quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Intocáveis













Solidariedade Pragmática

Eric Toledano e Olivier Nakache adaptaram para o cinema uma história real de uma inesperada amizade genuína, entre um milionário tetraplégico e um ex-assaltante de uma joalheria, um imigrante do Senegal que busca seu reingresso social na França dos brancos. O filme Intocáveis tem um toque de humor cáustico na busca pela igualdade entre duas pessoas opostas social e intelectualmente.

A comédia retrata o aristocrata Phillippe Pozzo di Borgo (François Cluzet- de atuação sóbria), autor do livro O Segundo Suspiro, onde conta ter sofrido um acidente num parapente que lhe causa uma moléstia irreversível e o faz andar de cadeira de rodas, com uma vida beirando à vegetativa. É um homem culto e de bom gosto musical, ouve Vivaldi Johann Bach, Chopin. É rico e tem vários carros potentes de último tipo na garagem. Do outro lado está Driss (interpretado magistralmente pelo ator Omar Sy, sendo o primeiro negro a ganhar o César, o Oscar francês), um jovem negro espirituoso de porte atlético, de hábitos rudes e com passagem pela polícia por assalto, mora num pequeno apartamento com seu irmão, um rapaz com problemas de conduta e com atividades ilícitas. Às vezes chega a ser um brutamonte, usa da violência física para colocar ordem na casa e na vizinhança, mas tem uma índole bondosa, é romântico e sedutor, não pode ver um rabo de saia que se derrete e vai atrás. Driss tem uma alma iluminada pelo alto astral, pois nunca deixa a peteca cair, indo sempre ao encontro das belezas encantadoras da vida. É contratado pelo ricaço como cuidador-enfermeiro, logo o casamento torna-se perfeito com Phillippe, pois levanta o astral do patrão, como numa leitura motivacional de autoestima pela sabedoria da escola da vida mesclada com pitadas de autoajuda.

Intocáveis aborda um tema universal que é o reingresso na sociedade de um ex-apenado, tendo agravada a situação por ser um imigrante naturalizado, oriundo de um país africano e ex-colônia francesa. As piadas são razoáveis, às vezes beira a grosseria e rudeza, mas no contexto funciona como um elemento de descontração e bom humor. O filme é simples na sua estética, deixando as metáforas afastadas do enredo, indo direto ao ponto como o choque cultural, sem grandes rodeios ou simbologias das desgraças sociais.

Porém há uma clara intenção dos diretores de usar no roteiro alegoricamente as clássicas frases da Revolução Francesa, de 1789. A começar pela fraternidade, clara e expressa entre os protagonistas; a igualdade entre pessoas diferentes de classes sociais e culturais, sendo atraídas pela solidariedade de uma amizade pura; e finalmente a liberdade como símbolo da união entre aqueles dois seres distintos que saem para voar num parapente, como se fosse uma volta ao passado que vitimou o aristocrata, bem como andar em alta velocidade pelas ruas de uma perplexa Paris, diante do elo selado entre os dois amigos advindo de uma relação de trabalho inverossímil. Para o empregado há o complemento do vigor daquela fortaleza física, também sua humanidade e do modo extrovertido de levar a vida, curtindo suas benesses patrocinadas pelo seu chefe; já para o paraplégico existe a compensação retribuída pelo dinheiro, poder e a relação com a arte das pinturas de Goya e Dali e a ópera ofertada para Driss, numa interação complementar da relação sadia, bem como de sua solidariedade fraternal que causa o estreitamento e a aproximação para a atitude de amor e carinho, ao aproximar Phillippe de sua grande paixão platônica, através da grande qualidade do cuidador, que é o pragmatismo para tudo no cotidiano. Ensina que deve ser deixado de lado as frases requintadas e rebuscadas de efeitos vazios lançadas nas correspondências virtuais ou por cartinhas, onde o resultado é pífio.

O longa não tem a profundidade de um filme como O Porto (2011), do finlandês Aki Karismäki, que aborda o sofrimento e a ojeriza de uma casta que vira as costas, fruto da xenofobia racial, com um olhar de misericórdia e esperança, nem de Claire Denis no instigante Minha Terra, África (2009); ou do arrasador O Segredo do Grão (2007), do tunisiano Abdellatif Kechiche; ou ainda do contundente Cachê (2003), de Michael Haneke.

Eis um filme que recebeu nove prêmios César e é fenômeno de público e já alcançou mais de 20 milhões de espectadores na França, sendo a segunda maior bilheteria de todos os tempos em seu país, ficando atrás somente de A Riviera Não é Aqui (2010), de Dany Boon, que ultrapassou os 21 milhões. Há méritos inegáveis ao abordar uma relação solidária de duas pessoas opostas que se conhecem por acaso e que são amigas até hoje. Embora a reinclusão social seja um dos temas, não há uma profundidade acentuada, longe de um resultado reflexivo além do razoável como lição de vida, gratidão e superação, nesta obra que se afasta do politicamente correto e acena num mergulho superficial nas licenciosidades e extravagâncias para buscar-se a alegria de viver numa amizade louca, cômica e faiscante, tida pelos dogmas normativos como improvável.

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