sábado, 26 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (Cantos)















Cantos

Uma produção da Suíça, rodada clandestinamente em Cuba, é o documentário corajoso Cantos, do jovem cineasta estreante em longas Charlie Petersmann, presente na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo. Um filme realizado sem incentivo e sequer autorização do governo comunista, aborda pessoas que vivem como sombras e se distanciaram da ideologia pregada na Revolução liderada por Fidel Castro. Uma transformação num país em que os cubanos são cada vez mais vítimas de um sistema que tem duas classes: ricos e pobres.

O ponto de partida está centrado na sobrevivência do entrevistado com seu olhar para o mar em busca de uma solução. Um flerte com a ideologia dentro de uma situação inicial com toques poéticos e pessimistas no final, numa sociedade de uma economia em frangalhos e cada vez mais, todos se virando como podem. A ilegalidade campeia solta e o mercantilismo impera num mercado negro como uma dura realidade, parecendo ser até tolerado de certa forma.

Um relato sobre a hipocrisia do governo no faz de conta, realizado com extrema simplicidade, onde o diretor e o roteirista, produtor e fotógrafo, com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, como pregava o saudoso Glauber Rocha, instala-se em Havana por quatro meses, sem autorização para trabalhar e obtém dos moradores algumas imagens descritas com bastante detalhes sobre a crise e a situação caótica de Cuba.

Um retrato patético da miséria da classe baixa, com expressões marcadas por emoção e convencimento, como do homem com câncer que toma analgésicos para não sentir dor; da blogueira e seus problemas recorrentes com a internet precária e até os bloqueios frequentes; a venda de chocolate e peixes, um comércio proibido, mas que ninguém abre mão para ter um dinheirinho a mais; o homem que vê o mar e lembra dos refugiados vai buscar remédios no paralelo para levar ao doente. Uma crise decorrente dos sérios traumas de uma saúde deficiente para a classe menos favorecida.

São mencionadas as fugas com mortes no mar e as raras autorizações para alguns viverem na Europa, com licença governamental para os apadrinhados. Cantos é um filme sem grandes revelações, ou denúncias escabrosas. É de certa forma previsível e simplista nos depoimentos e nada do que é contado chega a ser novidade. É realizado num formato acadêmico estudantil com muita crueza e sem requinte ou uma melhor elaboração com pretensões maiores.

Eis um documentário com um objetivo claro de uma viagem de aventura, sem planejamento ou um roteiro elaborado previamente. Embora obtenha algumas situações peculiares dos habitantes, não empolga e deixa como registro os diversos relatos de uma população que carece de liberdade, democracia e dinheiro.

Debate em São Paulo

Após a exibição do filme, o diretor suíço Charlie Petersmann participou de um rápido bate-papo com o público. Durante a conversa, o cineasta falou que passou algum tempo para cativar os moradores e obter depoimentos livres, como vieram posteriormente ao se soltarem; fez sozinho o filme e usou uma câmera não profissional, pois não obteve licença do governo para filmar; se estabeleceu por quatro meses e percebeu as diferenças ouvidas como realidade na Europa para o sentimento de estar in loco; a visão crítica é fruto de sua estadia e a convivência com aquelas pessoas humildes de classe baixa escolhida não por opção, mas por ser a classe alta pertencente ao governo castrista.

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