Tormentas que Perturbam
A eficiente diretora polonesa Malgorzata Szumowska é
conhecida por Happy Man (2000), O Desconhecido (2004) e 33 Scenes from Life (2008). Agora
encanta com seu poder de sutileza e brutalidade mesclados no bom drama Elles, abordando duas prostitutas que
concedem uma entrevista para uma jornalista da revista feminina Elle. Anne é
interpretada por Juliette Binoche, em mais uma grande atuação desta magnífica e
talentosa diva francesa, esbanjando como sempre sua beleza, sensualidade e
carisma. Foi vista recentemente no longa francês A Vida de Outra Mulher (2012), da estreante Sylvie Testud.
A trama é bem conduzida pela cineasta que mostra com vigor o
paralelo entre a jornalista em seu cotidiano com uma dupla jornada como mãe de
dois adolescentes, um marido distante (Louis-Do de Lenquesaing) num casamento
instável, em jornada laboral desabrocha como mulher de fantasias sexuais
reprimidas. É incumbida pela pauta para entrevistar duas garotas de programa,
logo busca em duas universitárias que vendem o corpo para sobreviver e pagar os
estudos. Ao se jogar na pauta encomendada para publicar a reportagem, procura
entrevistar não apenas duas prostitutas comuns, mas jovens aparentemente
diferentes e com problemas pessoais intrínsecos do ser humano, como a meiga e
doce Charlotte, nome de guerra Lola (Anais Demostier) e a polonesa Alicja (Joanna
Kulig) recém-chegada a Paris.
Elles é um drama
que não cai na caricatura fácil e nem no melodrama, pois Binoche atua com vida
e constrói um repórter sensível de carne e osso, sendo frágil e forte
paradoxalmente. Num primeiro momento busca a distância, sendo objetiva nas
perguntas de uma tarefa quase que ingrata pelo enormes preconceitos na
sociedade. Aparenta ser bem-casada e não demonstra quaisquer dificuldades
financeiras ou problemas amorosos, sequer de relacionamento com o núcleo
familiar, embora haja nos filhos sintomas de rebeldia e uma perda de vínculo,
deixando o afeto num segundo plano por contingência profissional.
O filme enfoca um tabu já derrubado há muito tempo no cinema
por grandes diretores, sobre a vergonha, o prazer, a humilhação e o sexo pago
sem fronteiras misturam-se num erotismo com cenas picantes, porém longe de
serem gratuitas. Sem fazer sensacionalismo como ocorreu no controvertido Último Tango em Paris (1972), de
Bernardo Bertolucci e no polêmico O
Império dos Sentidos (1976), de Nagisa Oshima, que incendiaram grandes
debates destas obras-primas, o longa deixa sua contribuição valiosa para o
tema. Szumowska cria uma trama para causar um verdadeiro furor de
turbulência na vida da jornalista, com o propósito de abordar com bastante
proficiência os dogmas da repressão, através de um enredo criativo onde há
cenas reveladoras como no jantar com o marido recebendo os convidados, Anne vê,
imaginariamente, sentados à mesa, aqueles homens infiéis em busca do prazer
remunerado de uma aventura. Ao abandonar o cerimonial, lança-se como uma pessoa
travada atrás da liberdade e da realização das fantasias sufocadas, busca como
numa forma mágica em desbloqueá-las numa parceria com o companheiro reprimido.
O drama nos remete para a turbulência passando suavemente,
após as arestas serem aparadas para o processo de restabelecimento da vida e o
seu reencontro familiar no café da manhã, na bela cena do epílogo. Outra cena
marcante é do abraço fraternal da repórter na prostituta, simbolizando o
retorno da garota para o seio da família como se fosse alegoricamente o afago naquela
mãe desconfiada das atitudes da filha em Paris, mas que busca a verdade mesmo
que venha doer.
Eis um filme longe de ser catalogado como moralista, mas
adequado como um tema que flui pela sinceridade de uma diretora, ao mostrar com
honestidade para os espectadores sua posição definida, abordando os personagens
de forma clara e vigorosos na construção, diante de uma proposta libertária e
até perigosa, para expulsar os fantasmas escondidos e viabilizar um universo de
iguais, através de uma linguagem sem artifícios rebuscados com piruetagens ou
invenções desmedidas, num belo drama que se impõe para quem gosta de um cinema
sem tabus, ao melhor estilo da velha escola francesa.
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