
Filhos do Nazismo
Vem da Alemanha, em coprodução com a Austrália e Reino Unido,
Lore, segundo longa-metragem da australiana
Cate Shortland, responsável também pelo roteiro, ganhou 17 prêmios
internacionais: entre eles os festivais de Locarno, Hamburgo, Estocolmo e
Valladolid. Aborda magnificamente uma Alemanha pós-guerra na primavera de 1945 mergulhada
no nazismo ensandecido do Führer se esvaindo e as consequências danosas irremediavelmente
para os filhos dos colaboradores, simpatizantes e oficiais, como no caso do
casal fugitivo após a morte inesperada de seu mentor máximo Adolf Hitler.
O filme foi adaptado do livro The Dark Room, de Rachel Seiffert, sendo a protagonista que empresta o
nome ao título interpretada pela atriz estreante Saskia Rosendahl, em desempenho
impecável e convincente pela forma comedida. Seu pai (Hans-Jochen Wagner), um
oficial da polícia SS foge às pressas e logo é seguido pela mãe (Ursina Lardi),
desintegrando o núcleo da família. A jovem recebe instruções para levar seus
quatro irmãos mais novos, entre eles um bebê, ao encontro da casa da avó, uma fiel
e ferrenha defensora do Führer na distante Hamburgo. Tem que cruzar por dentro
da aterradora Floresta Negra, com o perigo de animais selvagens, enfrentar o
frio e a fome, além dos soldados das forças aliadas vencedoras espalhados pelo
seu interior, liderados pelos norte-americanos nada amigáveis, como se vê nas
imagens do comboio de caminhões.
O Terceiro Reich chegara ao fim e é demonstrado o abandono
dos pais aos próprios filhos, embora sem quebrar o vínculo com o nazismo
derrotado do exército alemão em colapso. A neta Lore reflete a situação e o
destino que terá que seguir inevitavelmente, pois sempre fora induzida a
escorraçar e odiar o povo semita, achando-os uns porcos imundos, mas sua
relação com o misterioso rapaz judeu Thomas (Kai Malina), diante de sua
solidariedade para atravessar os percalços da odisseia travada pela sobrevivência,
a faz repensar seu preconceito de ojeriza antissemita inoculada pela família
simpática ao regime alemão nefasto, ora derrotado. E ao quebrar os bibelôs de
barro que adornam a residência da avó engajada, há o rompimento dos paradigmas
preconceituosos raciais, na bela cena metafórica.
A diretora, que anteriormente realizou Somersault (2003), retrata um país falido e esmiúça com
profundidade as consequências trágicas que levaram ao transtorno psicológico da
protagonista e seus irmãos defenestrados por uma causa inverossímil. Um caminho
de extrema violência com rastros de mortes estúpidas, passando por estupros sugeridos
num clímax equilibrado e coerente, através de uma história com suavidade
contraditória pela barbárie. Há uma sutileza embrutecida por um panorama do holocausto que
deixou feridas abertas de difícil cicatrização, embora a sensibilidade da
realizadora para permear a selvageria intercalada por momentos líricos
doloridos faz desta película um manifesto contundente, sem se deixar cair no
maniqueísmo ou na mesmice de câmaras de gás esperando pessoas amontoadas
dentro de trens rumo à morte.
O drama retrata a escuridão que se encontra a protagonista e
o interior da sua alma atingido pela brutalidade de uma nação putrificada por
um insano no poder, que levou seus filhos para o caos e a humilhação passando
por gerações, na metáfora dos pais em relação à saga de Lore e seus irmãos,
como uma alegoria da Alemanha para seu povo numa dor de fracassados vistos por
anos e anos como uma raça tristemente afamada, fruto da ruína desencadeada por
Hitler e sua aversão contrária à permanência dos judeus no mundo, pregando o
extermínio em massa.
Lore não é uma
defesa intransigente de uma verdade absoluta, porque o drama aprofunda-se ao
ingressar com força no microcosmo familiar em decomposição, onde as vítimas são
todas aquelas que não fizeram ou não participaram diretamente da barbárie neste
fabuloso filme sobre a infância perdida e a alegoria de uma nação destruída
pela insensatez e arrogância dos gabinetes e quartéis, deixando como reflexão
maior a confiança no lugar do ódio pela luta da sobrevivência humana. São os
reflexos de uma guerra que faz o espectador ter uma visão menos dualista, ao
deixar fluir a equidistância da imparcialidade para elaborar uma posição mais
crítica e menos escassa da realidade. Eis um filme que se insere entre as
melhores produções de 2013.
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