Tabu
Surgiu um outro forte candidatíssimo ao melhor filme da 36ª.
Mostra de Cinema de São Paulo deste ano, o extraordinário longa-metragem português
Tabu, dirigido pelo já considerado
jovem experiente diretor Miguel Gomes, de apenas 40 anos. Obteve os prêmios da
Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica e da inovação (Prêmio
Alfred Bauer) no Festival Internacional de Berlim, em fevereiro de 2012. Tem na sua filmografia cinco
curtas-metragens e outros dois longas elogiados, como A Cara que Mereces (2004) e a obra-prima Aquele Querido Mês de Agosto (2008), que gira em torno dos acasos e
das situações genéricas e peculiares de uma região, com seus belos fados
portugueses e suas idiossincrasias regionais, deixando-se levar pelos truques
surpreendentes e absorver este filme lusitano de uma remodelada forma de fazer
cinema, com sua tradição e os conflitos pessoais surgidos no enredo.
Ao se falar em cinema de Portugal, logo se pensa em Manoel Oliveira , o
maior diretor da história daquele país. Porém, há outras cabeças pensantes e
com grande imaginação cinematográfica, como por exemplo Miguel Gomes, antes de
tudo um cineasta competente e autoral, de alto grau de criatividade estética. Em seu último filme tem como trama uma idosa temperamental,
a empregada oriunda de Cabo Verde e uma vizinha dedicada para as causas
solidárias e sociais. O cenário inicial é um andar de um prédio em Lisboa. Tão logo morre
a senhora, as outras duas protagonistas passam a conhecer melhor o passado da misteriosa
vizinha falecida e um episódio sobre uma história de um grande romance e um
crime passional numa África repleta de aventuras e desavenças.
O longa é dividido em duas partes, sendo que a primeira
segue uma linha de apresentação das personagens propriamente dita, onde a idosa
dá sinais evidentes de bipolaridade e um discreto delírio persecutório, invocando
rituais e feitiços teoricamente feitos pela empregada negra, o que se revelará
na segunda parte todas as acusações alucinatórias, pelo passado que se remete
para a África, onde morava no Monte Tabu. Era filha de uma família aristocrata,
mas com problemas terríveis de relacionamentos e com suicídio de um membro
familiar, uma moça mimada, paparicada e com gostos duvidosos, com a obsessão
por crocodilos.
O filme é em preto e branco, o que dá uma beleza
controvertida e cria um clima de tensão na segunda parte, com a narração firme
na primeira pessoa do grande pivô do amor proibido e causador de estragos
irremediáveis na aldeia, desencadeando uma guerrilha entre as raças ali
existentes, onde os africanos estavam em maioria e aos poucos dão mostras do que
querem e podem como fica caracterizado nas entrelinhas do drama. Gomes demonstra ser um artesão na captação de sons e as
belas imagens da região das savanas com seus locais pitorescos e bucólicos. É
bem ilustrado na cena da piscina rudimentar, onde o triângulo amoroso está
prestes a eclodir numa desesperada saída pela fuga, embora as circunstâncias sejam
todas desfavoráveis e contrárias a grande paixão proibida, já revela sua
intenção metafórica da invasão de desconhecidos e predadores a um universo aparentemente
calmo e inofensivo.
O diretor busca na banda sonora a sua essência para afastar
os fantasmas que teimam em permanecer, demonstrando com clareza a refutação do
indivíduo invasor nas canções, pois o som não é dependente da imagem, busca a
pessoalidade e não o experimentalismo da suposta amizade entre rivais, embora
haja e esteja implícita a renovação e o desagregamento familiar. A efetivação do grupo musical e suas meteóricas apresentações
surgem como por acaso num inusitado triângulo das relações afetivas, assim como
houvera no longa anterior Aquele Querido
Mês de Agosto, onde havia um clima de dor e morte no ar entre um pai, sua
filha e o primo da menina, integrantes de uma banda folclórica portuguesa.
Gomes usa musicalidade para se comunicar e estabelecer um elo de relação e
construção de personagens doloridos e vítimas do tempo e das paixões
irrefreadas no mais absoluto formalismo estético.
Tabu é antes mais
anda uma elaboração sequencial de planos com elipses perfeitas dos desatinos na
busca da elucidação dos segredos do passado construídos pela grande decepção amorosa
decorrente de uma retórica proibitiva em sintonia com as mazelas de uma aldeia
africana, com sua pobreza e a luta para emancipar-se. Um filme fabuloso de
personagens fortes em sua construção, embora fragilizados pelas circunstâncias
que dão consistência para este imperdível drama traumático familiar.
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