A Colônia
Entre tantas retrospectiva da 36ª. Mostra de Cinema de São
Paulo deste ano, está sendo apresentados diversos filmes na homenagem merecida
a Sergei Loznitsa, e entre eles o documentário humano, sensível e profundamente
abrangente A Colônia (2001).
A trama se passa em apenas um dia na vida de uma colônia de
doentes mentais na Rússia, onde pessoas com sérios problemas de coordenação motora
são enxotadas do convívio social e vão parar naquele bucólico lugarejo de
deficientes, com uma bela paisagem, aparentemente bem tranqüila e sonorizada
pelo canto dos pássaro, transmitindo a imagem de uma aldeia de seres puros e
felizes, onde pessoas vivem para trabalhar juntas e unidas, demonstrando uma
completa harmonia e com valores próprios inarredáveis.
O longa ao se desenvolver em seus 79 minutos deixa transparecer
a crescente e inexplicável sensação de um sentimento de ansiedade de seus
personagens, beirando com bastante eficácia a desesperança, como no bater com
raiva na madeira compactada até rachá-la, ou no andar lento dos personagens com
foices e ferramentas para catar o feno para os animais alimentarem-se. A Colônia é uma
fabulosa alegoria que coloca personagens doentes da própria sociedade russa,
uns ainda trajando uniformes em frangalhos do Exército de seu país, onde o
cenário retratado nada mais é do que uma comunidade em franca subserviência ao
regime comunista, que já dá sinais evidentes de decomposição. E sob os olhos
dos enfermos vê-se um país de pessoas que andam e se movem bovinamente, tais
quais os animais ali existentes.
A película está fortemente concentrada nas entrelinhas e
mostra uma aldeia quase que imersa numa tranquilidade falsa. Porém nada mais é
do que um engodo dos governantes para manter um sistema falido e em vias de extinção,
através de gestos e atos daquelas criaturas ditas humanas, porém extremamente
robotizadas como animais domesticados, simbolizados pelo touro que se move,
muge, mas aparenta ser cordato e não agressivo, distante de rebelar-se. O documentário enfoca tanto o animal como os doentes vivendo
seu dia a dia placidamente, esperando a morte chegar, sem se opor. Também o
feno é movido de um lugar para outro sem grandes mudanças geográficas ou que
ferisse as circunstâncias da aldeia. Tudo é feito no mais profundo silêncio,
onde os diálogos inexistem e dão lugar para um cenário em preto e branco,
através de uma fotografia bem caracterizada pela falta de cores e que
demonstram a tristeza e a desolação nos semblantes dos protagonistas.
O longa vai fundo e mostra o surgimento de um futuro
sinistro e sem ambições, de poucas esperanças, pelas lentes de Loznitsa, como
bem apanhado na estupenda cena final, onde os rostos sulcados pela marca do
tempo que passou são jogados na tela em closes. Este é um filme com harmonia numa estética simples, onde a
incomunicabilidade pode estar querendo se apresentar num primeiro momento, mas
logo a comunicação entre os personagens se faz presente e seus grunhidos são
perfeitamente perceptíveis como numa metalinguagem de dramaticidade sutil, mas
em que a abordagem foca na desesperança e no mais absoluto pessimismo neste agoniado
documentário alegórico nada alvissareiro para os seres humanos.
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