Wajma
Vem do Afeganistão em coprodução com a França, o surpreendente
drama familiar Wajma, do diretor
Barmak Akram em seu segundo longa-metragem, antes realizara Kabuli Kid (2008), foi bem recebido pelo
público na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo, ao abordar a desonra numa
família muçulmana com seus dogmas e tradições culturais, diante da gravidez
inesperada da filha solteira que recém passara numa faculdade local, um fato
até certo ponto evoluído pela licença concedida para estudar, o que não é muito
normal para uma mulher em Cabul.
No sensível libelo feminino contra a opressão machista
diante da posição da mulher num papel meramente secundário, sem nenhum poder de
interferência ou tentativa de marcar posição na sociedade muçulmana dominada
eminentemente pelos homens, Mustafa (Mustafa Habini) é um garçom descendente iraniano
que seduz uma garota estudante, (Wajma Bahar), dá nome ao filme, que acabara de
passar na faculdade para ingressar no curso de Direito. O relacionamento do
casal é consciente dos terríveis riscos que correm da quebra dos tabus e regras
sociais. Há um lirismo de romantismo entre os dois e tudo vai bem até a
descoberta da gravidez e a recusa do rapaz em assumir a paternidade, alegando
que ela não era mais virgem.
O clima de tensão está para explodir quando o pai (Hadji
Gul), um homem rude e violento que trabalha desarmando minas no Norte do país,
volta e aplica uma monumental surra de cinta na filha, esbofeteia a garota e a
prende numa despensa da casa. Sobra para todo mundo, inclusive a mãe e o filho,
um rapaz que gosta de ver os cachorros brigarem até morrer. Mustafa nega-se a
se casar e refuta manter o namoro, mesmo sendo ameaçado de morte pelo possuído
pai, que terá que optar entre a honra na família para manter a preservação como
se fosse uma instituição, ou o amor da filha apesar do ocorrido.
A justiça é procurada preliminarmente antes de qualquer
atitude, com o conselho do promotor para que não haja a vingança prometida,
pois não há provas suficientes e nem flagrante do delito, ou seja, da relação
sexual entre o acusado e a filha. Indica alternativas, sendo uma delas a
reclusão da moça no interior para ganhar o filho e após doar. A mãe sugere o
aborto num país vizinho, mas para isto terá que ser adquirido um passaporte no
câmbio negro.
Numa linguagem simples e eficiente, mas com um poder de fogo
potente, o cineasta reflete a condição feminina precária, sem voz e que vive de
sonhos e ilusões, como a protagonista acusada como se fosse uma criminosa numa
sociedade conservadora e com predominância de atitudes e decisões eminentemente
dos homens. Passa fome e frio naquele cenário de nevasca permanente e o perigo
das bombas e mísseis latejando como uma brutal realidade, tal qual a
protagonista é humilhada e espancada como um animal. O filme está na mesma esteira de denúncia de O Sonho de Wadjda, de Haifaa Al-
Mansour, onde a trama retratou a garota entrando num concurso sobre Alá para
obter o prêmio máximo em dinheiro, tem nova decepção e outro golpe na sua
infância, com o olhar feminino sem partir para o confronto ou colocar a
dualidade de choque de ideias e posições naquela sociedade estereotipada.
Wajma é um bom
drama sobre a cultura e a violência diante da desonra familiar pela gravidez, sendo
o aborto mencionado sutilmente como proposta a ser discutida como um tabu para romper a barreira da passividade feminina. É um claro e inequívoco relato
sobre a tragédia da mulher, sob a ameaça constante de estar infringindo as leis
machistas nesta obra de resultado emblemático e com autonomia pela busca da
dignidade e da delicadeza da protagonista contrastando com o embrutecimento
doentio paternal num conteúdo de protesto.
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