A trajetória de um dos maiores mitos da política na América
do Sul entrecortada pelos jogos de poder com toda sua emblemática relação com o
povo argentino e a grande paixão por uma jovem atriz de rádio, eis os
principais ingredientes do roteiro que enfoca o romance de María Eva Duarte (Julieta Díaz), conhecida como Evita (1919-1952),
torna-se uma líder política e casa-se antes da eleição com o todo poderoso general
Juan Domingo Perón (Osmar Núñez) e assume a condição de primeira-dama no longa
de estreia de Paula Luque, que também assina o roteiro, Juan e Evita- Uma História de Amor, ganhador do prêmio de melhor
filme em Bogotá. A diretora é a mesma de um imbróglio recente em seu país sobre
a cinebiografia do ex-presidente Néstor Kirchner (1950-2010), que foi retirada
do cineasta uruguaio Adrián Caetano e passada para as suas mãos. Após a estreia
fracassada da versão oficial de Luque em 93 salas de cinema do país, em
novembro de 2012, a
versão oficiosa e inacabada do uruguaio vazou na internet no início deste mês,
houve comparações e muita polêmica.
O drama é ambientado em 1944, num período de 18 meses, após
um terremoto na cidade de San Juan, o coronel viúvo aproxima-se da bonita Eva,
dando início à famosa relação de amor abalada pela ditadura no país. A cineasta
retrata a história da vida daquela moça interiorana e o caminho meteórico que
ela percorreu na vida pública até falecer em apenas sete anos. Saiu do anonimato para se
tornar uma das mulheres mais importantes e poderosas do planeta, num mundo em
que desconhecia os meandros e falcatruas, mesmo com os mistérios e obscuridades
de sua trajetória ela foi marcante, uma celebridade pelo seu sucesso absoluto
pessoal e político da vida, para em seguida deparar-se com a morte prematura,
vira “santa Evita dos pobres” num processo de catarse coletiva pela
sacralização.
Embora a película não aprofunde o governo peronista, sem ter
um olhar mais crítico, fica evidente que Evita era uma figura chave de um
regime ancorado no paternalismo de um caudilho. A primeira-dama é apresentada
como resistente pela sua imagem personalista de pessoa forte, às vezes alheia e
logo superior e dona da situação conturbada que rodeava o casal. Perón
fraquejava como um grande estadista, mas tinha ao lado um esteio sobre o qual o
governo ora oscilava, ora ascendia. Ganha voz própria pela sua ambição de
pretensões sociais, como o assistencialismo aos pobres e o sistema de poder pela
sedução das massas, de uma coletividade. O regime está corrompido, mas
cambaleia e sustenta-se com muita fragilidade pela demagogia.
Um filme em que Perón é visto acumulando a vice-presidência,
secretário geral do Trabalho e Previdência Social e ainda ministro das Forças
Armadas, numa época turbulenta de crise entre os EUA e a Alemanha. A Argentina
mergulhada numa crise política sem precedentes. Luque enfatiza a aproximação e
a participação direta em decisões fundamentais de Evita no governo do
presidente militar Edelmiro Farrell, com um apoio parcial do exército, tendo a
marinha como oposição e dividindo o poder, levando Perón à iminente renúncia.
O longa é dividido em três episódios na vida do mitológico
casal: o amor, o ódio e a revolução, sendo que a prisão de Perón enraivece os
defensores do assistencialismo e faz eclodir uma greve patrocinada pelos
sindicatos simpatizantes. A bandeira do paternalismo é desfraldada e mexe com o
imaginário do povo que vai às ruas e o faz voltar nos braços da multidão
enlouquecida, como se vê em imagens por flashbacks da época, onde centenas de
milhares de pessoas tomam as ruas de Buenos Aires, a Praça de Maio em direção à Casa Rosada, diante do acordo de Farrell com o ex-vice para libertá-lo.
Juan e Evita- Uma
História de Amor conta a história do casal protagonista, com recheios políticos
suaves nos bastidores que bem poderiam render um filme mais realista e contundente
e não tão comprometido em ser simpático ao peronismo. Segue um roteiro didático
de boa dose equilibrada de dramaticidade, numa relação amorosa que deu tango,
tragédia e uma reverência incomum até hoje. Mas o filme para por aí, não
menciona e nem faz qualquer alusão ao período posterior de Isabelita Perón, que governou de 1974 a 1976, foi a última esposa do general desde 1961. É intencional, faz concessões para manter de certa forma imaculada
a imagem de Juan Domingo, sem um mergulho nas crises do governo. É induzida
uma reflexão de um homem bom e voltado para as dificuldades de seu povo, sem
arranhar a imagem construída neste drama político romanceado em plena era do
rádio, realizado de forma linear para agradar os argentinos, dá uma razoável contribuição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário