terça-feira, 23 de outubro de 2012

Mostra de Cinema São Paulo (Tabu)






















Tabu

Surgiu um outro forte candidatíssimo ao melhor filme da 36ª. Mostra de Cinema de São Paulo deste ano, o extraordinário longa-metragem português Tabu, dirigido pelo já considerado jovem experiente diretor Miguel Gomes, de apenas 40 anos. Obteve os prêmios da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica e da inovação (Prêmio Alfred Bauer) no Festival Internacional de Berlim, em fevereiro de 2012. Tem na sua filmografia cinco curtas-metragens e outros dois longas elogiados, como A Cara que Mereces (2004) e a obra-prima Aquele Querido Mês de Agosto (2008), que gira em torno dos acasos e das situações genéricas e peculiares de uma região, com seus belos fados portugueses e suas idiossincrasias regionais, deixando-se levar pelos truques surpreendentes e absorver este filme lusitano de uma remodelada forma de fazer cinema, com sua tradição e os conflitos pessoais surgidos no enredo.

Ao se falar em cinema de Portugal, logo se pensa em Manoel Oliveira, o maior diretor da história daquele país. Porém, há outras cabeças pensantes e com grande imaginação cinematográfica, como por exemplo Miguel Gomes, antes de tudo um cineasta competente e autoral, de alto grau de criatividade estética. Em seu último filme tem como trama uma idosa temperamental, a empregada oriunda de Cabo Verde e uma vizinha dedicada para as causas solidárias e sociais. O cenário inicial é um andar de um prédio em Lisboa. Tão logo morre a senhora, as outras duas protagonistas passam a conhecer melhor o passado da misteriosa vizinha falecida e um episódio sobre uma história de um grande romance e um crime passional numa África repleta de aventuras e desavenças.

O longa é dividido em duas partes, sendo que a primeira segue uma linha de apresentação das personagens propriamente dita, onde a idosa dá sinais evidentes de bipolaridade e um discreto delírio persecutório, invocando rituais e feitiços teoricamente feitos pela empregada negra, o que se revelará na segunda parte todas as acusações alucinatórias, pelo passado que se remete para a África, onde morava no Monte Tabu. Era filha de uma família aristocrata, mas com problemas terríveis de relacionamentos e com suicídio de um membro familiar, uma moça mimada, paparicada e com gostos duvidosos, com a obsessão por crocodilos.

O filme é em preto e branco, o que dá uma beleza controvertida e cria um clima de tensão na segunda parte, com a narração firme na primeira pessoa do grande pivô do amor proibido e causador de estragos irremediáveis na aldeia, desencadeando uma guerrilha entre as raças ali existentes, onde os africanos estavam em maioria e aos poucos dão mostras do que querem e podem como fica caracterizado nas entrelinhas do drama. Gomes demonstra ser um artesão na captação de sons e as belas imagens da região das savanas com seus locais pitorescos e bucólicos. É bem ilustrado na cena da piscina rudimentar, onde o triângulo amoroso está prestes a eclodir numa desesperada saída pela fuga, embora as circunstâncias sejam todas desfavoráveis e contrárias a grande paixão proibida, já revela sua intenção metafórica da invasão de desconhecidos e predadores a um universo aparentemente calmo e inofensivo.

O diretor busca na banda sonora a sua essência para afastar os fantasmas que teimam em permanecer, demonstrando com clareza a refutação do indivíduo invasor nas canções, pois o som não é dependente da imagem, busca a pessoalidade e não o experimentalismo da suposta amizade entre rivais, embora haja e esteja implícita a renovação e o desagregamento familiar. A efetivação do grupo musical e suas meteóricas apresentações surgem como por acaso num inusitado triângulo das relações afetivas, assim como houvera no longa anterior Aquele Querido Mês de Agosto, onde havia um clima de dor e morte no ar entre um pai, sua filha e o primo da menina, integrantes de uma banda folclórica portuguesa. Gomes usa musicalidade para se comunicar e estabelecer um elo de relação e construção de personagens doloridos e vítimas do tempo e das paixões irrefreadas no mais absoluto formalismo estético.

Tabu é antes mais anda uma elaboração sequencial de planos com elipses perfeitas dos desatinos na busca da elucidação dos segredos do passado construídos pela grande decepção amorosa decorrente de uma retórica proibitiva em sintonia com as mazelas de uma aldeia africana, com sua pobreza e a luta para emancipar-se. Um filme fabuloso de personagens fortes em sua construção, embora fragilizados pelas circunstâncias que dão consistência para este imperdível drama traumático familiar.

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