quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O Exercício do Caos



Pai e Filhas

O primeiro longa-metragem de ficção produzido no Maranhão tem na direção o estreante Frederico Machado, que também é responsável pelo roteiro, fotografia e produção. O Exercício do Caos teve um orçamento de R$110 mil pela Lume Filmes, da qual é fundador, ocupando apenas dez salas no país e faz parte da trilogia Trindade Dantesca, sendo que o segundo filme deverá estrear em 2014 com o título de O Signo das Tetas, em coprodução com Cuba. Machado é quase que um visionário, um desbravador que acredita na ideia da proposta de um cinema autoral puramente artesanal, distante das mega produções, abre um novo polo desta forma e contribui para outras realizações comprometidas com a arte e a cultura, ainda que o caminho seja árduo e espinhoso na sua trajetória.

A trama é contada em três atos sucessivos: O Exercício, O Limbo e O Caos, retratando em tom de suspense existencial mesclado com drama psicológico a história de um pai austero (Auro Juriciê) que vive em companhia de suas três filhas na fase da adolescência (Izabella, Thalyta e Thainá Souza- nenhuma é atriz profissional e são irmãs de fato) numa fazenda no interior do Maranhão. Trabalham na roça obstinadamente de dia para comerem à noite. Plantam, colhem e descascam mandioca para produzir farinha, que serve de alimento básico para a família e também como meio de produção para o sustento.

As garotas sofrem muito com o inusitado desaparecimento da mãe (Elza Gonçalves), supostamente raptada pelo caboclo de branco que surge ao entardecer na beira do rio, uma lenda recorrente na região, passada por gerações que divulgam o fato, inclusive o próprio pai, um homem humilde que se deixa envolver por insinuações maldosas do perigoso e tarado capataz (Di Ramalho) de olhos maliciosos voltados para as filhas ingênuas. Além das provocações de traição há as alegadas ameaças de cobrança do patrão das terras pela produtividade insuficiente.

O filme tem escassos diálogos permeados por um sufocante silêncio, diante de uma comunicação com o mundo apenas pelo rádio, numa época de discursos inflamados de Collor de Mello tentando chegar à presidência da República, através da sua retórica antes do escândalo do impeachment. Não há água potável, luz elétrica, televisão, celular e internet, num cenário de muita dificuldade pela sobrevivência e promessas políticas vazias contrastando com uma pobreza devastadora para os trabalhadores da terra. Há fragilidades de empregados decorrentes de um espertalhão mau-caráter que usa a figura paterna para explorá-la sem piedade. A mãe flutua na mata e surge na igrejinha como um fantasma que se liberta e ao mesmo tempo afaga as meninas do iminente perigo, diante da desintegração psicológica do marido em processo de loucura e perda da razão, vai se distanciando da lucidez pelo vício do álcool.

Os fragmentos são evidentes da destruição de um núcleo familiar, com uma trilha sonora adequada para dar a estrutura tensionada do lugar. Machado abre lacunas e impõe a atenção do espectador num drama com tintas marcantes sobre o medo, com imagens bonitas sendo cortadas em planos bem elaborados para uma proposta estética de metalinguagem inovadora, afastando-se do didatismo exagerado de algumas produções brasileiras como em O Tempo e o Vento (2012), de Jayme Monjardim e Colegas (2012), de Marcelo Galvão; aproxima-se em muito pela qualidade de um cenário tipicamente rural, longe da civilização urbana, com o longa pernambucano Na Quadrada das Águas Perdidas (2011), dos diretores estreantes Wagner Miranda e Marcos Carvalho; embora bem distante, traz o medo e a solidão como reflexão de O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho.

O Exercício do Caos deve ser saudado pelos méritos evidentes de uma produção de poucos recursos, embora não seja revolucionário ou um filme singular, deixa um resultado bem satisfatório, acima da média de grandes produções vazias e de propostas inócuas, considerando-se um elenco em que apenas os adultos já haviam pisado num teatro amador em São Luís e as jovens intérpretes nunca atuaram. Eis um filme sobre a forma de manter-se vivo, a solidão permanente e a perda da lucidez gradativa, através de uma violência psicológica sugerida pelo equilíbrio, porém instigante e reflexiva.

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