domingo, 27 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (Wajma)















Wajma

Vem do Afeganistão em coprodução com a França, o surpreendente drama familiar Wajma, do diretor Barmak Akram em seu segundo longa-metragem, antes realizara Kabuli Kid (2008), foi bem recebido pelo público na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo, ao abordar a desonra numa família muçulmana com seus dogmas e tradições culturais, diante da gravidez inesperada da filha solteira que recém passara numa faculdade local, um fato até certo ponto evoluído pela licença concedida para estudar, o que não é muito normal para uma mulher em Cabul.

No sensível libelo feminino contra a opressão machista diante da posição da mulher num papel meramente secundário, sem nenhum poder de interferência ou tentativa de marcar posição na sociedade muçulmana dominada eminentemente pelos homens, Mustafa (Mustafa Habini) é um garçom descendente iraniano que seduz uma garota estudante, (Wajma Bahar), dá nome ao filme, que acabara de passar na faculdade para ingressar no curso de Direito. O relacionamento do casal é consciente dos terríveis riscos que correm da quebra dos tabus e regras sociais. Há um lirismo de romantismo entre os dois e tudo vai bem até a descoberta da gravidez e a recusa do rapaz em assumir a paternidade, alegando que ela não era mais virgem.

O clima de tensão está para explodir quando o pai (Hadji Gul), um homem rude e violento que trabalha desarmando minas no Norte do país, volta e aplica uma monumental surra de cinta na filha, esbofeteia a garota e a prende numa despensa da casa. Sobra para todo mundo, inclusive a mãe e o filho, um rapaz que gosta de ver os cachorros brigarem até morrer. Mustafa nega-se a se casar e refuta manter o namoro, mesmo sendo ameaçado de morte pelo possuído pai, que terá que optar entre a honra na família para manter a preservação como se fosse uma instituição, ou o amor da filha apesar do ocorrido.

A justiça é procurada preliminarmente antes de qualquer atitude, com o conselho do promotor para que não haja a vingança prometida, pois não há provas suficientes e nem flagrante do delito, ou seja, da relação sexual entre o acusado e a filha. Indica alternativas, sendo uma delas a reclusão da moça no interior para ganhar o filho e após doar. A mãe sugere o aborto num país vizinho, mas para isto terá que ser adquirido um passaporte no câmbio negro.

Numa linguagem simples e eficiente, mas com um poder de fogo potente, o cineasta reflete a condição feminina precária, sem voz e que vive de sonhos e ilusões, como a protagonista acusada como se fosse uma criminosa numa sociedade conservadora e com predominância de atitudes e decisões eminentemente dos homens. Passa fome e frio naquele cenário de nevasca permanente e o perigo das bombas e mísseis latejando como uma brutal realidade, tal qual a protagonista é humilhada e espancada como um animal. O filme está na mesma esteira de denúncia de O Sonho de Wadjda, de Haifaa Al- Mansour, onde a trama retratou a garota entrando num concurso sobre Alá para obter o prêmio máximo em dinheiro, tem nova decepção e outro golpe na sua infância, com o olhar feminino sem partir para o confronto ou colocar a dualidade de choque de ideias e posições naquela sociedade estereotipada.

Wajma é um bom drama sobre a cultura e a violência diante da desonra familiar pela gravidez, sendo o aborto mencionado sutilmente como proposta a ser discutida como um tabu para romper a barreira da passividade feminina. É um claro e inequívoco relato sobre a tragédia da mulher, sob a ameaça constante de estar infringindo as leis machistas nesta obra de resultado emblemático e com autonomia pela busca da dignidade e da delicadeza da protagonista contrastando com o embrutecimento doentio paternal num conteúdo de protesto.

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