumes, naquele cenário meticulosamente arrumado com todos os cuidados inerentes, especialmente as cenas externas de carros antigos mas esportivos deslizando pela glamourosa Londres. São cenas bem conduzidas que levam ao encontro dos velhos personagens remasterizados de Allen, bem elaborados e modernizados no presente.
A ironia fina e o sarcasmo estão presentes, até mesmo na sessão espírita, nas consultas da charlatã, dando ao esoterismo uma cutucada com classe, bem como as conturbadas relações dos emergentes descasados, deixando transparecer com clareza a monotonia e o desgaste dos metais no casamento. Ainda que não chegue a ser uma preciosidade esta película de Allen, seu estilo e sua marca estão presentes, como a estrutura bem elaborada do longa se mantém na sua forma clássica, conduzindo para a construção psicológica dos personagens sofridos e transtornados pelos relacionamentos no ocaso, aparecendo as fraquezas interiores que vão desfilando uma a uma e se mostrando com clarividência ao espectadores.
Allen nunca negou sua influência pelo cineasta da alma Ingmar Bergman e até já fez tributos em alguns de seus filmes, novamente presta homenagem quando Sally e Greg vão assistir uma bela ópera, tal qual no magnífico Morangos Silvestres (1957). Allen tem por característica quase sempre mergulhar no interior humano na busca obsessiva das neuroses presentes em seus personagens, dando soluções nada pragmáticas. Outro fator encontrado com frequência contumaz é o seu peculiar pessimismo, com conotações devastadoras em algumas situações, redundando no vazio existencial do ser e sua indelével e notável busca do amor e em outras até a paixão fugaz, tendo inevitavelmente desdobramentos que vão se esvaindo e muitas vezes se perdem num infinito de obstinados fracassos nas relações.
Assistir Woody Allen sempre é maravilhoso, mesmo que Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos seja um filme menor na vasta filmografia deste genial diretor bergmaniano voltado para os acontecimentos do cotidiano, do amor, da paixão desenfreada, os fracassos do ser humano e o pessimismo com o mundo das pessoas amarguradas.
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