Cantos
Uma produção da Suíça, rodada clandestinamente em Cuba, é o documentário
corajoso Cantos, do jovem cineasta
estreante em
longas Charlie Petersmann , presente na 37ª. Mostra de Cinema
de São Paulo. Um filme realizado sem incentivo e sequer autorização do governo comunista,
aborda pessoas que vivem como sombras e se distanciaram da ideologia pregada na
Revolução liderada por Fidel Castro. Uma transformação num país em que os
cubanos são cada vez mais vítimas de um sistema que tem duas classes: ricos e
pobres.
O ponto de partida está centrado na sobrevivência do
entrevistado com seu olhar para o mar em busca de uma solução. Um flerte com a
ideologia dentro de uma situação inicial com toques poéticos e pessimistas no final,
numa sociedade de uma economia em frangalhos e cada vez mais, todos se virando
como podem. A ilegalidade campeia solta e o mercantilismo impera num mercado
negro como uma dura realidade, parecendo ser até tolerado de certa forma.
Um relato sobre a hipocrisia do governo no faz de conta,
realizado com extrema simplicidade, onde o diretor e o roteirista, produtor e
fotógrafo, com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, como pregava o saudoso
Glauber Rocha, instala-se em Havana por quatro meses, sem autorização para
trabalhar e obtém dos moradores algumas imagens descritas com bastante detalhes
sobre a crise e a situação caótica de Cuba.
Um retrato patético da miséria da classe baixa, com
expressões marcadas por emoção e convencimento, como do homem com câncer que
toma analgésicos para não sentir dor; da blogueira e seus problemas recorrentes
com a internet precária e até os bloqueios frequentes; a venda de chocolate e
peixes, um comércio proibido, mas que ninguém abre mão para ter um dinheirinho
a mais; o homem que vê o mar e lembra dos refugiados vai buscar remédios no
paralelo para levar ao doente. Uma crise decorrente dos sérios traumas de uma
saúde deficiente para a classe menos favorecida.
São mencionadas as fugas com mortes no mar e as raras autorizações
para alguns viverem na Europa, com licença governamental para os apadrinhados. Cantos é um filme sem grandes
revelações, ou denúncias escabrosas. É de certa forma previsível e simplista nos
depoimentos e nada do que é contado chega a ser novidade. É realizado num
formato acadêmico estudantil com muita crueza e sem requinte ou uma melhor
elaboração com pretensões maiores.
Eis um documentário com um objetivo claro de uma viagem de
aventura, sem planejamento ou um roteiro elaborado previamente. Embora obtenha
algumas situações peculiares dos habitantes, não empolga e deixa como registro os
diversos relatos de uma população que carece de liberdade, democracia e
dinheiro.
Debate em São Paulo
Após a exibição do filme, o diretor suíço Charlie Petersmann
participou de um rápido bate-papo com o público. Durante a conversa, o cineasta
falou que passou algum tempo para cativar os moradores e obter depoimentos
livres, como vieram posteriormente ao se soltarem; fez sozinho o filme e usou
uma câmera não profissional, pois não obteve licença do governo para filmar; se
estabeleceu por quatro meses e percebeu as diferenças ouvidas como realidade na
Europa para o sentimento de estar in loco;
a visão crítica é fruto de sua estadia e a convivência com aquelas pessoas humildes
de classe baixa escolhida não por opção, mas por ser a classe alta pertencente
ao governo castrista.
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