sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Laurence Anyways
















Dolorosa Transformação

O diretor canadense Xavier Dolan, de apenas 23 nos, surge com seu terceiro longa-metragem Laurence Anyways, que esteve na 36ª Mostra de Cinema de São Paulo e na Mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes deste ano. Conquistou seu público com a extraordinária estreia confessional Eu Matei a Minha Mãe (2009), onde um rapaz de 17 anos com gosto kitsch, usa roupas bregas, aparenta não amar a mãe, embora sua relação edipiana seja visível, mas a contempla com desprezo. Os mecanismos de manipulação e a culpa utilizados por ela também não lhe passam despercebidos, tem um ódio fora do seu controle. Confuso, vaga por uma adolescência marginal e típica, repleta de descobertas artísticas, experiências ilícitas, amizades e se assume como homossexual. No segundo longa Os Amores Imaginários (2010) é um desastrado filme mais leve e engajado na causa gay. Ou seja, uma pequena apologia para tentar manter um relacionamento num típico ménage à trois, colocando no centro da proposta de um "homo", um "bi" e um "hétero", deixa a desejar como uma obra mais reflexiva, e talvez, devesse ser mais comprometida com uma análise e crítica mais aprofundada.

O terceiro drama de Dolan mostra os paradoxos da existência humana, onde Laurence (Melvil Poupaud) enfrenta situação delicada da troca de sexo com a noiva Fred (Suzanne Clément- merecido o prêmio de melhor atriz na Mostra Um Certo Olhar de Cannes). Eles vivem um grande e louco amor, completamente fora dos padrões, durante os anos 90 e a trajetória os acompanha por 10 anos. A felicidade aparente de seus sorrisos num mundo heterossexual esbarra na notícia do rapaz, de que pretende fazer uma cirurgia para trocar de sexo, numa guinada de rumo do filme já em seu início, numa convicção forte do personagem que quer virar mulher e logo começa a se vestir como se imagina.

O filme apresenta uma noiva companheira e disposta em ajudá-lo, depois de restabelecer-se do choque, comprando toda a indumentária feminina, inclusive uma peruca. Mas não vivem dias fáceis, como mostra a cena do restaurante, ao refletir o preconceito da velhinha com o modo de vestir-se efeminado do transformista. Fred explode de raiva, num misto de raiva e descontrole emocional pelas piadinhas e gracejos por onde anda, associada com a demissão do companheiro no trabalho aflorados pelo preconceito sexual notório. Corrobora ainda a mãe de Laurent (Nathalie Baye), que num primeiro momento tenta evitar o filho, abandonando-o em seus conflitos interiores que passam a conviver com os fantasmas que dilaceram sua alma. O pai doente é usado pela mãe em esfarrapadas desculpas pela rejeição sem dó e piedade.

O drama mostra a cena da violência estampada na agressão física no bar por um homofóbico, agressão verbal no restaurante que cala no fundo da alma com o paradoxal amor enlouquecido pela noiva. É inevitável os rumos diferentes tomados pelos protagonistas, mas na realidade nunca se afastam totalmente, pois o vínculo da união é mantido e do por que da metamorfose? Há uma realidade de idas e vindas, construção e rompimento do casal.

Uma película que reflete um misto de inconsciência e dúvida aparente surgidas na trama, mas a convicção pela transformação e seu desejo de ser mulher colidem frontalmente com a grande paixão de sua vida. Nem a aproximação com um casal que vive em condições semelhantes supre o dilema, pelo contrário aumenta mais a tensão. Fred desabafa e se diz heterossexual, causando mais confusão na cabeça do noivo, que fica dividido e no meio do caminho, pois não ama nenhum homem e sequer pensa em se relacionar com um deles, mas o conflito cresce por não desejar o afastamento de sua paixão feminina.

Laurence Anyways busca o paradoxal contraste como forma de análise, onde não há pretensão pela solução de um cineasta assumidamente gay, mas embora engajado numa causa. Não acena com facilidades demagógicas para problemas complexos como a força do desejo sendo mais forte do que manter os laços de união. Já a opção por planos-sequência longos com a câmera estática e com os personagens distantes como metáfora do afastamento da realidade social neste bom e perturbador drama de reflexão dos costumes e do moralismo abordados com razoável profundidade.

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