Derrocada do
Capitalismo
O canadense David Cronenberg chega novamente ao cinema com
mais um filme experimental na sua longa carreira. É um diretor dinâmico em sua brilhante
trajetória cinematográfica. Realizou filmes de terror como A Mosca (1986), embora assustador, mas ao mesmo tempo extremamente
cativante e romântico; ou em Gêmeos-Mórbida Semelhança (1988), sobre irmãos
idênticos de temperamentos opostos; mas nos ótimos dramas Marcas da Violência (2005) e Senhores
do Crime (2007), busca um cinema voltado para a denúncia social, a
corrupção e o medo como temas mais palatáveis, embora realizados com bastante
crueza. Já em Um Método Perigoso (2011)
se aprofunda e vai ao encontro das mazelas e perturbações psíquicas e
neuróticas inerentes dos mortais e insatisfeitos seres humanos, num excelente
drama reflexivo da psicanálise e suas teorias divergentes de um cinema autoral.
Cosmópolis é um
retorno ao passado do diretor, quando dirigia filmes vanguardas, às vezes
beirando o grotesco como A Mosca. Porém
dá uma derrapada ao adaptar para as telas o livro homônimo do americano de Don
DeLillo, embora haja fidelidade nos diálogos, aborda na trama um jovem de ouro
bilionário e egocêntrico que detém o poder no mundo das finanças. Eric Packer
(Robert Pattinson) se vê acima dos mortais trancafiado dentro de sua limusine
branca blindada, uma espécie de bunker,
mas começa a mudar ao perceber seu universo desmoronando, sendo iminente o
esfacelamento falimentar de seu meio aristocrata, diante da bolha financeira que
acarreta prejuízos astronômicos pela desvalorização e o degringolar da moeda
yuan na China.
Os temas centrais do longa são o Capitalismo em derrocada e
os valores mundiais com o embate árduo entre o poder e a culpa. Há o
questionamento das bolsas despencando no mercado financeiro e a bancarrota se
instalando, que resulta em protestos de anticapitalistas ferrenhos pela
passagem nas ruas do presidente dos EUA, enquanto isso a limusine passeia pelas
ruas silenciosa, tentando levar o indiferente Packer ao barbeiro até o outro
lado da cidade, sofre avaria por pichamentos. É um obcecado por cortar o
cabelo quase que diariamente, momento raro quando deixa seu refúgio para uma
busca implícita da liberdade, sempre com um bom aparato de segurança para se
manter distante dos manifestantes.
Packer se mostra frio e insensível com o mundo que se
esboroa aos seus pés. Fazer sexo não tem emoção e matar torna-se um ato normal
para sua sobrevivência. A morte não lhe perturba, tanto faz viver ou morrer.
Ter um relacionamento profundo com vínculo lhe soa algo sem razão maior e
distante da emocionalidade. O mundo das finanças está explodindo, mas ainda ele
recebe visitas momentâneas no seu esconderijo fortificado, como a transa fugaz com
uma mulher (Juliette Binoche- desperdiçada em seu papel).
Cronenberg erra feio a mão, ao convidar para o papel
principal o ator Robert Pattinson, da saga Crepúsculo,
rodando dentro de seu veículo como se fosse uma instalação impenetrável, reflexo do poder desmesurado do Capitalismo
selvagem que se esvai, contestado freneticamente pelo cineasta através do
manifestante (Mathieu Amalric- também é desperdiçado numa aparição relâmpago). Num
elenco de primeira qualidade, tendo ainda no epílogo o eficiente e correto Paul
Giamatti, outro que foi pouco aproveitado, é incompreensível que ótimos atores
surjam em aparições meteóricas, para que o protagonista interpretado pelo
inexpressivo Pattinson esbanje sua péssima performance. Como ilustração, neste
ano em Cannes, em entrevista coletiva, ao falar sobre o convite de Cronenerg,
assim se manifestou: “sou um covarde e um
merda”.
O roteiro do
drama traz uma boa proposta, mas o diretor faz um mosaico que resulta numa indigesta salada de fruta, ao misturar
violência, capitalismo, fobia urbana, sociologia e uma filosofia barata, mesclados
numa crítica com ilações inverossímeis ao mundo virtual e cibernético desproporcional,
jogando fora um elenco de luxo para dar um aparato insustentável a um ator medíocre,
mais afeito a papéis como um vampiro esdrúxulo e inconsistente, distante do
personagem andrógino e robotizado que se imagina no contexto.
Cosmópolis não alcança uma abordagem eloquente e sequer
razoável para a incomunicabilidade do protagonista com o mundo real. Não chega
a aprofundar a relação do dinheiro para construir um universo imaginário e
claustrofóbico, onde o Capitalismo ingressa num processo de falência, mas explorado
de maneira rasa num filme sonolento, onde as ações de violência parecem
gratuitas e evasivas, sucumbindo uma magnífica obra, pelos sucessivos erros de
uma direção equivocada num paradoxal formalismo excessivo e experimental.
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