A Bela que Dorme
O veterano Marco Bellocchio está de volta e em grande forma
com outro longa-metragem A Bela que Dorme
na 36ª. Mostra de São Paulo. Realizador de entre tantas obras
como Em Nome do Pai (1971), Bom Dia, Noite (2003), Irmãs Jamais (2011), e do estrondoso
sucesso de público e de crítica Vencer
(2010), exuberante ao contar de maneira simples e instigante o lado sombrio da
vida de Benito Mussolini, seu passado de rejeição ao filho e abandono total à
sua primeira mulher que contribuiu de forma decisiva para sua ascensão.
É seu último trabalho e aborda de forma multifacetada a
polêmica sobre a eutanásia e sua complexidade, numa alusão explícita ao
controvertido caso de Eluana Englaro, em 2009, na Itália, que teve desligados
os aparelhos pelo pai, depois de 17 anos de coma oriunda de um acidente de
carro, sendo possível somente com a autorização da justiça.
Bellocchio se debruça inicialmente na análise política,
colocando igreja e governo em confronto, deixando o senador Uliano Beffardi
(Toni Servillo) com a responsabilidade de uma decisão histórica na mão, pois se
votar pela aprovação da lei reivindicada pela sociedade, estará indo contra sua
própria consciência, tendo em vista problemas idênticos no passado com a
própria esposa. Bate de frente especialmente contra a linha de seu partido e
diretrizes traçadas pelo governo vigente sob o comando do demagogo primeiro-ministro Sílvio Berlusconi.
Ameaça renunciar para não ter que votar pela derrubada da lei atual contrária à
eutanásia, mas vacila e pensa no futuro, sob imensa pressão dos colegas do
parlamento com seus velhos truques regimentais antiéticos nas sessões plenárias.
O drama tem outros desdobramentos interessantes como o protesto
de Maria (Alba Rohrwacher), filha do parlamentar, uma integrante ferrenha do
movimento pró-vida que faz o maior barulho panfletário na porta da clínica em
Udine, onde está internada a enferma e pivô da situação. A garota apaixona-se
por Roberto (Michele Riondino) que vive como um guardião do irmão
maníaco-depressivo, opositores da garota e integrante de um movimento laico que
vai noutra linha de raciocínio, numa conduta totalmente favorável à eutanásia.
O filme é complexo e em outra ponta do imbróglio está uma
célebre atriz (Isabelle Huppert- sempre uma grande interpretação), que acredita
que ambas, Eluana e sua filha, ainda viverão e poderão acordar a qualquer
momento, fruto da fé fanática, pois acredita no milagre religioso da cura, por
isso luta desesperadamente para salvar sua filha que está em coma irreversível
há muitos anos e está como uma boneca na cama. Inclusive sacrificou sua relação
de mãe com o outro filho, no intuito de alcançar a graça divina, anulou-se como
profissional e deixou em segundo plano também o marido. Na relação das
histórias que se convergem, há ainda Rossa (a bela Maya Sansa) que quer se
suicidar a qualquer preço, pois entende que sua agonia contra as drogas, a qual
é totalmente dependente, tem que terminar. Entende que a morte a libertará, mas
o médico Pallido (Pier Giorgio Bellocchio-filho do cineasta) é radicalmente contrário ao desespero de sua paciente e se
deixa confinar no hospital em defesa da vida.
O longa tem uma montagem interessante, ao misturar imagens
de arquivos dos principais noticiários de telejornais de TV, entre elas algumas
entrevistas de Berlusconi, com encenações bem elaboradas do filme. Mas as
elipses são abruptas e cortam o clímax do enredo no prólogo, com cortes
desnecessários e sem um critério apropriado nas diferentes linhas narrativas, deixando
o espectador meio que perdido pela confusão de personagens que entram e saem a
esmo.
O tema por ser contraditório, faz Bellocchio não se
posicionar, deixando nas entrelinhas uma contrariedade implícita. Talvez por
não querer se incomodar com a igreja, deixa tudo meio que no ar, completamente
oposto a Mar Adentro (2004), de Alejandro Amenábar, que aborda de forma direta e
contundente um homem que luta para ter o direito de pôr fim à sua própria vida.
Lúcido e inteligente, luta na justiça pelo direito de decidir sobre seu destino,
o que lhe gera problemas com a igreja, a sociedade e até os familiares.
A Bela que Dorme tem
alguns problemas estruturais de continuidade numa montagem confusa, porém é uma
obra até certo ponto de alguma coragem, com um controle emocional sob medida.
Deixa em aberto a questão da eutanásia, se cabe ou não. É um tema polêmico que
vai amadurecendo lentamente e as respostas são as mais diversas. A igreja católica com seu poder é
contra, os políticos vão para aonde o vento soprar, bem ilustrado pelo psiquiatra à beira da piscina, enquanto isto fica uma
indagação sobre o sentido da vida vegetativa ou a morte.
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