O primeiro longa-metragem de ficção produzido no Maranhão
tem na direção o estreante Frederico Machado, que também é responsável pelo
roteiro, fotografia e produção. O
Exercício do Caos teve um orçamento de R$110 mil pela Lume Filmes, da
qual é fundador, ocupando apenas
dez salas no país e faz parte da trilogia Trindade
Dantesca, sendo que o segundo filme deverá estrear em 2014 com o título de O Signo das Tetas, em coprodução com
Cuba. Machado é quase que um visionário, um desbravador que acredita na ideia da
proposta de um cinema autoral puramente artesanal, distante das mega produções,
abre um novo polo desta forma e contribui para outras realizações comprometidas
com a arte e a cultura, ainda que o caminho seja árduo e espinhoso na sua
trajetória.
A trama é contada em três atos sucessivos: O Exercício, O
Limbo e O Caos, retratando em tom de suspense existencial mesclado com drama
psicológico a história de um pai austero (Auro Juriciê) que vive em companhia
de suas três filhas na fase da adolescência (Izabella, Thalyta e Thainá Souza-
nenhuma é atriz profissional e são irmãs de fato) numa fazenda no interior do
Maranhão. Trabalham na roça obstinadamente de dia para comerem à noite.
Plantam, colhem e descascam mandioca para produzir farinha, que serve de
alimento básico para a família e também como meio de produção para o sustento.
As garotas sofrem muito com o inusitado desaparecimento da
mãe (Elza Gonçalves), supostamente raptada pelo caboclo de branco que surge ao
entardecer na beira do rio, uma lenda recorrente na região, passada por
gerações que divulgam o fato, inclusive o próprio pai, um homem humilde que se
deixa envolver por insinuações maldosas do perigoso e tarado capataz (Di
Ramalho) de olhos maliciosos voltados para as filhas ingênuas. Além das
provocações de traição há as alegadas ameaças de cobrança do patrão das terras
pela produtividade insuficiente.
O filme tem escassos diálogos permeados por um sufocante
silêncio, diante de uma comunicação com o mundo apenas pelo rádio, numa época
de discursos inflamados de Collor de Mello tentando chegar à presidência da
República, através da sua retórica antes do escândalo do impeachment. Não há
água potável, luz elétrica, televisão, celular e internet, num cenário de muita
dificuldade pela sobrevivência e promessas políticas vazias contrastando com
uma pobreza devastadora para os trabalhadores da terra. Há fragilidades de
empregados decorrentes de um espertalhão mau-caráter que usa a figura paterna
para explorá-la sem piedade. A mãe flutua na mata e surge na igrejinha como um
fantasma que se liberta e ao mesmo tempo afaga as meninas do iminente perigo,
diante da desintegração psicológica do marido em processo de loucura e perda da
razão, vai se distanciando da lucidez pelo vício do álcool.
Os fragmentos são evidentes da destruição de um núcleo
familiar, com uma trilha sonora adequada para dar a estrutura tensionada do
lugar. Machado abre lacunas e impõe a atenção do espectador num drama com
tintas marcantes sobre o medo, com imagens bonitas sendo cortadas em planos bem
elaborados para uma proposta estética de metalinguagem inovadora, afastando-se
do didatismo exagerado de algumas produções brasileiras como em O Tempo e o Vento (2012), de Jayme
Monjardim e Colegas (2012), de
Marcelo Galvão; aproxima-se em muito pela qualidade de um cenário tipicamente
rural, longe da civilização urbana, com o longa pernambucano Na Quadrada das Águas Perdidas (2011), dos
diretores estreantes Wagner Miranda e Marcos Carvalho; embora bem distante,
traz o medo e a solidão como reflexão de O
Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho.
O Exercício do Caos deve
ser saudado pelos méritos evidentes de uma produção de poucos recursos, embora
não seja revolucionário ou um filme singular, deixa um resultado bem
satisfatório, acima da média de grandes produções vazias e de propostas inócuas,
considerando-se um elenco em que apenas os adultos já haviam pisado num teatro
amador em São Luís e as jovens intérpretes nunca atuaram. Eis um filme sobre a
forma de manter-se vivo, a solidão permanente e a perda da lucidez gradativa,
através de uma violência psicológica sugerida pelo equilíbrio, porém instigante
e reflexiva.
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