Renoir
Outra grata e gostosa surpresa na 36ª. Mostra de Cinema de
São Paulo é este magnífico Renoir, um
filme francês com a direção do já experiente Gilles Bourdos. Tem no seu
currículo os filmes Disparus (1998), Inquiétudes (2003), e o badalado Depois de Partir (2008), sobre um
advogado com um futuro brilhante, mas com sérios problemas em sua vida pessoal,
pois sua ex-esposa e filha moram em outra cidade, mas mesmo quase não as
procurando, nunca as esqueceu.
Este comovente drama aborda com sensibilidade o final da
vida do extraordinário pintor Augusto Renoir (Michel Bouquet- de desempenho
irretocável), tendo como cenário a Côte d’Azur, em 1915. Veio a falecer em 1919.
O mestre das tintas vive um momento de graves problemas pessoais, atormentado
pela morte de sua mulher, lancinantes dores por uma artrite reumática
degenerativa e como desgraça pouca é bobagem, é informado da triste notícia que
seu filho Jean- ele mesmo, o cineasta Jean Renoir- (Vincent Rottiers) fora ferido
em combate na guerra e está retornando manco de uma perna.
Bourdos conduz com elegância a trama, surgindo na vida do
velho pintor a linda jovem Andrée (ChristaTheret), tornando-se sua última
modelo e fonte de inspiração e rejuvenescimento, decorrente daquela beleza
radiante que lhe soa como um bálsamo para continuar vivendo. Mas nem tudo é
felicidade, paz e amor. Logo com a volta do filho ao convívio familiar, para
recuperar-se dos ferimentos, fica fascinado com a moça e sofre uma forte
oposição do pai para o romance.
O drama mostra a ascensão de Jean como cineasta e a
influência de primordial de Andrée como atriz e incentivadora de sua carreira e
consagradora mais tarde. A modelo fez muitas concessões, brigou muito com as
demais moças e criadas da casa dos Renoir. Cutucou o rapaz com vara curta,
chamou-e o de filhinho de papai riquinho e questionou sua vontade de servir às
forças armadas, numa guerra sem objetivos maiores.
O filme retrata especialmente o velho pintor contrariado com
o que acontece na guerra, sua vontade de viver está nos quadros e nas pinturas,
refletindo a beleza das mulheres com cores coloridas e do esplendor da
natureza, contrariado com Jean que insiste no preto e em ser soldado. Seu
principal objetivo, como ele próprio afirmava, era conseguir realizar uma obra
agradável aos olhos. No entanto, o talento não começou expresso nas telas, e
sim na porcelana, quando trabalhou como ajudante de um pintor e aos 17 anos,
trocou os pratos pintados pela pintura em leques e tecidos, que lhe rendia
maiores ganhos.
O impressionismo da técnica do pintor no longa está presente
na magnífica fotografia. Renoir nunca deixou de dar importância à forma, teve
um período de rebeldia diante das obras de seus amigos, no qual se voltou para
uma pintura mais figurativa, evidente na longa série Banhistas. Recupera sua pincelada enérgica com motivos que lembram
o mestre Jean Auguste Ingres, por sua beleza e sensualidade. A sua obra de
maior impacto é Le Moulin de la Galette , em que
conseguiu elaborar uma atmosfera de vivacidade e alegria à sombra refrescante
de algumas árvores, aqui e ali intensamente azuis. Percebendo que traço firme e
riqueza de colorido eram coisas incompatíveis, combinando que tinha aprendido
sobre cor, durante seu período impressionista, com métodos tradicionais de
aplicação de tinta, ricos em traços curtos que intercalavam nuanças de luz e
cor. A luz solar aparecia como elemento predominante na sua pintura. O
resultado foi uma série de obras-primas bem no estilo de seu mestre Ticiano, a
quem admirava e citado no longa, assim como outros pintores que reverenciava
como Fragonard e Boucher ele admirava.
Renoir não é somente
um filme sobre o final da vida do notável pintor e seus quadros, mas sua
relação amistosa e tímida com os quatro filhos, entre eles a única mulher, que
busca longe do lar sua trajetória pessoal. Não é um exemplo de pai ou um marido
dedicado. Suas ex-modelos queixam-se de serem descartadas como objetos depois
de usadas. A doença que lhe corrói seu físico tira-lhe seu humor em muitas
vezes, deixando transparecer que também é de carne e osso, tem fragilidades de
qualquer mortal.
O diretor concentra sua projeção nos fracassos do ser humano,
pois esta não é somente uma película de endeusamento de um mestre como uma poesia
lírica. É antes de tudo um vigoroso relato crítico de uma aristocracia com seus
problemas familiares, de doença degenerativa, acidentes de guerra, de
profissões que se seguem por influências externas e antes de tudo, a vida das
modelos pós-beleza e fama num ambiente carregado de certa forma que dão
consistência para este excelente drama.
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