Resistência pela Liberdade
Além de uma análise importante, é bem contado o contestado
movimento musical homônimo no documentário Tropicália,
que revelou como lideranças Caetano Veloso e Gilberto Gil, a partir de 1967. O diretor
Marcelo Machado resgata uma fase cultural quase esquecida na história do
Brasil, onde fervilhavam os festivais de músicas populares, com predominância
os da TV Record, famosos por revelarem talentos numa época difícil na vida dos
brasileiros que viviam amordaçados pelo regime ditatorial implantado em 1964.
Em outubro de 1968, as garantias constitucionais foram cassadas com o
fechamento do Congresso Nacional, uma subtração escandalosa dos estado de
direito dos cidadãos, diante da edição do famigerado AI-5, um ato para calar
quem era contra o Regime Militar.
O longa mostra Caetano e Gil sendo exilados do país, com
destino involuntário de Londres, pois suas canções incomodavam, apesar de serem
muitos sutis ao usarem metáforas, como se depreende com músicas aparentemente
ingênuas, como a Baby, cantada por
Gal Costa, ao pronunciar “da margarina”, “da gasolina”, dentro de um contexto
de insatisfação. Caetano não era visto com muita simpatia ao cantar Alegria, Alegria, mencionando a
Coca-Cola, Brigite Bardot e bombas, embora sem maiores conotações políticas. Ou
ainda a magnífica “É proibido proibir”. O compositor em entrevista para uma TV
de Lisboa com seu companheiro Gil, entendia que o movimento deixara de existir
com o exílio. Há ainda uma passagem pelo Festival de Ilha Weight, na
Inglaterra, com a canção “Shoot me dead”, numa bela passagem cantando com o
escritor Antônio Bivar tocando violão.
O documentário que levou cinco anos para ser produzido, avalia os
efeitos do furacão e o impacto do Tropicalismo
na música como choque cultural nos brasileiros, causados por ídolos ainda em
atividade, como os próprios protagonistas, Gal Costa, Maria Bethânia e os
Mutantes de Rita Lee e Arnaldo Batista, fortemente influenciados pelos Beatles,
onde se realçava as roupas coloridas e diferentes das que ditavam a moda na
época. Havia uma resistência muito grande pela introdução da guitarra elétrica,
logo associada ao rock and roll dos
EUA e Inglaterra, inclusive com passeatas de movimentos contrários. Mas ao
mesmo tempo enfatiza o acerto da mescla deste instrumento elétrico com sons
pífaros do Nordeste.
O Tropicalismo tinha que derrubar enormes barreiras, pois era visto como um movimento regional
de cantores baianos não reconhecidos pelos grandes astros como o Rei Roberto
Carlos e Chico Buarque. Era uma ideologização pela busca de um novo movimento,
como aconteceu equivocadamente com a Tropicália,
conflitada por equívocos dos defensores intransigentes da MPB, Bossa Nova e a
Jovem Guarda. Havia uma grande efervescência musical contrapondo timidamente com
o ápice da ditadura militar e os tempos duros que não poupavam ninguém, mas os
festivais pululavam e incendiavam a juventude nas grandes noitadas na televisão
como uma histeria nacional, através de gritos, urros e vaias, para quem não
caía nas graças da plateia, dentro de um confronto de ideologias, arrebatando
audiências fantásticas no embalo musical, pois as novelas não tinham o poder de
persuasão e contundência dos dias de hoje, como bem retrata o excelente
documentário Uma Noite em 67 (2010),
de Renato Terra e Ricardo Calil.
Tropicália mostra
uma juventude bradando pelo antiamericanismo e o nacionalismo sendo o grito de
guerra em forma de protesto contra a ditadura. O inconformismo de uma geração
amordaçada estava por todos os lados. Os festivais eram como uma válvula de
escape, assim como foi a extraordinária manifestação de cem mil pessoas no
enterro do estudante secundarista Édson Luís, que morreu no Rio de Janeiro, em
março de 1968, assassinado pela Polícia Militar durante uma manifestação
estudantil no Restaurante Calabouço, no centro da cidade.
O longa mostra que os artistas musicais eram muito visados, como
também eram os cineastas como Glauber Rocha, idealizador do Cinema Novo e
simpático ao Tropicalismo, com
referência no Terra em Transe (1968),
ao retratar metaforicamente o país fictício Eldorado por um jornalista e poeta,
que oscila entre diversas forças políticas em luta pelo poder. Machado não deixa
dúvidas ao associar a música Tropicália de
Caetano, composta para uma peça teatral de José Celso Martinez, uma montagem
transgressora para “O rei da vela”, de Oswald de Andrade, sendo o artista
plástico Hélio Oiticica o autor do nome Tropicália,
título de uma instalação no Museu de Artes do Rio de Janeiro.
Um filme para todas as gerações, tendo como marco histórico
a música servindo de fresta para a libertação das amarras de uma juventude
anestesiada por uma tirania antidemocrática que assolou todos os brasileiros
naqueles anos, ficando na tela como reflexão mais aprofundada a evolução
musical do Tropicalismo, apesar da
confusão estabelecida contra suas ideias tidas como contraditórias, mostra o
realismo e a nitidez do retrato de tempos antagônicos culturalmente, com a
imposição de uma censura não só dos militares como dos próprios artistas de outras
matizes, que não entendiam o que estava acontecendo, mas que deixou raízes e
veio para ficar, abrir cabeças fechadas e vislumbrar novos horizontes neste
fabuloso Tropicália.
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