A Parte dos Anjos
Está de volta o festejado diretor inglês Ken Loach com seu
último longa A Parte dos Anjos,
vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes deste ano, e de boa
receptividade na 36ª. Mostra de Cinema de São Paulo. É um cineasta com o viés
para a defesa dos oprimidos, desvalidos e marginalizados da sociedade de
consumo capitalista. Assim foi em seus filmes anteriores Terra e Liberdade (1994); A
Canção de Carla (1996); o vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes
com Ventos da Liberdade (2006); e À Procura de Eric (2009), que abriu a
33ª. Mostra de São Paulo daquele ano.
Há uma mescla de comédia dramática com policial de crítica
social nesta trama que tem como protagonista Robbie (Paul Brannigan) em busca da
redenção e reinclusão na sociedade dos iguais de Glasgow, na Escócia. Sua
trajetória é marcada por furtos, roubos, arruaças e mostra-se uma pessoa
violenta com seus semelhantes, como visto na audiência com sua vítima. Ele e os
amigos escapam de uma punição severa, sendo substituída por trabalhos
comunitários, sob a vigilância de seu educador e responsável Henri, um
bonachão, boa praça e empenhado na regeneração do rapaz desajustado,
tornando-se seu mentor e conselheiro de todas as horas.
Surge um fato novo que poderia encaminhar Robbie para uma
vida decente: o nascimento do filho e seu amor pela mãe da criança. Ela é descendente
de um renomado e truculento empresário, por consequência, também está com os dias
contados por ali, pois o futuro sogro oferece-lhe dinheiro para deixar sua filha
em paz e sumir do mapa. Manda bater violentamente no genro rejeitado e
profetiza: “quem entra para este tipo de coisa, nunca mais sai”. Dói esta
afirmação, logo parte para o ataque, pois algo tem quer ser feito, custe o que
custar, raciocina e entra em ação o espírito aventureiro e descompromissado.
O fora da lei não se dá por vencido e logo descobre que tem
talento para degustador de destilados excepcionais e caríssimos no mercado
aristocrático de grandes colecionadores, após passar por algumas sessões em
destilarias diversas com seu amigo e mentor, sempre acompanhado da turma. Aparece
a grande chance em Edimburgo, a capital escocesa, ao participar de um seleto
leilão de um uísque considerado o melhor do mundo, que se encontra ainda num
raro barril de carvalho por anos a fio. Monta um plano mirabolante para ganhar
dinheiro fácil, sem fazer força, embora tenha jurado para a família que iria se
regenerar. Nem a profecia maldosa do sogro o fez voltar atrás.
Loach dá um empurrãozinho para seu protagonista ter um
promissor futuro, depois de várias surras, ameaças e erros crassos no
encaminhamento de vida. Fica a indagação: o crime compensa? Embora não
explicitado, parece que sim, com alguns rodeios, subterfúgios e derrapadas, a
vida segue. Paradoxalmente há uma clara alusão a babaquice norte-americana de
bons e espertos em tudo, entendidos das coisas mundo, quando há a alusão do
cidadão americano que leva um fragoroso golpe e é derrotado visceralmente, ao
cair no conto do leilão escocês.
Todos merecem uma nova chance é o que indica A Parte dos Anjos como
reflexão de um final politicamente incorreto dentro de um contexto do protagonista
que estaria sendo perseguido, sob a ótica do roteiro dúbio. Ou seja, ainda que “os
fins justifiquem os meios”, como ensinava Maquiavel, tudo pode acontecer e
justificar-se pelo coitadismo, até as cenas de escatologias escarradas e
nauseantes refletidas nos espectadores. Mas Loach tem crédito com seu público
fiel, e até pode ter passado batido em parte, nesta apenas razoável comédia que
está abaixo da média e não atinge méritos maiores, por decorrência da inegável
e conhecida obra do cineasta, razão pela qual se cobra muito mais, pois não se
compreende uma escorregada tão elevada.
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