domingo, 27 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (Centro Histórico)



Centro Histórico

O longa-metragem coletivo Centro Histórico foi realizado para celebrar a capital da cultura em Portugal, no norte do país, a bela cidade de Guimarães, com direção de Manoel de Oliveira, Aki Kaurismaki, Pedro Costa e Victor Erice, dividem em quatro curtas um outro sucesso garantido na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo. Muitos relatos para serem contados por estes cineastas engajados com a arte no reduto português com suas peculiaridades locais do cotidiano para ser divulgado sem cerimônia e causar uma bela reflexão sobre a história com emoção e autenticidade.

Num painel de relatos estão dois curtas primorosos e outros dois bem aquém do aguardado. O primeiro e o terceiro são os melhores da produção coletiva, sendo que Kaurismaki faz uma abordagem interessante e muito crítica em O Tasqueiro, com a perda da clientela e como se vê numa das ruas de Guimarães. Há uma profunda desilusão amorosa e os fracassos se sucedem talvez por falta de imaginação do taberneiro para tentar manter seu espaço aberto, enfocados com o triste fado como sonoplastia e dando uma boa e correta dramaticidade no curta silencioso com uma linguagem em tom ficcional adequado.

O segundo ato tem Costa como responsável por O Lamento da Vida Jovem, possivelmente o mais fraco de todos, beirando a sonolência coletiva entre os espectadores, diante do estilo de filmar sem imaginação e exaustivo pela repetição da massificante cena do elevador fechado, através do delírio de um escravo sobre a revolução de Cabo Verde nos anos 70 e o soldado imaginário num diálogo risível. Arrasta-se e não engrena, perde-se uma boa chance de ser dado um recado eficiente e direto.

O terceiro curta Vidros Partidos vem com a assinatura de Erice, disparado o melhor de todos, em tom documental ao melhor estilo de Eduardo Coutinho de As Canções (2011) e Edifício Master (2002), com um painel de relatos contados pela boca de personagens que viveram uma situação no passado, são pessoas humildes que tiveram muitas dificuldades pelos obstáculos do dia a dia, sendo que destes há de tudo um pouco, numa galeria de depoimentos consistentes e emocionantes sob o ponto de vista humano e com força de um pensamento positivo de esperança para alguns e outros já desesperançados, com mágoas, tristezas e decepções.

É uma bela e comovente história sobre uma fábrica de tecidos fundada no século 19 que faliu em 2002, onde os operários mostram seus dedos cortados, com rostos cansados e olhos perdidos no tempo que passou. O epílogo do curta é comovedor com o gaiteiro tocando e a enorme foto da mesa com as pessoas tomando sopa num dia qualquer. Os rostos fotografados são aproximados lentamente em closes magníficos, sobressaindo-se os olhares reveladores com um impressionismo arrebatador de funcionários que criaram ilusões, outros tiveram frustrações e alguns falam sobre a imigração para a França e o retorno sempre aguardado. Um significativo mosaico pela riqueza do cotidiano de uma empresa que serviu para muitas vidas sobreviverem, causando desalento em outras, mas tudo com muito humanismo e a pergunta sobre qual o tempo foi melhor; passado ou presente? Para o ator carismático há uma rede on-line e a perda do emprego se deve muito ao avanço desenfreado da internet que teria retirado muitas vagas, uma das grandes responsáveis pela crise do desemprego.

O centenário Manoel Oliveira encerra com o curta Conquistador Conquistado, mas decepciona na abordagem crítica sobre os turistas e suas máquinas fotográficas, pelos usos abusivos e desproporcionais, dando pouca importância para os museus e monumentos, entre eles uma estátua e seu olhar de desaprovação. É um típico documentário simplista do genial cineasta, porém desta vez pouco inspirado.

Centro Histórico é um razoável filme coletivo, com uma linda fotografia primorosa, diante de alguns méritos inegáveis como os curtas de Aki Kaurismaki e Victor Erice, em suas abordagens certeiras sobre um Portugal mergulhado numa imensa crise financeira decorrente da situação instável na Europa. Ao mesmo tempo presta um belo tributo à capital da cultura Guimarães, relembrando um passado difícil e um presente de incertezas maiores ainda sobre os tempos que não voltam mais.

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