terça-feira, 13 de novembro de 2012

E Agora, Aonde Vamos?

















A Força Feminina

Vem do Líbano, em coprodução com a França, Egito e Itália, de 2011, o segundo longa-metragem provocante de Nadine Labaki, onde também atua como a protagonista Amale, com sua beleza estonteante de grandes olhos verdes, cabelos negros compridos, lembrando Penélope Cruz. Já havia encantado com a comédia dramática Caramelo (2007), filme de estreia atrás das câmeras como uma diretora inteligente, sobre os problemas pessoais de cinco mulheres que tinham por referência seus trabalhos e encontros assíduos num salão de beleza, em um aconchegante bairro de Beirute, onde conversam francamente, sem preconceitos ou mentiras para um questionamento amargo, buscando o sentido do cotidiano da vida.

O tema sobre os conflitos pessoais das mulheres está de volta e em grande estilo no E Agora, Aonde Vamos?, vencedor do Prêmio do Público no Festival de Cinema de Toronto e representa o Líbano no Oscar de melhor filme estrangeiro. Centrado num contexto de um país devastado pelas constantes guerras como pano de fundo para a sua reconstrução, sob o abrigo do fanatismo religioso e os conflitos entre cristãos e muçulmanos que desencadeiam situações de beligerância frequente.

Recentemente foi visto o extraordinário filme Incêndios (2010), do canadense Denis Villeneuve, numa abordagem profunda sobre os dilemas, intolerâncias nefastas e devaneios das múltiplas guerras oriundas de divergências implacáveis, principalmente entre cristãos e muçulmanos, num cenário que indicava fosse o Líbano, pelas constantes desavenças entre os povos irmãos, porém divididos pela nem tão singela opção religiosa, onde se estabeleceu um conflito interminável que gerou uma guerra civil de 1975 a 1990, num derramamento de sangue desnecessário se houvesse bom senso, mas que diante de uma desavença exacerbada que resultou em mais uma tolice absurda naquela região conflitada.

Labaki também dá indícios de ser o cenário no Líbano, bem como Villeneuve em Incêndios, em ambas as tramas, as cenas são construídas meticulosamente, desde um início em que já se pressupõe que a violência está arraigada naquele lugar. No drama canadense há a estúpida execução pelos futuros cunhados do jovem ativista que engravidou a namorada e o filho que nasceu sob a égide do ódio e da barbárie, fruto de uma bestialidade descabida, numa ciranda de ódio que se transformou em vingança e uma dor que verterá e o possuirá por todo seu corpo e alma combalidos.

Já na comédia dramática da diretora libanesa, um grupo de mulheres cristãs e muçulmanas vive numa aldeia isolada e perigosa unem-se para pacificar os homens que estão se matando como bestas humanas disfarçados de idiotas guerreiros, mas que não levam a lugar nenhum. A sacada da cineasta é magistral, quando no filme as fogosas dançarinas ucranianas são recrutadas para acalmar os violentos machos imbecis. Para isto comem bolinhos caramelados com haxixe, deixando-os numa letargia de homens prostrados e bobalhões. Há ainda a instigante cena do prefeito tentando conciliar seus munícipes, com a prestimosa colaboração da esposa e os supostos milagres forjados na igreja da santa que chora sangue, como metáfora da morte da população daquele lugar.

Labaki inverte os papéis religiosos em outra cena reveladora, como uma tacada definitiva na trama, tudo para obter a almejada trégua na guerra entre irmãos do mesmo povo diferenciados somente pela incivilidade de uma causa religiosa fanatizada, numa sátira esplêndida do milagre e da união entre rivais pelo antagonismo oriundos de seitas e ramificações do islamismo de Alá com o Deus dos cristãos.

E Agora, Aonde Vamos? mostra a tragédia libanesa por uma forma mais leve, mas não menos cruel, assim como no longa anterior Caramelo os personagens flutuavam, neste há o conflito permanente, porém sempre mostrando a intolerância viciada dogmática como algo abjeto e inconsequente, mesmo que para isto a protagonista tenha seu romance truncado pelas diferenças religiosas, tornando-se proibido pelas contingências. Não é à toa que vê o sofrimento da mãe escondendo o cadáver do irmão dentro de um poço, morto por vingança, para evitar novos derramamentos de sangue, numa cena comovente e arrebatadora sob o ponto de vista da luta pela paz, pelo olhar feminino e a força eloquente da mulher, como características marcantes da diretora, nesta fabulosa comédia como um obra maior na sua temática, inscrevendo-se desde já como uma das 10 melhores realizações neste 2012.

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